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Ferroviária é uma brasa, mora?

Confira um pouco da história da Ferroviária pela visão do jornalista e fotógrafo Tetê Viviani

Tetê Viviani/Colaboração

O clichê “é uma brasa, mora” criado por Roberto Carlos, na década de 1960, ao receber convidadas e convidados no palco da Record, logo foi adotado pelos cronistas esportivos para se referirem à Locomotiva de Araraquara: “Ferroviária é uma brasa, mora?”.
A metáfora “brasa” se referia a “fantástica, espetacular, ardente”. E “mora” para confirmar o adjetivo, com a pergunta “entendeu?”. Entendeu?
E o clube tinha pouco mais de 10 anos de existência – fundado em 12 de abril de 1950 pelo visionário engenheiro Antônio Tavares Pereira Lima – e já era respeitado no cenário futebolístico nacional e internacional. Sob o comando do meia Bazani, a Locomotiva ascendeu à elite do futebol paulista em 1956, conquistou o terceiro lugar no Paulistão de 1959; e no começo de 1960 realizou um giro na Espanha, Portugal e Africa.


Em 1962, enfrentou a Seleção Brasileira em jogo amistoso realizado em Serra Negra (SP), quando os companheiros de Pelé e Garrincha se preparavam para a Copa do Chile. Rebaixada para Segunda Divisão do Paulista, em 1964, a Locomotiva atropelou o XV de Piracicaba, no Pacaembu, e retornou ao topo do estadual no ano seguinte.
Com brasa ardente sobrando na fornalha, o experiente goleiro Galdino Machado e o eterno capitão Fogueira comandaram a conquista do tricampeonato do Interior – 1967, 1968 e 1969.
Tricampeões mundiais perdem para a Locomotiva
Dezessete dias depois de o capitão da Seleção, Carlos Alberto Torres, erguer a Taça Jules Rimet de 1970, no Estádio Azteca, no México, ele sobe a estreita escada de acesso ao gramado da Fonte Luminosa guiando o Santos FC para a saudação aos torcedores, no dia 8 de julho.
Faixas de homenagens aos tricampeões Carlos Alberto, Joel Camargo, Clodoaldo, Pelé e Edu circularam em volta das quatro linhas. Dulcídio Wanderley Boschilla, o árbitro das grandes finais, autorizou o espetáculo da quarta-feira à noite. Impecável na sua entrosada defesa, que atuava havia quatro anos com a mesma base, e forte marcação no meio-campo, a Ferroviária venceu por 1 a 0, gol de Cabinho, aos 7 minutos do segundo tempo. O centroavante recebeu lançamento de Ticão, livrou-se da marcação de Djalma Dias e bateu forte na saída de Joel da meta santista.


Outro fatos marcante além das performances esportivas neste início de década foram a estatização das ferrovias paulistas e, com isso, a ruptura do cordão umbilical do clube com a direção da estrada de ferro. Preocupada com o patrimônio do clube, a diretoria liderada pelo Doutor José Wellington Pinto, com apoio do prefeito municipal Rubens Cruz, adquiriram toda a área e as benfeitorias da Fonte Luminosa (1973).
Taça de Ouro
As disputas no cenário nacional marcaram os anos 1980, primeiramente, na Taça de Prata (1980 e 1981) e depois a espetacular campanha da Taça de Ouro, de 1983, com o garoto de ouro da Vila Xavier, Douglas Onça, o meia Zé Roberto e o centroavante Marcão castigando os grandes clubes do Brasil. A Ferroviária venceu o Botafogo RJ (1 a 0), o Internacional RS (2 a 0) e o Grêmio RS (3 a 1) e com outros bons resultados terminou entre os 15 primeiros da competição.
Durante as disputas da Taça de Ouro foi lançado o compacto de Exaltação à Ferroviária, da Banda Brejo. “O povo está feliz, Tem futebol. Com a Ferroviária da Morada do Sol…”
Ferroviária chega às semifinais nos gramados e nos tribunais
Aldo Comito retorna à Fonte Luminosa na gerência do departamento de futebol e monta o elenco titular do Paulistão de 1985 com Washington; Balu, Mauro Pastor, Marco Antônio e Nonoca; Paulo Martins, Sidnei Alástico e Wilson Carrasco; Botelho, Marcão e Nenê Guanxuma. E mais as opções de Rodolfo (goleiro), Caíco, Cardim, Marcos Ferrugem, Donato, Serginho Dourado, Vitinho, Toninho e Dama.
O regulamento determinava todos contra todos, em dois turnos. O campeão de cada turno, mais os dois clubes com mais pontos na soma dos dois turnos, disputavam as semifinais e finais, em jogos de ida e volta.

Portuguesa, com 52 pontos, São Paulo, com 51, e Guarani, com 45, garantiram as vagas. Ferroviária e Corinthians, com 42 pontos, travaram uma batalha jurídica. O zagueiro Dama cumpria suspensão no campeonato de juniores e foi utilizado na equipe profissional no empate contra o XV de Piracicaba (1 a 1). O Tribunal da Federação Paulista de Futebol (FPF) retirou o ponto da Ferroviária, e o Corinthians faria a semifinal contra a Portuguesa. A Ferroviária recorreu ao Tribunal da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ganhou, de vez, o ponto. Transmitida ao vivo, a sessão no Rio de Janeiro terminou e a festa na cidade começou com carreata na Rua São Bento e muitos chopps no bar O Barril.
O jogo do ano na gloriosa campanha foi o primeiro da semifinal contra a Portuguesa de Desportos: 2 a 2, na Fonte Luminosa, no domingo à tarde de 8 de dezembro. Acredito que o público de 18.651 pagantes seja o maior até então de torcedores afeanos, considerando que a Lusa tem poucos seguidores na região.
Na quarta-feira, 11 de dezembro, a diretoria da Ferroviária formou caravanas de ônibus para a decisão no Estádio do Canindé. A Lusa venceu por 2 a 0 e adiou o sonho da Locomotiva em disputar a final do Paulistão. Na outra semifinal, o São Paulo eliminou o Guarani (1 a 1 e 3 a 0). Na decisão, o Tricolor do goleiro Abelha e do preparador físico Bebeto, ex-afeanos, e do “Rei de Roma”, o craque Falcão, venceu a Lusa (3 a 1 e 2 a 1) e se sagrou campeão orientado pelo técnico Cilinho, ex-AFE.

Anos difíceis dentro e fora do campo
A trajetória da Ferroviária nos anos 1990 marcou profundamente a história do clube, com cinco participações na elite do Paulistão (1990, 1991, 1994, 1995 e 1996), uma no Grupo Amarelo (1992), uma no octogonal (1993), uma na segunda divisão (1997) e duas na terceira divisão (1998 e 1999).


Os atacantes Silvinho e Fabrício Maia integraram a Seleção Brasileira de Novos. O zagueiro Ronaldo Marconato, o lateral esquerdo Rogério Seves e os atacantes Otávio Augusto e Juari foram negociados com o Santos, o zagueiro Toninho com o Corinthians, e os atacantes Adalberto e Valtinho foram emprestados para clubes do Japão.
A turbulência na área administrativa não permitia qualquer planejamento financeiro. Foram muitas as tentativas para arrecadar dinheiro para saldar as dívidas trabalhistas, a manutenção da Fonte Luminosa e da pensão dos atletas no bairro São Geraldo e diversos fornecedores.
Em 2000, a Ferroviária foi rebaixada para a Quarta Divisão do Paulista, a Série B 1. Com o jovem centroavante Grafite, atual comentarista da Globo, a Locomotiva voltou a Terceira Divisão no seguinte. O clube ainda viria a disputar a B 1, em 2004.

Ferroviária é campeã da Copa FPF 2006
Depois de dez anos da queda da elite do futebol paulista, o torcedor da Ferroviária sorriu e encheu os pulmões para gritar: é campeã. O título da Copa Federação Paulista de Futebol diante do Bragantino, no segundo semestre de 2006, recolocou a Locomotiva no cenário nacional com a vaga obtida para a Copa do Brasil de 2007.
Depois de se classificar, sem problemas, na primeira fase, a Locomotiva para chegar à final eliminou o Itararé (1 a 0 e 2 a 2), Guarani B (5 a 2 e 2 a 1) e São Bernardo (1 a 0 e 1 a 1). E na final superou o Bragantino por 1 a 0, gol de Francisco Alex, na Fonte Luminosa (18/11/2006). Com o empate em Bragança Paulista, no Estádio Marcelo Stéfani (25/11/2006), por 1 a 1, com gols de Bil (Braga) e Jackson (AFE), o capitão Tuti ergueu o troféu para explosão da torcida grená.
Neste ano a Ferroviária conseguiu o acesso à Segunda Divisão do Paulista. E o processo de municipalização do estádio resolvido.

Tricampeã da segunda divisão, Ferroviária volta à elite no Vale do Paraíba
A vitória por 1 a 0, com gol de Tiago Adan convertendo pênalti sofrido pelo lateral Roberto, diante do Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, naquele sábado, 18 de abril de 2015, decretou matematicamente a volta da Associação Ferroviária de Esportes à primeira divisão do futebol paulista, com três rodadas de antecedência. Desde a queda em 1996, o clube estava fora da elite do Paulistão havia 19 anos.
No cumprimento de tabela, a Ferroviária venceu o São Caetano por 2 a 0 no Estádio Anacleto Campanella (27/4/2015) e empatou com o Guarani por 0 a 0 na Fonte Luminosa (2/5/2015) no jogo de entrega da taça e das faixas aos campeões, que teve público recorde do campeonato: 13.660 torcedores. O tricampeonato alternado da segunda divisão (1955, 1966 e 2015) estava concretizado. A classificação final dos quatro clubes que ascenderam ao Paulistão de 2016: AFE, 44 pontos; Grêmio Novorizontino, 36; Oeste, 35; e Água Santa, 35

Tadeu brilha nos pênaltis: Locomotiva é campeã da Copa Paulista
O goleiro Tadeu Ferreira defendeu a última cobrança da Inter de Limeira e levantou a taça da Copa Paulista naquele 25 de novembro de 2017, um sábado. A contagem final: AFE 7 x 6 Inter. Durante o tempo normal de jogo prevaleceu o empate por 2 a 2. Hygor marcou os dois gols afeanos e Wesley também balançou as redes grenás em duas oportunidades para a Inter.
A conquista do time orientado por PC de Oliveira garantiu a vaga para o Campeonato Brasileiro da Série D de 2018. Desta vez, a torcida comemorou aliviada, já que no ano anterior a Ferroviária ficou com a taça de vice ao perder nos pênaltis para o XV de Piracicaba.
Durante a competição, a Ferroviária superou adversários tradicionais com resultados expressivos: Portuguesa de Desportos 0 x 2 AFE, AFE 3 x 2 Santos B, Santos B 0 x 4 AFE, AFE 5 x 1 Velo Clube e AFE 3 x 0 Linense.
O time-base campeão: Tadeu; Daniel Vançan (Alisson), Patrick, Elton (Raniele) e Arthur; Willian Favoni, Ikaro (Felipe Ferreira) e Elvis (Danilo Sacramento); Léo Castro (Caio Mancha), Hygor e Marco Damasceno (Renato Kayzer).
A galeria de troféus de campeões da AFE ficou assim: três da segunda divisão paulista (1955, 1966 e 2015), um da Copa Federação Paulista de Futebol (2006) e um da Copa Paulista (2017).
Ferroviária chega à terceira fase da Copa do Brasil
Em 2020, crise global da saúde com a pandemia de Coronavírus-19, a Locomotiva realizou a melhor campanha entre as cinco oportunidades que disputou a Copa do Brasil, competição atualmente valorizada pelos altos prêmios financeiros aos participantes. Na primeira fase, eliminou o Avaí, de Santa Catarina, ao vencer por 2 a 0, na Fonte Luminosa. Também em casa, eliminou o Águia Negra, do Mato Grosso do Sul (6 a 2), na segunda fase. Empatou no jogo de ida com o América mineiro, 0 a 0, em Araraquara e foi eliminada em Belo Horizonte ao perder a decisão da volta por 1 a 0.

Ferroviária conquista acesso no caldeirão do sertão paraibano
Com a vantagem do empate, a Locomotiva partiu para a decisão no Vale dos Dinossauros, como é conhecida a cidade de Sousa, de 67.259 habitantes, segundo o Censo do IBGE (2022). A estratégia foi reservar hospedagem em Sousa, mas ficar alojada em Cajazeiras, a 44 quilômetros do caldeirão do Estádio Antônio Marques da Silva Mariz, o Marizão.

A semana da decisão foi agitada pelo presidente Aldeone Abrantes, do Sousa EC, que alegava assédio por parte da Ferroviária sobre o atacante Luís Henrique com propostas para ele deixar o clube paraibano. Também houve agressão a um torcedor afeano, que viajou por conta própria ao sertão da Paraíba.
Domingo, 3 de setembro de 2023, a bola rolou exatamente às 15h no Marizão. Logo aos 4 minutos, o volante Xavier acertou na pequena área adversária um chute de canhota no ângulo esquerdo de Igor Leonardo, colocando a Locomotiva à frente do placar: Sousa 0 x 1 AFE e vantagem grená por 2 a 0 no agregado.
Com poucas chances de ambos os lados, a primeira etapa caminhava para o final quando o atacante Luís Henrique, protagonista da polêmica provocada por Aldeone, marcou o gol de empate para o Sousa em cobrança de falta pelo lado esquerdo, aos 42 minutos: 1 a 1.
Na volta do intervalo, mesmo empurrado pela torcida, o Sousa pouco criou contra o bloqueio esquematizado pelo técnico afeano, Alexandre Lopes. A chance mais clara da virada surgiu aos 52 minutos: Gustavo recebeu livre na direita e mandou para fora a possibilidade de colocar o Dino na decisão de penalidades.
Com o apito final de Marcelo de Lima Henrique, o goleiro Saulo levou os companheiros para os vestiários, local seguro para as comemorações e sem provocar a ira dos torcedores rivais.
O time do acesso na Paraíba: Saulo; Lucas Rodrigues, Ronaldo Alves, Maílson (Gustavo Medina) e Vitor Ricardo (Chico Bala); Pablo Gabriel, Xavier (Judá Aguiar), Paulinho Santos e Thomaz (Antônio); Vitor Barreto (Alysson Dutra) e Pilar.

A acesso aliviou um pouco a tristeza da torcida afeana, que viu no primeiro semestre desse ano a equipe ser rebaixada do Paulistão após disputar oito campeonatos seguidos (2016 a 2023).

Ferroviária exorciza fantasmas e conquista acesso ao vencer decisão na Fonte
O segundo acesso consecutivo no âmbito nacional na história da Locomotiva consolidou-se com a vitória diante do Ypiranga-RS por 4 a 2, no sábado, 5 de outubro de 2024, véspera da eleição municipal, no Estádio Fonte Luminosa com 7.130 pagantes. Em 2023, o acesso da Série D para a Série C havia ocorrido no sertão da Paraíba, em Sousa, contra o Sousa, com empate por 1 a 1.
Ao longo de sua história, foram raras as oportunidades em que a Ferroviária deu alegrias ao torcedor em partidas decisivas disputadas na Fonte Luminosa. Diversos títulos e acessos foram conquistados fora de Araraquara. Algumas exceções recentes ocorreram em 2007 (acesso para a A2 do Paulista), 2015 (jogo de entrega da taça da A2 e acesso ao Paulistão A1) e em 2017 (título da Copa Paulista após disputa nos pênaltis). Em 2024, mais uma festa em casa.
75 anos de lutas e conquistas
Desde a fundação – 12 de abril de 1950 – a Ferroviária passa por mudanças administrativas. Surgiu como clube empresa tendo no corpo associativo funcionários da Estrada de Ferro e também diretores oriundos da ferroviária. A partir dos anos 1970, a direção e o quadro social envolveu toda a sociedade civil araraquarense. No começo do século o clube se tornou uma Sociedade Anônima – Ferroviária SA -, e mais recentemente em Sociedade Anônima Futebol, a SAF, primeiro com grupo de Saul Klein, e desde o final de 2022 com a gestão Bertolucci.
Vale destacar a visibilidade que o futebol feminino, com as “Guerreiras Grenás”, proporciona à marca do clube com conquistas estaduais, nacionais e internacionais.
Araraquara 208 anos merece aplausos, vibrações positivas da torcida grená e muitas vitórias da Locomotiva nos gramados e na comunidade.

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