Início Araraquara Em manhã histórica, Araraquara inaugura Casa de Acolhimento LGBTQIA+

Em manhã histórica, Araraquara inaugura Casa de Acolhimento LGBTQIA+

Investimento foi escolhido na plenária temática LGBTQIA+ do Orçamento Participativo; unidade leva o nome de Ricardo Corrêa da Silva

A Prefeitura de Araraquara inaugurou nesta quinta-feira (30), em manhã histórica, a Casa de Acolhimento à População LGBTQIA+ “Ricardo Corrêa da Silva”, atendendo solicitação da população na plenária temática LGBTQIA+ do Orçamento Participativo.

Na ocasião da plenária, durante a defesa da proposta vencedora, a população LGBTQIA+ relatou episódios de problemas familiares devido à falta de aceitação da orientação sexual. Em alguns casos, os filhos foram retirados de casa e não tinham lugar para serem acolhidos. Por isso, foi apontada a necessidade de criação da unidade. A Casa de Acolhimento LGBTQIA+ fica na Rua Voluntários da Pátria (Rua 5), nº 3340, no Santa Angelina.

O prefeito Edinho ressaltou em sua fala o pioneirismo de Araraquara, que inaugurou a primeira casa de acolhimento LGBTQIA+ pública, fruto de política pública governamental, de todo o Brasil.

“Esta manhã entra para a história de Araraquara e da luta LGBTQIA+ no Brasil. Que a gente entenda a importância e o significado do que estamos fazendo. Estamos reconhecendo o protagonismo da comunidade LGBTQIA+. Precisamos ter políticas públicas para construir a inclusão social”, declarou.

Edinho ainda destacou a trajetória do homenageado. “O Ricardo Corrêa escreveu uma história lindíssima. Estamos ajudando a dar visibilidade ao que ele foi e ao que ele representa”, disse. Sobre o Orçamento Participativo, o prefeito declarou que o programa “dá voz a quem geralmente não tem voz”. O OP LGBTQIA+, além da casa de acolhimento, também garantiu o Centro de Referência LGBTQIA+ (inaugurado) e o Ambulatório Trans (em construção).

A primeira vereadora trans de Araraquara, Filipa Brunelli (PT), que foi assessora de Políticas LGBTQIA+ no mandato anterior de Edinho, destacou a importância do novo espaço. “Estou muito feliz, mas, ao mesmo tempo, com uma tristeza enorme por precisar abrir uma casa de acolhimento. Esta casa vai ser uma família, um acolhimento para as pessoas.”

A deputada estadual Márcia Lia (PT) esteve no evento e parabenizou a gestão do prefeito Edinho pela inauguração. “É uma casa de afeto às pessoas LGBT, que geralmente são excluídas de tudo. É um orgulho poder compartilhar desse momento. Desejo que esta casa esteja sempre aberta para recepcionar com carinho, afeto e respeito”, disse Márcia.

Amanda Vizoná, secretária de Direitos Humanos e Participação Popular, relembrou todo o processo até a inauguração da unidade. “É um momento de consolidação do trabalho de várias mãos. Um dia muito emocionante. Aqui vai entrar muita gente que sofreu violência, que estão abandonadas. Esse espaço vai ser de acolhimento. A gente vai fazer acontecer a revolução na vida das pessoas”, opinou.

O coordenador de Direitos Humanos, Renato Ribeiro, agradeceu a todos que participaram de alguma forma desse projeto, destacando a atuação da vereadora Filipa Brunelli e do prefeito Edinho. “Essa conquista não seria possível sem o OP e sem a liderança e mobilização da Filipa. E o Edinho é comprometido com a pauta da inclusão das pessoas que mais precisam”, declarou.

A assessora de Políticas LGBTQIA+, Érika Matheus, também relatou que Araraquara vive um dia emocionante. “É um olhar de sensibilidade à população LGBT dentro de suas especificidades. Araraquara, graças a uma gestão democrática e ao Orçamento Participativo, nos deu o Centro de Referência, o Ambulatório Trans e a Casa de Acolhimento. Não queremos apenas inclusão. Queremos nos sentir pertencentes à sociedade. Queremos que, no futuro, a gente não precise de uma casa abrigo. Que isso aqui vire história, vire passado”, afirmou.

Digg Franco e Matuza Sankofa, presidentes e fundadores da OSC Casa Chama (parceira na gestão da unidade), falaram sobre o trabalho que será realizado. “É com muita responsabilidade e compromisso que a gente vem para Araraquara”, disse Matusa. “A Casa Chama nasceu em um momento de resistência, em 2018. Já são mais de 50 frentes de trabalho”, explicou Digg.

Irmão de Ricardo Corrêa da Silva, Marcelo Corrêa discursou em nome da família. “É um dia de vitória na batalha da diversidade e na luta pela inclusão. Agradeço, em nome da família Corrêa da Silva, por essa homenagem. Estou comovido e grato por esse sonho realizado. A edificação de uma ideia: a ideia de acolher, e não excluir. O Ricardo também, porque decidiu viver com intensidade”, declarou.

Também estiveram no evento a vereadora Thainara Faria (PT) e o vereador Guilherme Bianco (PCdoB); o coordenador de Participação Popular, Anderson Morfy; além de outros secretários, coordenadores e gestores municipais.

Proteção social
A casa de acolhimento oferecerá proteção social de alta complexidade para a população LGBTQIA+ em situação de rua e desabrigo por abandono, ausência de residência e sem condições de autossustento.

Os encaminhamentos serão feitos pelo Centro de Referência e Resistência LGBTQIA+ “Nivaldo Aparecido Felipe de Miciano (Xuxa)”, que fica na Avenida Espanha, nº 536, Centro, e que pode ser contatado pelo telefone (16) 3339-5002.

Para atender a demanda cada vez mais urgente no município e por se tratar de um público de vulnerabilidade muito específica, a gestão considerou que a melhor maneira de implementação do serviço seria um edital de chamamento público para firmar parceria com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que possuíssem vínculo e trajetória de atendimentos sociais com a população LGBTQIA+.

Assim, o serviço de acolhimento será oferecido pela Prefeitura em regime de parceria com a OSC Casa Chama, vencedora do chamamento. Fundada em 2018 e localizada na cidade de São Paulo, a Casa Chama promove o acolhimento de pessoas transexuais, visando a dignidade e a autonomia.

A Casa Chama já realizou mais de 200 mil projetos e ações psicossociais, jurídicas e culturais voltadas a pessoas trans. O termo de colaboração tem vigência de um ano, podendo ser renovado por igual período. A abertura da casa de acolhimento também recebeu apoio das lojas Mobly e Casas Bahia.

Mês do Orgulho LGBTQIA+
A inauguração integrou a programação do Mês do Orgulho LGBTQIA+ em Araraquara. Junho é conhecido internacionalmente como o Mês do Orgulho LGBTQIA+ por conta da data de 28 de junho, que também é o Dia Municipal do Orgulho LGBTQIA+ (Lei n° 10.272/2021, de autoria da vereadora Filipa Brunelli).

O mês de junho foi escolhido como homenagem ao episódio que muitos historiadores consideram como o início da luta organizada pelos direitos dessa comunidade nos Estados Unidos e, paralelamente, em outros países ocidentais. Foi em 28 de junho de 1969 que os frequentadores do Stonewall Inn, bar LGBT no vilarejo de Greenwich, em Nova York, resolveram dar um basta nos anos de violência e perseguição policial aos seus membros e espaços de convivência, causando a revolta que daria origem ao movimento LGBT+ de hoje.

O homenageado
Em cumprimento da Lei nº 10.506/2022, de autoria da vereadora Filipa Brunelli, a Casa de Acolhimento às Pessoas LGBTQIA+ leva o nome de Ricardo Corrêa da Silva, personalidade LGBTQIA+ de Araraquara que teve uma trajetória de lutas pela causa e acabou falecendo na cidade de São Paulo, vítima da vulnerabilidade e do preconceito que atravessam as existências LGBTQIA+.

Ricardo ficou conhecido nacionalmente como “Fofão da Augusta”, apelido que recebeu de maneira pejorativa em razão de alterações na face decorrentes de aplicações de silicone. Ele foi um artista de rua araraquarense que viveu mais de 20 anos entregando panfletos de peças de teatro na região da Rua Augusta, no centro de São Paulo.

Natural de Araraquara, era filho de Frank e Edite e tinha três irmãos: Marcelo, Flávio e Júlio. Saiu cedo de casa e, por opção, terminou o ensino médio e foi ser cabeleireiro na capital, para onde se mudou em 1978, aos 21 anos, por conta da discriminação de sua sexualidade enquanto homem gay que se trajava com elementos do gênero oposto, evidenciando uma performatividade enquanto drag queen, o que resultava em ridicularização e discriminação.

Tornou-se cabeleireiro renomado e, durante o período de auge profissional, entre a metade dos anos 1980 e a metade dos anos 1990, Ricardo morava em uma quitinete no Centro de São Paulo. Em meados de 1990, ele foi despejado do salão em que era sócio e, não tendo como viver e se sustentar, passou a viver de esmolas e da prostituição nas ruas de São Paulo, fixando-se em lugares que lhe rendiam maior dinheiro. Dessa forma, nasceu o apelido “Fofão da Augusta”.

Trocou a escova dos salões de beleza pelos folhetos de teatro que distribuía e passou a fazer em si mesmo a maquiagem que fazia no rosto dos outros, evidenciando sua arte drag queen. Nas ruas, foi vítima de violência e desenvolveu problemas psiquiátricos. Sabe-se que Ricardo possuía direito à uma herança deixada por um tio, porém, passou os anos finais de sua vida residindo em um hotel na região da Cracolândia, diagnosticado com esquizofrenia aguda.

Ricardo faleceu em 15 de dezembro de 2017, vítima de uma parada cardíaca. Sua história foi resgatada pelo jornalista Chico Felitti no livro “Ricardo e Vânia”, publicado pela editora Todavia em 2019.

Redação

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