Da redação
Ao autorizar a Polícia Federal (PF) a prender, em caráter temporário, quatro dos suspeitos de acessar, sem autorização, os telefones celulares de autoridades públicas como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, titular da 10ª Vara Federal de Brasília, afirmou enxergar “fortes indícios de que os investigados integram uma organização criminosa”. A Polícia Federal começou a ouvir ontem (24), os depoimentos dos quatro suspeitos na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília.
Em sua decisão, o magistrado escreveu que, ao pedir a prisão temporária de Danilo Cristiano Marques, Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e Walter Delgatti Neto, a PF apresentou “um histórico de possíveis crimes” que os investigados praticaram em conjunto” para “violar o sigilo telefônico de diversas autoridades públicas brasileiras via invasão do aplicativo Telegram”.
Para o juiz, as prisões temporárias dos investigados pelo prazo de cinco dias são essenciais para a obtenção de provas. Inclusive, “sendo o caso, provas contra outros [possíveis] membros da organização”. Além das detenções temporárias, Oliveira autorizou também a realização de buscas e apreensões em sete endereços ligados aos suspeitos, nas cidades de Araraquara, Ribeirão Preto e São Paulo.
O magistrado também autorizou a quebra do sigilo das mensagens eletrônicas dos investigados, determinando às empresas Apple, Google, Uol/Bol e Microsoft que forneçam os dados cadastrais, os registros IP de acesso e todos os dados e arquivos em nuvem relativos às contas de e-mail dos suspeitos que tenham sido armazenados nos últimos seis meses.
Por fim, o juiz deferiu o pedido de quebra do sigilo bancário de Danilo, Gustavo, Suelen e de Walter, determinando ao Banco Central comunicar a decisão judicial às instituições bancárias com quem os quatro tenham se relacionado entre primeiro de janeiro deste ano e 17 de julho. Valores superiores a R$ 1 mil disponíveis nas contas dos suspeitos deverão ser bloqueados.
De acordo com a PF, Gustavo movimentou em sua conta bancária R$ 424 mil entre 18 de abril e 29 de junho deste ano. Sua companheira, Suelen, movimentou pouco mais de R$ 203 mil entre sete de março e 29 de maio últimos. Ainda segundo a PF, Gustavo, um DJ, de 28 anos, informou ao banco em que tem conta que seu rendimento mensal é da ordem de R$ 2.866. Suelen informou ganhar, mensalmente, cerca de R$ 2.192.
Durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, nessa terça-feira (23), os policiais federais apreenderam R$ 100 mil na casa de Gustavo, em Araraquara. De acordo com o advogado Ariovaldo Moreira, defensor do casal Gustavo e Suellen, a quantia apreendida seria usada para a compra de bitcoins (criptomoeda). “Ele garante ter como comprovar a origem do dinheiro apreendido”, afirmou Moreira.
O advogado disse em entrevista à Revista Veja que o relato ouvido pelo seu cliente sobre as mensagens seria narrado no depoimento à polícia. “O Gustavo me falou a respeito da invasão dos celulares. O próprio vermelho (Walter) mostrou que tinha as mensagens. O Walter mostrou mensagens de autoridades para ele há meses. E ele alertou: ‘Cuidado que você pode ter problema com isso’.”, disse. “Ele vai narrar os fatos as autoridades”.
O advogado afirmou acreditar que Gustavo e sua esposa não têm envolvimento com a invasão dos celulares de Moro e Dallagnol. Na avaliação de Moreira, a operação visa “coletar informações, recolher objetos, que possam a levar às pessoas que invadiram as contas no Telegram”. “Acredito que chegaram até ele porque ele possa ter informações que permitam que se chegue a quem cometeu o crime”, disse. “Conheço a pessoa do Gustavo e posso afirmar com todas as letras que não acredito que ele esteja envolvido diretamente nessa questão”, acrescentou.
Conta na Suíça
Um dos presos pela Operação Spoofing, Walter Delgatti Neto, de 30 anos, dizia que era “investidor” e, pelo menos uma vez, afirmou ter uma conta bancária na Suíça. Ele gostava de se vangloriar sobre suas supostas conexões em Araraquara e fingia ser aluno de medicina na USP, o que não era verdade.
Delgatti foi alvo de um mandado de busca e apreensão em sua casa, também em 2015, depois que uma garota de 17 anos, então namorada de seu irmão, o acusou de tê-la dopado e estuprado — ela depois refez seu primeiro depoimento. Na época, Delgatti disse para a delegada da DDM, Dra. Meirilene Castro, que sua profissão era investidor e que teria uma conta em um banco da Suíça, motivo pelo qual ele faz várias viagens por ano, para aquele país e para a Europa por causa das movimentações dessa conta.
Entenda a operação
Nessa terça (23), quatro pessoas foram presas sob suspeita de hackear telefones de autoridades, incluindo Moro e Deltan. Foram cumpridas 11 ordens judiciais, das quais 7 de busca e apreensão e 4 de prisão temporária nas cidades de São Paulo, Araraquara e Ribeirão Preto. Os quatro presos foram transferidos para Brasília, onde prestariam depoimento à PF.
A investigação ainda não conseguiu estabelecer com exatidão se o grupo sob investigação em São Paulo tem ligação com o pacote de mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato divulgadas desde junho pelo site The Intercept Brasil. Também não há provas de que os diálogos, enviados ao Intercept por fonte anônima, foram obtidos a partir de ataque hacker.
O inquérito em curso foi aberto em Brasília para apurar, inicialmente, o ataque a aparelhos de Moro, do juiz federal Abel Gomes, relator da Lava Jato no TRF2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), do juiz federal no Rio Flávio Lucas e dos delegados da PF em São Paulo Rafael Fernandes e Flávio Reis. Segundo investigadores, a apuração mostrou que o celular de Deltan também foi alvo do grupo. Segundo o ministro afirmou ao Senado, em 4 de junho, por volta das 18h, seu próprio número lhe telefonou três vezes. Segundo a Polícia Federal, os invasores não roubaram dados do aparelho.