Por Edison Laércio de Oliveira*
Os planos de saúde dificilmente conseguem pagar suas contas quando seus usuários recorrem ao atendimento pelo SUS. Para tentar minimizar uma dívida calculada em R$ 9 bilhões, o governo recriou o programa “Agora Tem Especialista”. O programa vai atender também os hospitais privados e filantrópicos cuja dívida com a União chega a R$ 34,1 bilhões.
Desde maio, hospitais e planos de saúde podem abater aproximadamente R$ 4 bilhões em dívidas tributárias — ou outras pendências junto ao SUS — prestando atendimento aos pacientes da rede pública.
A iniciativa busca enfrentar um grave problema no gargalo de atendimentos à população, intensificado pela pandemia de Covid-19, que durou de 11 de março de 2020 a 5 de maio de 2023. Nesse período, exames diagnósticos, cirurgias e diversos cuidados médicos ficaram represados, e até hoje o sistema de saúde luta para equilibrar essa demanda.
Embora pareça benéfica para pacientes e hospitais, a medida ignora um aspecto crucial: quem irá realizar esses atendimentos? O aumento na demanda exige também um número maior de profissionais da saúde, que seguem esgotados e com diversas sequelas físicas e mentais não tratadas desde a pandemia. Mais pressão pode elevar ainda mais o risco de estresse, ansiedade, síndrome de burnout, depressão e até suicídio. Essas feridas emocionais são cada vez mais recorrentes entre os trabalhadores da saúde — e até agora nenhuma ação concreta foi efetivamente aplicada, seja pela iniciativa privada, seja pelo governo.
Além disso, o Brasil convive há décadas com sérios problemas de dimensionamento de pessoal na saúde, principalmente na enfermagem — justamente o setor mais diretamente ligado ao cuidado com os pacientes. Enquanto o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) recomenda um profissional para cada quatro pacientes em cuidados intermediários, a realidade mostra trabalhadores responsáveis por 10, 12 e até 15 pacientes em um único plantão.
Uma pesquisa inédita da Fiocruz, realizada em 2022, revelou um cenário alarmante entre os profissionais de saúde considerados “invisíveis e periféricos”. O estudo mostrou que 80% dos técnicos e auxiliares enfrentam desgaste laboral acentuado, com estresse psicológico, ansiedade e esgotamento mental. Além disso, cerca de 30% desses profissionais precisam de um segundo emprego para conseguir sobreviver.
É um verdadeiro batalhão que atua silenciosamente pela saúde do país — e carrega feridas nunca tratadas. Baixos salários, ausência de valorização, jornadas exaustivas… Onde está o tão falado piso nacional da enfermagem? Onde está o adicional de insalubridade de 40%, que é direito desses trabalhadores? Onde está a jornada de 30 horas? Por fim, questionamos: onde está o reconhecimento justo para essa categoria?
Em vez de abrir os olhos para a realidade desses profissionais e atender às suas necessidades mais urgentes, o que temos visto é mais sobrecarga e invisibilidade. Precisamos de políticas públicas que reconheçam, respeitem e valorizem esse trabalho essencial — sem o qual nenhum indivíduo, em nenhum lugar do mundo, pode viver.
Que o programa “Agora Tem Especialista” seja mais do que um avanço para os pacientes. Que ele se amplie e se torne também “Agora Tem Especialista e Respeito ao Profissional da Saúde”. Porque, se não cuidarmos de quem cuida, o Brasil jamais conseguirá cicatrizar suas próprias feridas.
*Edison Laércio de Oliveira é presidente da Federação Paulista da Saúde e do Sinsaúde Campinas e Região