O site ‘The Intercept Brasil’ publicou nesse domingo (9) uma reportagem que aponta que o então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e o procurador da Deltan Dallagnol trocavam mensagens de texto sobre o andamento da Operação Lava Jato.
O conteúdo pode abalar a imparcialidade do ministro quando era responsável pelo julgamento em 1ª instância de diversos casos de corrupção pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, dentre eles, o caso do tríplex no Guarujá, que levou à prisão o ex-presidente Lula.
Segundo a reportagem, “Moro sugeriu ao procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação, antecipou ao menos uma decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público e deu broncas em Dallagnol como se ele fosse um superior hierárquico dos procuradores e da Polícia Federal”.
Ainda segundo o Intercept, “a Constituição brasileira estabeleceu o sistema acusatório no processo penal, no qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo, cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa, sem interesse em qual será o resultado do processo. Mas as conversas entre Moro e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do Ministério Público – o que é proibido – e foi bem recebido, atuando informalmente como um auxiliar da acusação”.
As conversas vazadas, compostas por mensagens de texto, áudio e vídeo trocados entre 2015 e 2018, teriam sido enviadas ao site juntamente com um lote de arquivos por uma fonte anônima há algumas semanas, antes da notícia da tentativa de invasão do celular do ministro Moro, no início de junho (4).
O caso Lula
Segundo a matéria do Intercept, Moro manteve conversas privadas com Dallagnol sobre o caso tríplex do Guarujá, pelo qual Lula está preso há um ano em Curitiba. A reportagem dá os bastidores da acusação e afirma que o procurador estava bastante inseguro quanto à denúncia, especialmente após o episódio do Power Point, que ele apresentou em uma entrevista coletiva, no qual acusava Lula de ser “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos” e “o comandante máximo” do esquema de desvios da Petrobras. Apesar disso, Lula não foi denunciado por formação de quadrilha e sim de corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro.
“A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”, escreveu o coordenador da Lava Jato ao juiz que iria julgar o caso. “Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imperar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM de corrupção”, completou, referindo-se, no caso dos 87 milhões de reais, a propina que teria sido paga pela OAS em contratos para obras da Petrobras.
A reportagem mostra que dois dias após essa troca de mensagens, Moro respondeu: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”. Quase um ano após essa troca de mensagem, o juiz Moro considerou que o petista cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao ser o beneficiário de 3,7 milhões de reais em propina da construtora OAS no caso do tríplex do Guarujá.
Força-tarefa se pronuncia
Em nota, o Ministério Público Federal do Paraná informa que seus membros foram vítimas da ação criminosa de um hacker. A força-tarefa ainda acredita que dentre as informações obtidas ilegalmente estão, inclusive, documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento, além das rotinas pessoais e de segurança dos integrantes e de seus familiares. Os procuradores confirmam que mantiveram, ao longo dos cinco últimos anos, “discussões em grupos de mensagens, sobre diversos temas, alguns complexos, em paralelo a reuniões pessoais que lhes dão contexto.”
Moro comenta
O ministro da Justiça Sérgio Moro criticou a postura do site em não procurá-lo antes da divulgação e comentou sobre a reportagem em nota divulgada pelo site Antagonista. “Não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela operação Lava Jato”, salientou.
The Intercept
The Intercept é um site jornalístico lançado em fevereiro 2014 nos Estados Unidos pela First Look Media. A organização de notícias foi criada e financiada por Pierre Omidyar, fundador da eBay, e entre seus editores está um vencedor do Prêmio Pulitzer, Glenn Greenwald, advogado norte-americano, especialista em direito constitucional e ex-jornalista do jornal The Guardian.
Entre suas ações mais destacadas do site está o fato de ter servido como uma plataforma para informar sobre os documentos divulgados por Edward Snowden, referentes aos programas de vigilância global da Agência de Segurança Nacional (NSA). Através da publicação desses documentos, iniciada em 2013, foi trazida ao conhecimento publico a vasta dimensão do sistema de vigilância global norte-americano. A versão brasileira do site entrou no ar dia 2 de agosto de 2016.