Atualmente, o câncer é a segunda maior causa de morte no mundo, tornando-se uma enorme barreira ao aumento da expectativa de vida. Dentre os inúmeros tipos, o câncer ósseo caracteriza-se como uma neoplasia, uma massa de tecido anormal, que pode ocorrer de duas formas: quando se origina diretamente no osso, denominado osteosarcoma, e quando surge como resultado da metástase de outras neoplasias.
Em ambos os casos, o principal tratamento é baseado na remoção cirúrgica do tumor, seguido por terapias complementares, tais como a quimioterapia e a radioterapia, realizadas com o intuito de remover as células cancerígenas remanescentes na área adjacente ao tumor. Ao mesmo tempo em que essas terapias permitem a melhora da saúde e bem-estar do paciente, elas acarretam efeitos colaterais que têm grande influência na sua qualidade de vida.
Por esta razão, pesquisadores buscam o desenvolvimento de tratamentos mais efetivos e com o mínimo possível de efeitos colaterais. Entre estas possibilidades está a hipertermia magnética, uma terapia alternativa na cura do câncer que se baseia no aquecimento das células tumorais até aproximadamente 43°C. Ao serem aquecidas, as células doentes sofrem necrose e inativação de proteínas importantes, levando à morte celular. Esse processo chama a atenção por poupar as células saudáveis e afetar principalmente as células cancerígenas, uma vez que essas apresentam menor resistência ao calor.
Com a intenção de buscar novos materiais que possibilitem o tratamento do câncer ósseo por hipertermia, recentemente foi desenvolvido por pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) um material compósito multifuncional formado por uma matriz de vidro bioativo com partículas magnéticas. A matriz vítrea, produzida no Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV/UFSCar) e licenciada para a empresa startup VETRA, possui a capacidade de regenerar o tecido ósseo quando entra em contato com os fluidos biológicos, formando uma camada de hidroxicarbonato apatita (HCA), um mineral presente naturalmente no osso humano que é cristalizado entre o vidro e o tecido ósseo, permitindo a fixação do compósito material ao osso. Estas descobertas estão apresentadas no artigo “Smart Bone Graft Composite for Cancer Therapy Using Magnetic Hyperthermia”, publicado no periódico Materials.
Aplicadas ao compósito, as partículas magnéticas de manganita de lantânio dopada com estrôncio foram produzidas separadamente e incorporadas em diferentes concentrações na matriz vítrea bioativa. Geovana Santana, primeira autora do estudo e pesquisadora do CDMF, conta que as partículas magnéticas são responsáveis pela produção de calor ao serem submetidas a um campo magnético externo, além de viabilizarem o controle da temperatura máxima alcançada.
“Neste caso, o controle de temperatura é extremamente importante, uma vez que impede o superaquecimento local e, consequentemente, a destruição dos tecidos saudáveis adjacentes à área de tratamento. No geral, o óxido de ferro é o material mais utilizado nos estudos de hipertermia magnética. Contudo, a alta liberação de calor produzido por este material é dificilmente controlada no interior do corpo, tornando-se uma desvantagem em relação às partículas magnéticas”, explicou Santana, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências e Engenharia de Materiais (PPGCEM) da UFSCar.
Os resultados da pesquisa publicada comprovaram que o novo material compósito apresenta propriedades bioativas e magnéticas promissoras para aplicação em hipertermia de câncer ósseo, podendo ser utilizado como enxerto ósseo no tratamento cirúrgico e permitindo a ação dupla de aquecimento local e regeneração do osso.
A pesquisa também contou com a colaboração dos pesquisadores Murilo Camuri Crovace, Ernesto E. Mazón, Adilson J. A. de Oliveira, Theo Z. Pavan e Edgar D. Zanotto. Para dar sequência a este estudo, os próximos passos da investigação buscarão otimizar o processo de geração de calor dos compósitos e estabilizar a temperatura, bem como a avaliação da sua citotoxicidade em culturas celulares.
CDMF
O CDMF, sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN).