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Araraquara, a cidade que o jornalismo me apresentou

Artigo

Roberto Schiavon – Colaboração

Araraquara completa 206 anos neste dia 22 de agosto. Eu, com meus 52 anos a completar em setembro, vivi aqui durante praticamente um quarto desse período.

A cidade, com todos os seus defeitos e virtudes, é a minha casa.

Assim como a porta que sempre range e a gente fica com preguiça

de consertar, algumas falhas próprias de nossa comunidade vão

sendo incorporadas ao sentimento de lar.

Uma ou outra rachadura na parede e alguns barulhinhos característicos acabam identificando que aqui é o nosso lugar. Os grandes defeitos têm de ser solucionados, mas as pequenas imperfeições, que às vezes só os que moramos aqui percebemos, viram memórias afetivas.

Mas nem tudo são flores. E nem tudo é defeito apenas da nossa cidade. Alguns problemas são do ser humano, esse bicho que quase sempre acaba estragando os melhores lugares.

Quando comecei a trabalhar como jornalista, em janeiro de 1999, já com 27 anos, depois de passar por um período de indecisão profissional, eu achava que conhecia a cidade. Mas fui conhecer de verdade a partir daquele momento.

Apesar de, já naquela época, não ser um total alienado (não votei em Collor, não defendia ditadura e nunca achei que a terra é plana), foi exercendo o jornalismo diário que aprendi como funcionam a política, as instituições públicas e quem era quem nos corredores dos grandes e pequenos poderes.

No início, passei por momentos vergonhosos. Eu fazia matérias em diversas editorias, como polícia, esportes, política, cultura (sempre a minha preferida) e cidades. Logo no início, em uma matéria de política, escrevi “o vereador Dimas Ramalho”, quando na verdade ele era deputado estadual.

Quando o Donato, então editor chefe do Imparcial, veio me contar do erro, corei de vergonha. Ele riu e disse “tudo bem, ele vai ficar feliz, porque nunca foi vereador”. Eu sorri amarelo e fui tratar de aprender as coisas, pra não escrever mais besteira.

Gafes à parte, foi na editoria de cidades que comecei a realmente tomar posse da cidade, sair do meu mundinho pequeno de filho de classe média e colocar Araraquara na palma da minha mão.

Não tinha rotina naquela editoria. A cada dia um bairro diferente, a cada dia uma pauta diferente. Saía para as ruas para conhecer os problemas dos bairros, as reivindicações dos mais necessitados, a realidade nua e crua da vida.

Em uma véspera de Natal, fui conhecer a história de um homem que construiu um barraco em um terreno e ali morava com a família, incluindo três filhos pequenos, um deles ainda bebê.

O entrevistado, que era funcionário da portaria em um shopping center, me falou do valor do trabalho e do sonho de ter uma comida melhor para suas crianças, pelo menos no Natal. Falou tudo isso dentro de sua casinha construída com placas de metal e pedaços de papelão.

Eu não falo para me vangloriar, mas por necessidade de compartilhar, depois de tantos anos. Quando cheguei em casa do trabalho aquele dia, chorei muito. Peguei umas coisas no armário de mantimentos, comprei mais algumas coisinhas, voltei pra lá e entreguei a ele, que obviamente ficou surpreso e grato.

Isso não é nada, não resolve os problemas do mundo e ninguém se torna uma pessoa melhor ao fazer isso. Mas o que nos torna pelo menos mais conscientes do que o mundo realmente precisa, é o conhecimento da realidade das pessoas. É tirar os olhos do nosso umbigo e voltar esse olhar para onde ficam as pessoas invisíveis. O jornalismo me ajudou a fazer isso.

Sinto muito pelo jornalismo de hoje. Além de ter sido muito maltratado e incompreendido nos últimos anos por pessoas ignorantes, manipuladas por todo tipo de criminoso, o jornalismo se tornou refém das novas plataformas de comunicação, principalmente a internet.

É lógico que o jornalismo independente e o jornalismo profissional sério resistem, basta procurar. Mas, no geral, vale qualquer besteira que atraia cliques e garanta a sobrevivência de quem ainda se aventura pela profissão. Controle de qualidade não existe mais e a verdade virou pós-verdade. Cada um que se vire nesse mar de insanidade.

Enfim, voltemos à cidade. Araraquara completa 206 anos e aqui estamos nós, rumo a um mundo cada vez mais complexo e tecnológico. Nesse contexto, faz bem lembrar de momentos em que a vida era mais simples e aprendíamos uma coisa nova todo dia.

Meu desejo para a minha cidade é que ela nunca deixe de nos proporcionar esse sentimento de aconchego, de pertencimento, de verdadeiro lar, para os que nasceram ou a adotaram como morada.

E que as pequenas rachaduras não se transformem em problemas estruturais, que inviabilizem nossa vida por aqui.

Parabéns, Araraquara.

Redação

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