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A difícil missão de homenagear e se despedir de um grande colega e amigo

Nota de pesar pelo falecimento do professor Luiz Flávio de Carvalho Costa

Nosso querido Flávio (Luiz Flávio de Carvalho Costa) nos deixou em 28/09/2022, após alguns meses lidando com um câncer raro, sem terapia disponível.

     Nos deixou da mesma maneira que conviveu entre nós, calmo, sereno e discreto. Ao lado da filha Laura, do neto Rafael, do genro Diogo e da companheira Véronique Mirlesse, médica francesa.

    Viveu a sua felicidade dos últimos anos, alternando Lumiar, próxima a Nova Friburgo, com Dourado, em casa na fazenda do grande amigo Ricardo Bastos, aproveitando com saber a aposentadoria, sempre guiado pela simplicidade, pelo prazer da boa gastronomia e pelas harmonias tiradas de seu violão. Compunha músicas e produzia pequenos vídeos, normalmente tendo a família ou suas pesquisas como temas.

     Flavio privilegiou o lado prazeroso da vida, conseguiu se desviar, sempre que possível, das chatices e aborrecimentos. Talvez por isso, quase sempre, estivesse de bom humor.

      Desde adolescência engajou-se no movimento estudantil secundarista participando de grupos de Teatro Amador.

     Frequentava o Bar e Café São Jorge, de Olívio Bezerra, o “Pernambuco”. Esse bar se celebrizou na época por haver  recebido  Sartre e Simone de Beauvoir em 1961, quando da passagem do casal em Araraquara.

      Nele, se  encontravam nas noites e madrugadas, radialistas, jornalistas, excuídos  sociais, músicos, intelectuais e  estudantes.

      O “Pernambuco” era a redação de  “O Rascunho”, jornal criado em 1970 por Tyller Pirolla e “Dado” Arantes, cópia do carioca “O Pasquim”.

     Na primeira ( e última ) edição, ocorreu a estréia de Flávio como escritor na crônica “non sense”:  “Um dia (ic!) na redação.” O trecho a seguir ele escreveu na preparação do encontro de 30 anos de formatura da Turma 1969 do IEBA.

      “Vou falar um pouco de 1968, época da paixão, quando tudo era vivido com muita intensidade. Fazíamos música, poesia, tocávamos instrumentos, competíamos nas quadras, nas piscinas, nos tabuleiros, no palco, planfletávamos, usávamos câmaras fotográficas, pincéis, fizemos até filme, realizávamos exposições, criamos pequenos jornais, pichamos muro, ocupamos faculdade, quanta coisa!! Somente os namoros eram comedidos, ainda que apaixonados.      

     Essa diversidade cultural com certeza alicerçou sua formação sociológica e musical, que o levou a compor músicas belíssimas, sobretudo para os Festivais Araraquarense da Canção, se colocando em pé de igualdade com os nossos grandes compositores da época: seu irmão Sergio “Tixa”, Marinho Galera, Berto Telarolli, entre outros.

     Aos 17 anos compôs  a belíssima “Noite de Carnaval”, que recebeu um prêmio especial por ter sido a mais cantada no primeiro festival, em 1968. No segundo Festival, em 1969, sua “Sem Rima” foi  primeira colocada na categoria “Música Jovem”. Fez também músicas belíssimas com o compositor campinense Dinoel Gandini.

     Foi exímio enxadrista, excelente nadador e cornetista  da Fanfarra do então Instituto de Educação Bento de Abreu (IEBA).

     Participou da criação do  Zoom Cine Clube, ligado à Faculdade de Filosofia, que promoveu um “Ciclo Godard” no antigo Cine Para Todos, hoje Capri. Godard faleceu 15 dias antes do Flávio…

     Formou-se  em Sociologia na Faculdade de Filosofia, hoje Unesp, fez a trilha sonora do curta metragem “O  Lençol”, de 2006, dirigido pelo querido amigo Beto Rolfsen Salles, com Kate  Hansen no papel principal.

    No projeto Patrimônio Cultural Rural Paulista, com apoio da Fapesp e Coordenação de Marcos Tognon, realizou lindo vídeo sobre a fazenda paulista:  “Santa Maria de Monjolinho” disponível em   https://vimeo.com/92578932

Compôs  o belíssimo “Rock Cidade”, disponível em  https://youtu.be/LqPnWSHB_ew homenageado por linda e comovente crônica de nosso imortal Ignácio de Loyola Brandão: “Tiremos o chapéu ao Rock Cidade”.

     Fez ainda o curta metragem “1908″ disponível em https://vimeo.com/91793610, um brilhante e abrangente olhar do historiador sobre a cidade e sua gente.

     Fez mestrado em Ciências Política na Unicamp, Doutorado em História Econômica na USP e Pós Doutorado na UNICAMP.  Estudou dois anos, no final dos anos 1970, na Universidade de Londres.

      Voltando em 1983, ingressou como docente, passando a professor titular em 2016, no Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, cidade onde passou a viver.

     Na academia se destacou também pelo que lhe estimulava o coração, o que pode ser comprovado pelo belo livro “Fotografia e Memória em Araraquara”, sobre sua cidade natal, expressão de sua sensibilidade e destreza com os arquivos, como um bom historiador que era, ou um “colecionador” como ele gostava de se enquadrar.

     Da sua pesquisa para o doutorado sobre o sindicalismo rural, herdou o vasto acervo pessoal do histórico  sindicalista Lyndolpho Silva, disponível no CPDA  em http://r1.ufrrj.br/cpda/als.

     Participou  da criação da revista “Estudos, Sociedade e Agricultura”, fundamental referência para os Estudos Rurais nas Ciências Sociais.

     Publicou ainda “Sindicalismo rural brasileiro em construção”, “Dois estudos regionais”, “Formação territorial no planalto central paulista”, “Mundo rural e cultura”, “O caminho de São Bento de Araraquara”.

Escreveu vários contos e crônicas como “Clara”, “Sonhos e paralelos”, entre muitos outros.

Flávio nos deixa, além de sua obra acadêmica, a memória de seu sorriso, da sua elegância e do respeito que nos destinou durante os quase 40 anos de convivência na Universidade Federal Rural do Rio de janeiro e fora dela, com seus coetâneos araraquarenses e cariocas, o que lhe proporcionou incontáveis amigos.

    Poucas semanas antes do desenlace, ao lhe perguntar se tinha medo da morte, afirmou que não. Tinha tido uma vida intensa, bem vivida, se relacionado com mulheres maravilhosas como Wilma Perez, Maria Helena Toledo (mãe de sua filha Laura) e há vários anos, com Veronique, francesa, o que fazia  que o casal alternasse  idas e vindas entre os dois países. Que havia produzido música, cinema e literatura, tinha uma filha e um neto que adorava, que a morte para ele era uma simples volta da sua matéria ao universo, e isso o engrandecia .

   Teve o privilégio de, quase ao final da vida, receber a visita  do irmão Sergio e das irmãs Flávia e Márcia.

     Negou-se a prolongar seu sofrimento  pois a quimioterapia se mostrou ineficaz e partiu serenamente tendo as mãos de Laura entre as suas.

Redação

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