João Paulo de Campos da Costa, pesquisador vinculado ao Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF/FAPESP), atualmente é Engenheiro de Instrumentação e Controle no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas (SP), onde atua no desenvolvimento de tecnologias estratégicas como aceleradores de prótons para tratamento oncológico e produção de radioisótopos, sistemas compactos de ressonância magnética voltados para uso no SUS, e instrumentação para diferentes projetos de interesse nacional.
Em 2023, a convite do Diretor de Tecnologia do CNPEM, James Citadini, ele assumiu a posição de Engenheiro de Instrumentação e Controle. Desde então, tem atuado em projetos estratégicos de alto impacto para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, integrando uma equipe multidisciplinar composta por profissionais altamente qualificados e comprometidos com a inovação nacional.
Entre os projetos de destaque, João Paulo participa do desenvolvimento de um acelerador de prótons brasileiro, com potenciais aplicações voltadas à terapia de prótons — uma avançada modalidade de tratamento oncológico por feixe de prótons, capaz de atingir tumores com precisão milimétrica, minimizando danos aos tecidos saudáveis — e à produção de radioisótopos utilizados em diagnósticos e terapias médicas.
Paralelamente, o pesquisador tem contribuído para o projeto de desenvolvimento de sistemas de ressonância magnética compactos, voltados à integração com o Sistema Único de Saúde (SUS). “O objetivo é democratizar o acesso a exames de imagem de alta precisão em todo o território nacional, reduzindo custos e superando barreiras logísticas enfrentadas por regiões remotas e carentes de infraestrutura. O projeto recebeu reconhecimento do Ministério da Saúde, que passou a apoiar institucionalmente a iniciativa, evidenciando seu potencial transformador na área da saúde pública brasileira”, explica.
Essa iniciativa representa um passo importante rumo à soberania tecnológica na área de diagnóstico por imagem e reforça o compromisso do CNPEM com o avanço da ciência aplicada e a melhoria das condições de saúde da população brasileira. Essas iniciativas têm o potencial de transformar o cenário da ciência e tecnologia no Brasil, promovendo autossuficiência em áreas críticas, ampliando o acesso a diagnósticos de ponta e consolidando o país como referência em inovação científica.
Trajetória
João Paulo realizou a graduação em Engenharia Elétrica na UNIARA (2015), em Araraquara; e mestrado (2018) e doutorado (2023) em Engenharia Elétrica com ênfase em Processamento de Sinais e Instrumentação pela EESC-USP, em São Carlos. Também é técnico em Eletroeletrônica (2009) e Mecatrônica (2023) pelo SENAI, unidade de Araraquara e São Carlos, respectivamente.
A partir de 2012, passou a desenvolver pesquisa científica no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC), no âmbito do CDMF/FAPESP, com ênfase na síntese e deposição de óxidos e materiais cerâmicos multifuncionais para aplicações em sensores de gás, biossensores, nanogeradores piezoelétricos e células solares, com colaborações nacionais e internacionais.
Como pesquisador visitante no Wyss Institute da Universidade de Harvard (2019–2020), foi responsável pelo desenvolvimento de uma plataforma automatizada para ensaios eletroquímicos multiplexados, integrando sensores e microfluídica em dispositivos portáteis de diagnóstico aplicados à COVID-19 e biomarcadores cardíacos, sob a supervisão do Prof. Dr. Donald Ingber e Dr. Pawan Jolly.
Atuou como Engenheiro de P&D na empresa Doroth Ltda (Piracicaba–SP), desenvolvendo sistemas automatizados para detecção em tempo real de fungos e microrganismos em ambientes agrícolas, e como consultor de desenvolvimento de hardware e produtos na startup americana StataDX Inc.
É membro dos grupos de pesquisa CDMF/FAPESP – UNESP/UFSCar e GMETA/USP (Metamateriais, Micro-ondas e Ótica), com experiência em sensores e biossensores, automação, microfabricação, microfluídica e integração de plataformas portáteis e multiplexadas para diagnóstico.
Possui mais de 24 artigos científicos publicados em periódicos de prestígio, 4 capítulos de livros, 2 patentes depositadas e mais de 24 resumos científicos apresentados em conferências nacionais e internacionais.
O gosto pela ciência
João Paulo nasceu em Ribeirão Preto (SP), cidade onde viveu até os três anos de idade. É o segundo de quatro irmãos, filho de pais professores — a mãe, professora de artes, e o pai, professor de imunologia. Desde cedo, cresceu em um ambiente familiar voltado à educação, onde o incentivo ao conhecimento era constante. Os pais sempre se mostraram presentes e dedicados a oferecer as condições necessárias para o bom desempenho escolar dos filhos, promovendo o hábito da leitura, o pensamento crítico e a curiosidade como parte natural do cotidiano.
Em 1994, seu pai, o Prof. Dr. Paulo Inácio da Costa, foi aprovado em concurso público para o cargo de professor na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP, e a família se mudou para Araraquara, cidade onde João Paulo cresceu e desenvolveu ainda mais o gosto pela ciência. “Adorava ir ver meu pai fazendo experimentos na universidade”, relembra. Essa vivência em ambiente acadêmico despertou um grande interesse pelo funcionamento das coisas e pela experimentação.
Desde a infância, João Paulo apresentava um perfil investigativo, com forte inclinação pelas ciências exatas. “Gostava de desmontar os brinquedos para saber o que tinha dentro e entender como funcionava. Muitas vezes não conseguia montar de volta, mas isso nunca foi um problema — o que importava era descobrir”. Essa inquietação com o desconhecido se tornou uma das marcas mais presentes ao longo de sua trajetória.
Durante o ensino médio, teve a oportunidade de cursar o técnico em Eletroeletrônica no SENAI de Araraquara, no contraturno escolar. A experiência prática proporcionada pelo curso foi decisiva para seu amadurecimento pessoal e profissional, consolidando seu interesse pela eletroeletrônica. Seu desempenho o destacou entre os colegas: foi selecionado para representar o SENAI na competição nacional de robótica móvel em 2009, recebendo treinamento para operação e programação do robô móvel Robotino, na sede da FESTO, em São Bernardo do Campo. Na Olimpíada do Conhecimento (SENAI Skills) conquistou o 5º lugar entre as demais instituições que participaram do evento.
No último semestre do curso, uma palestra ministrada por alunos do Instituto de Química de Araraquara (IQ/UNESP) sobre nanotecnologia chamou sua atenção de forma definitiva. O tema apresentado — envolvendo a fabricação de componentes eletrônicos a partir de nanomateriais — ressoou com um interesse já antigo: os varistores, componentes que o fascinavam desde o início do curso técnico por sua capacidade de proteger circuitos. Ainda no SENAI, chegou a utilizar varistores no desenvolvimento de uma fonte de corrente e tensão ajustável em um de seus projetos.
Essa palestra foi o ponto de virada. A partir dali, decidiu que queria entender profundamente como esses materiais eram fabricados e aplicados. Na cerimônia de formatura, João Paulo foi homenageado com uma menção honrosa como melhor aluno do curso de Eletroeletrônica de 2009. Ao concluir o ensino médio e o curso técnico, sua decisão já estava tomada: seguiria a carreira na engenharia.
Engenharia Elétrica
Em 2010, João Paulo ingressou no curso de Engenharia Elétrica da Universidade de Araraquara (UNIARA), enquanto atuava profissionalmente como técnico em eletrônica. Nessa função, era responsável pelo desenvolvimento e montagem de painéis eletrônicos utilizados no controle e automação de máquinas de torrefação e empacotamento de café.
Entre 2011 e 2012, realizou estágio na área de Serviço Técnico de Informação (STI) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP (FCFAr), onde adquiriu conhecimentos em programação e instalação de servidores, manutenção de hardware e suporte técnico a usuários. Foi também durante esse período que conheceu sua futura esposa Danielle — um capítulo marcante tanto em sua vida pessoal quanto na consolidação da fase universitária.
Apesar do forte envolvimento com a área de tecnologia da informação, a memória da palestra assistida ainda no período técnico no SENAI seguia presente: a apresentação sobre nanotecnologia promovida por alunos do Instituto de Química da UNESP. Aquela experiência continuava a despertar seu interesse, impulsionando-o a buscar caminhos para aprofundar-se nesse conhecimento.
A indicação decisiva veio por meio do professor de Física da UNIARA, Prof. Dr. Marco Roberto Guerreiro, que sugeriu que o candidato procurasse a Profa. Dra. Maria Aparecida Zaghete Bertochi — referência na área de processamento de materiais e desenvolvimento de semicondutores e pesquisadora do CDMF/FAPESP. Em março de 2012, ele enviou um e-mail manifestando seu desejo de aprender e contribuir com projetos da área. A resposta atenciosa e receptiva da Profa. Zaghete abriu as portas para um novo ciclo em sua formação.
No dia 4 de julho de 2012, iniciou estágio no Instituto de Química de Araraquara (IQ/UNESP), onde teve contato com tecnologias e metodologias que jamais havia experimentado, como microscopia eletrônica de varredura e transmissão, microscópio de feixe de íons focalizado (FIB), sistemas de pulverização catódica (sputtering), além de técnicas de caracterização elétrica de materiais semicondutores. Ali, aplicando conhecimentos adquiridos no curso técnico e na graduação, João Paulo passou a atuar no desenvolvimento e caracterização de varistores à base de SnO₂ para aplicações em alta tensão. Durante esse período, teve a honra de conviver com nomes de grande relevância na ciência brasileira, como o Prof. Dr. José Arana Varela, então Diretor-Presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, e o Prof. Dr. Mario Cilense.
Ainda em 2012, ao lado do mestrando Glauco Meirelles Lustosa, desenvolveu varistores para aplicações em baixa tensão, utilizando síntese por micro-ondas de composições de SnO₂, ZnO e Nb₂O₅, e posterior deposição por eletroforese sobre substratos de silício/platina. Buscando melhorar a uniformidade do material, criou um sistema de eletrodeposição com uso de ímãs de alto campo magnético (0,2 T) — inovação que proporcionou maior controle na orientação das partículas durante o processo. Este trabalho resultou na publicação de seu primeiro artigo científico e capítulo de livro como co-autor, além da obtenção de bolsa de iniciação científica pelo CNPq e participação em um de seus primeiros congressos acadêmicos.
Em meados de 2013, passou a colaborar ativamente em diversos projetos do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (LIEC), voltados ao desenvolvimento de materiais cerâmicos multifuncionais para nanogeradores piezoelétricos, sensores de gases, varistores e células solares. Entre suas contribuições, destacam-se o desenvolvimento de plataformas de caracterização para células fotovoltaicas de perovskita, em parceria com a doutoranda Silvia Letícia Fernandes e Maicon Roberto Ferreira, e o design de sensores interdigitados com sistema de auto aquecimento (self-heater) em substratos de alumina. Também participou do desenvolvimento de filmes fotoluminescentes de NaNbO₃ com a doutoranda Guilhermina Teixeira — trabalho que foi premiado com o primeiro lugar no XXVI Congresso de Iniciação Científica da UNESP. Como reconhecimento, recebeu um exemplar assinado pelo Prof. Dr. Antônio Carlos Massabi, representante do Brasil na Comissão de Nomenclatura em Química Inorgânica da IUPAC.
No ano seguinte, com a aproximação da conclusão do curso de graduação, João Paulo iniciou um novo desafio: desenvolver biossensores para aplicações em diagnóstico clínico. O projeto foi realizado em colaboração com a doutoranda Gisane Gasparotto e Glenda Biasotto. Motivado pela curiosidade, passou a estudar o funcionamento desses sensores, os princípios dos eletrodos e os métodos de imobilização de biomoléculas. “Lembro que, para entender, desmontei uma tira de sensor de glicose e estudei cada detalhe até conseguir desenvolver meu próprio sensor eletroquímico”, recorda.
Com foco na aplicação prática e redução de custos, projetou os sensores eletroquímicos utilizando técnicas de sputtering combinadas com máscaras de sombra produzidas por impressão 3D — alternativa que substituía os processos tradicionais de fotolitografia que possuem custo elevado. Em parceria com o Centro de Tecnologia da Informação (CTI), desenvolveu as máscaras e avançou no protótipo. O sensor, modificado com nanobastões de ZnO, demonstrou excelente desempenho na detecção sensível e seletiva de câncer de ovário. O trabalho resultou em uma publicação internacional e teve grande repercussão na comunidade científica da área de diagnóstico biomédico, sendo oficialmente reconhecido pela Câmara Municipal de Araraquara por sua contribuição ao avanço da ciência e tecnologia aplicadas à saúde pública.
Ao final da graduação, com a conclusão da bolsa de iniciação científica, João Paulo teve a oportunidade de conhecer o Prof. Dr. Elson Longo, diretor do CDMF/FAPESP, grande amigo e mentor, o qual ofereceu apoio para que continuasse desenvolvendo suas pesquisas no LIEC. A partir de então, ele passou a ser responsável pela montagem/manutenção e operação de equipamentos de deposição de filmes (Sputtering, Atomic Layer Deposition, GloveBox), sistema de caracterização de tamanho, potencial elétrico e morfologia de nanopartículas (BI-XDC Particle Analyzer, Potencial Zeta, Raman, Voltametria e Espectroscopia de Impedâcia).
Mestrado
Em 2016, motivado pelo desejo de aprofundar seus conhecimentos em sensores/biossensores e expandir suas habilidades em instrumentação aplicada à saúde, ingressou no programa de pós-graduação em Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP. Desde o primeiro contato com o Prof. Dr. João Paulo Pereira do Carmo, ainda em setembro de 2015, encontrou acolhimento e incentivo para desenvolver ideias inovadoras em uma das mais respeitadas instituições de engenharia do país.
Seu projeto de pesquisa teve como foco o desenvolvimento de um potenciostato portátil de baixo custo, capaz de realizar ensaios voltamétricos com qualidade comparável aos equipamentos comerciais (como os da linha AUTOLAB), mas com simplicidade, mobilidade e custo acessível. Em paralelo, desenvolveu sensores eletroquímicos descartáveis confeccionados por técnicas de circuito impresso (PCB) e modificados por galvanoplastia. Essa plataforma foi aplicada com sucesso no imunodiagnóstico da Hepatite C, atingindo um limite de detecção de 1 ng/µL — mil vezes mais sensível que métodos tradicionais como o ELISA.
O desafio técnico envolvia não apenas o desenvolvimento de um circuito potenciostático com baixo ruído e alta estabilidade, mas também a criação de uma interface capaz de transmitir dados em tempo real para dispositivos móveis. Para superar essa etapa, ele mergulhou no universo do desenvolvimento de aplicativos, aprendendo a integrar hardware e software de maneira eficaz, e contou com o apoio do Dr. Wagner Bastos, cuja experiência foi fundamental para a construção do dispositivo final. O resultado foi uma plataforma portátil, confiável e acessível, que se destacou por sua inovação tecnológica e potencial impacto social. Esse trabalho resultou em publicações científicas relevantes e reconhecimento nacional e internacional, consolidando a contribuição do pesquisador na área de diagnóstico biomédico.
Durante o mestrado, ampliou ainda mais sua atuação, desenvolvendo diversos sensores por meio de técnicas como sputtering, PCB (Printed Circuit Board) e eletrodeposição, sempre com foco em aplicações reais: desde sensores de gases até biossensores multiplexados para detecção de diferentes biomarcadores. Também participou da imobilização de proteínas para a detecção de antígenos virais, otimizando a seletividade e sensibilidade dos sensores.
Sua inserção em projetos avançados de microeletrônica o levou a contribuir no design de circuitos integrados CMOS voltados à saúde, dentro do grupo de pesquisa coordenado pelo Prof. Dr. Carmo. Atuou em projetos como sensores ópticos para medidas angulares de incidência luminosa, amplificadores de biopotenciais aplicados à optogenética, mixers RF para comunicação intracorpórea e módulos fotônicos para cápsulas endoscópicas e filtros NBI (Narrow Band Imaging) em parceria com os mestrandos Rodrigo Gounella, Daniel Celino e Talita Conte.
“Minha paixão por pesquisa e desenvolvimento só crescia. Ver a eletrônica aplicada à saúde me mostrava o real impacto que essas tecnologias poderiam ter na vida das pessoas. Tive a certeza de que era isso que queria fazer: usar a ciência para transformar o cuidado com a saúde”.
Em 2018, concluiu o mestrado, sendo o trabalho amplamente divulgado por sua contribuição à área de sensores portáteis e diagnóstico biomédico. No mesmo ano, João se casou e se mudou para São Carlos (SP), onde novas oportunidades surgiram quase imediatamente.
Nos meses subsequentes à sua defesa, foi convidado pelos pesquisadores vinculados ao CDMF/FAPESP, Dr. Miguel Adolfo Ponce e Dr. Carlos Eugenio Macchi, para realizar medidas por aniquilação de pósitrons no Instituto de Investigaciones en Ciencia y Tecnología de Materiales – Facultad de Ingeniería, Universidad Nacional de Mar del Plata – Argentina, com o intuito de aprofundar os estudos de vacâncias e defeitos nos nanomateriais sintetizados no LIEC.
Neste mesmo período, em parceria com esses pesquisadores argentinos e Nicolas Tibaldi (CONICET), contribuiu para o desenvolvimento de um sistema autônomo de calibração e certificação de sensores de gases, e no desenvolvimento de uma máquina de deposição controlada de materiais nanopartículados por spray ultrassónico seguido de calcinação para a boa aderência do filme em sensores interdigitados.
Ainda em 2018, João Paulo participou de projetos de pesquisa com o LNLS e o LNNano (CNPEM), aplicando técnicas de XAFS (X-ray Absorption Fine Structure) para analisar nanopartículas sintetizadas, além de desenvolver sensores interdigitados e um sistema portátil de aquisição de dados com acoplamento a espectroscopia Raman, em colaboração com os professores Waldir Avansi e Luís Fernando da Silva (UFSCar).
Doutorado
Em 2019, João Paulo ingressou no programa de pós-graduação em Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP, com ênfase em Processamento de Sinais e Instrumentação, sob a orientação do Prof. Dr. João Paulo Carmo e coorientação do Prof. Dr. Elson Longo. O projeto de doutorado apresentava um desafio ambicioso: desenvolver um sistema de irradiação por feixe de elétrons capaz de modificar materiais semicondutores e não metálicos em escala, com foco em aplicações tecnológicas.
Durante os anos de aprendizado no LIEC/CDMF, o desenvolvimento de nanomateriais por diferentes técnicas de síntese/modificação permitiram aprimorar ou induzir propriedades em materiais já conhecidos. Porém, ainda existem grandes desafios no processamento de materiais multifuncionais que permitam controlar as suas morfologias para determinadas aplicações, bem como garantir a reprodutibilidade e a não contaminação do material durante os processos de síntese. Pesquisadores do CDMF/FAPESP em parceria com o grupo teórico liderado pelo Prof. Dr. Juan Andrés, da Universitat de Jaume I, da Espanha, conseguiram predizer a morfologia de novas estruturas através da dose (tempo de exposição) de irradiação por feixe de elétrons em microscópios eletrônicos de varredura e/ou transmissão, um dos grandes desafios nesta área é garantir a reprodutibilidade e a produção em larga escala desses materiais obtidos em microscópios.
Por este motivo, João Paulo iniciou seu doutorado com o intuito de desenvolver uma plataforma de irradiação por feixe de elétrons para a produção em larga escala de materiais, e garantir a reprodutibilidade destes para aplicações tecnológicas na área de sensores e biossensores. Com esse objetivo, ele submeteu o projeto à FAPESP em agosto de 2019 e, paralelamente, iniciou a construção do primeiro protótipo do equipamento, mesmo antes da aprovação da bolsa. Durante esse período, participou do congresso internacional ACS National Meeting 2019, em Orlando, nos Estados Unidos, onde apresentou os resultados do mestrado. A repercussão do trabalho despertou o interesse de parceiros internacionais.
Foi então que, em setembro de 2019, João Paulo recebeu um convite do renomado Diretor do Wyss Institute for Biologically Inspired Engineering da Universidade de Harvard (Boston, MA, EUA), Dr. Donald E. Ingber (M.D., Ph.D.), para atuar como pesquisador visitante durante o período de novembro de 2019 a novembro de 2020, com uma bolsa de estudos concedida pela Harvard Medical School (HMS). O convite representou não apenas um marco pessoal e profissional, mas também um reconhecimento internacional pela relevância de sua trajetória científica. Em razão dessa conquista, João Paulo foi homenageado pela Câmara Municipal de Araraquara, por iniciativa do vereador Jéferson Yashuda, em reconhecimento às suas significativas contribuições para o desenvolvimento científico e tecnológico em prol da ciência nacional.
O recebimento desse convite foi um dos momentos mais importantes e felizes para o pesquisador, onde percebeu que todo o seu desenvolvimento e contribuição que até então tinha realizado, chamou a atenção de pesquisadores internacionais de universidades de renome. Mediante tal oportunidade, embarcou em uma de suas melhores experiências profissionais, pois, ao mesmo tempo iria contribuir para o aperfeiçoamento de seu inglês, bem como permitir trabalhar e conhecer as tecnologias de ponta que ainda estão sendo desenvolvidas.
Neste período, ficou sob a supervisão do Dr. Pawan Jolly, Dr. Adama Marie Sesay, Dr. Hani Sallum e Dr. Geoffrey Lansberry. O principal objetivo do trabalho para o qual foi convocado, era o de projetar e desenvolver uma plataforma totalmente automatizada para diagnóstico e desenvolvimento de ensaios eletroquímicos com a integração de cartuchos microfluídicos, medições multiplexadas, microbombas peristálticas e sensores eletroquímicos em um único dispositivo, aplicado no diagnóstico de marcadores cardíacos.
No dia 26 de fevereiro, a FAPESP retornou o projeto de doutorado, comunicando que havia sido aprovado. Entretanto, por estar com bolsa da HMS aprovada, João Paulo pediu à FAPESP o adiamento do início de vigência da bolsa até o seu retorno para o Brasil, sendo este pedido concedido.
No ano de 2020, o pesquisador desenvolveu várias tecnologias para Harvard, e aprendeu diferentes técnicas de microfabricação, microfluídica e eletroquímica. No dia 13 de março, com a explosão da pandemia de Covid-19, todos os laboratórios foram fechados, e deu-se início ao lockdown e ao home office. Neste momento, seu supervisor permitiu levar todos os instrumentos/equipamentos necessários para casa, onde pôde dar continuidade e desenvolver à distância o projeto do dispositivo de diagnóstico para risco cardíaco.
No entanto, por estar trabalhando no diagnóstico de doenças, todos os projetos dos institutos de Harvard voltaram seu foco para a detecção do SARS-CoV-2. Foi então que o pesquisador brasileiro pôde retornar ao laboratório a partir do mês de junho de 2020, em horários pré-definidos para evitar a propagação e contaminação pelo vírus, e trabalhar novamente, de maneira presencial.
Durante esse período, João Paulo finalizou a plataforma de ensaio eletroquímico (ADS – Assay Development System), o qual era constituído por um chip microfluídico com conexão para 8 sensores eletroquímicos multiplexados (4 eletrodos de trabalho com detecção simultânea), com completa automação dos processos de microfluídica e aquisição de sinais amperométricos. Também desenvolveu um dispositivo de fácil integração (Hybrid System) com chip microfluídico, (Domino capillary microfluidic chip) desenvolvido pelo Dr. Mohamed Yafia, e contribuiu para o desenvolvimento de um chip microfluídico utilizando filmes adesivos.
Neste mesmo período, ficou responsável pelo desenvolvimento de sensores eletroquímicos multiplexado flexíveis, com o intuito de reduzir o preço dos atuais sensores confeccionados por técnica de Sputtering em substratos de vidro; pelo projeto e desenvolvimento de um cartucho microfluídico integrado a um atuador de válvula linear on-chip para manuseio robusto de fluidos; e atuou diretamente na caracterização de transistores orgânicos de filmes finos (OTFT – Organic Thin Film Transistor) aplicados no diagnóstico do SARS-CoV-2 por amostra de saliva, tecnologia esta que foi licenciada para o IQ Group Global.
Além da contribuição na área de sensoriamento e desenvolvimento de plataformas automatizadas para diagnóstico, também contribuiu, juntamente com os pesquisadores Micaela Almeida, Isaac Hsia e Dr. Adama Marie Sesay, no desenvolvimento de um sistema de automação dos Organ-on-chip (OoC) para medida de resistência elétrica transepitelial/transendotelial (TEER) e oxigenação nas células, e no desenvolvimento de chip com sistema de eletroforese e medidas por espectroscopia por impedância aplicado em diagnósticos à base de DNA.
O período como pesquisador visitante em Harvard contribuiu para o crescimento pessoal e profissional do pesquisador brasileiro, o qual foi reconhecido pelo seu supervisor de Harvard nos dois relatórios de acompanhamento com nota máxima. Além disso, o sistema ADS desenvolvido para Harvard permitiu o licenciamento e a criação de uma startup – StataDX Inc, a qual João Paulo passou a atuar como consultor de desenvolvimento de produtos e hardware em meados de abril de 2022.
Com o retorno ao Brasil em dezembro de 2020, o pesquisador deu continuidade ao desenvolvimento de um sistema inovador de irradiação por feixe de elétrons, com o objetivo de garantir reprodutibilidade, escalabilidade e segurança no processamento de materiais funcionais. O sistema projetado e construído pelo pesquisador, incorpora uma câmara de alto vácuo, fonte de alta tensão, automação embarcada e controle preciso dos parâmetros de exposição, permitindo ajustes finos em tempo real durante os processos de modificação de materiais. A plataforma revelou-se altamente eficaz na transformação estrutural e eletrônica de semicondutores e compostos não metálicos, possibilitando a criação de novos materiais sem a necessidade de agentes redutores ou solventes tóxicos — um avanço significativo em direção a processos mais limpos e sustentáveis.
Durante essa fase do projeto no âmbito do CDMF/FAPESP, João Paulo contou com o apoio técnico e científico do Prof. Dr. Adenilson Chiquito e do Dr. Leonélio Cichetto Jr., ambos do Departamento de Física da UFSCar, cujas contribuições foram fundamentais para o desenvolvimento da plataforma e aprimoramento das análises e validação das propriedades dos materiais irradiados. O impacto do sistema foi reconhecido nacional e internacionalmente, sendo amplamente divulgado em reportagens, portais de inovação e canais especializados. Entre os resultados práticos, destaca-se o desenvolvimento de sensores multiplexados para detecção de gases voláteis com altíssima sensibilidade e seletividade.
Em 2022, o pesquisador foi convidado a atuar como Engenheiro de P&D na startup Doroth, sendo responsável pelo desenvolvimento de equipamentos para diagnóstico molecular em tempo real utilizando a técnica RT-LAMP, integrando discos microfluídicos “chip-on-a-disc”, óptica embarcada, termociclagem e métodos colorimétricos e fluorescentes para detecção. O projeto foi agraciado com o PIPE-Invest da FAPESP.
“Ao longo da minha trajetória, sempre acreditei que a engenharia e a ciência não existem apenas para romper limites tecnológicos, mas principalmente para transformar realidades. Desde os meus primeiros passos na área científica, minha motivação tem sido desenvolver soluções que façam a diferença — especialmente aquelas capazes de impactar positivamente a vida e a saúde das pessoas”, destaca.
Durante sua jornada, João Paulo lembra que teve o privilégio de cruzar o caminho de “pessoas brilhantes e profundamente especiais — professores, colegas, mentores, familiares e amigos — que não apenas me ensinaram, mas também acreditaram em mim quando nem eu mesmo sabia o quão longe poderia chegar. São essas pessoas que continuam sendo meu alicerce e fonte constante de inspiração, e é por elas que sigo firme, mesmo diante dos desafios mais difíceis, acreditando que vale a pena construir, aqui no Brasil, um futuro mais justo, inovador e humano”.
O jovem e promissor cientista avalia que a ciência ainda não recebe o valor que merece no Brasil. “Infelizmente, muitos pesquisadores talentosos seguem para o exterior em busca de reconhecimento e infraestrutura. Mas sigo acreditando — com convicção — que temos tudo o que precisamos para fazer diferente. Precisamos olhar com mais carinho para a ciência nacional e, sobretudo, para os profissionais que diariamente se dedicam, com paixão e resiliência, a mudar o curso da história através da pesquisa e da inovação”, declara.
João Paulo enfatiza que, como engenheiro, está sempre em busca de novos aprendizados e tecnologias, “mas sem perder de vista a pergunta que me guia desde o início: como isso pode contribuir para o bem das pessoas ao meu redor? O meu senso de curiosidade, aliado a esse propósito, me levou a lugares que eu jamais imaginei — laboratórios, universidades, centros de excelência — e continua sendo a força que me impulsiona a seguir. Acredito que quando colocamos nossa energia a serviço do coletivo, não apenas construímos soluções, mas deixamos um legado. Ainda tenho muito a aprender e muito mais a contribuir”, finaliza.
O CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).
CDMF
Com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e dirigido pelo Prof. Dr. Elson Longo, o CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).