A deputada estadual Márcia Lia vai representar judicialmente o promotor e o juiz que autorizaram a esterilização compulsória contra uma moradora de rua, Janaina Aparecida Quirino, na cidade de Mococa. “É inadmissível que uma pessoa, mesmo nas condições de Janaína, de já ter outros filhos, ser esterilizada de forma coercitiva, misógina e preconceituosa. Temos de nos indignar e nos posicionar contrariamente”, afirma a deputada, que ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa na tarde dessa terça-feira (12).
O caso ocorreu em abril e foi revelado ao público no último domingo, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, pelo professor de direito constitucional da FGV, Oscar Vilhena Vieira. Janaina tem 36 anos, é moradora de Mococa, tem 5 filhos, está presa há 7 meses por tráfico de drogas.
A deputada fará a representação no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho do Ministério Público, por entender que houve lesão corporal contra a vítima. “Não se permite a mutilação de um ser humano. No caso desse procedimento deve haver consentimento e disposição para que isso ocorra, além de outras prerrogativas previstas em lei. Não é possível esse decidir pela esterilização sem que todo o procedimento legal seja cumprido”, afirma Márcia Lia, que também é primeira procuradora adjunta especial da mulher, na Assembleia Legislativa.
“Precisamos barrar que outras decisões como essa sejam tomadas à revelia da lei. Precisamos que o direito, em sua plenitude, seja restituído, porque só assim garantiremos justiça de verdade. Não podemos aceitar passivamente o que ocorreu, também para que todas as mulheres sejam respeitadas e a justiça se restabeleça”, reitera Márcia Lia. A deputada também vai protocolar moção de repúdio na Assembleia.
O caso
Janaína Aparecida Aquino, mulher negra, em situação de rua, da cidade de Mococa foi esterilizada contra sua vontade, por meio de condução coercitiva. O promotor da cidade, Frederico Liserre Baruffini, entrou com ações contra Janaina e contra o município de Mococa solicitando ao juiz os procedimentos de laqueadura de trompa.
Sem qualquer audiência, o juiz Djalma Moreira Gomes Júnior autorizou o procedimento. Quando o caso chegou na segunda instância (TJ de São Paulo), Janaína já havia sido ilegalmente esterilizada há muito tempo.
A lei 9.263/96, que regula o planejamento familiar proíbe processos de esterilização contra a vontade da mulher. O procedimento deve ser voluntário. Diz o artigo 10, no parágrafo primeiro do inciso II : § 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.
O caso trouxe reações contrárias, por exemplo, do Conselho Nacional de Saúde, que emitiu nota repudiando a decisão: “A decisão é uma afronta aos direitos humanos e à liberdade individual sobre o próprio corpo de Janaína. O fato, ainda que proibido, aflige diversas mulheres em vulnerabilidade, que muitas vezes são tratadas como animais a serem castrados, ferindo a integridade e a dignidade dessas pessoas. Por meio da liminar que obrigava a prefeitura de Mococa (SP) a realizar o ato, o juiz feriu a Lei nº 9.263/1996, que só permite esterilização voluntária e veda qualquer tipo de indução ao ato por parte do poder público”.