Início Araraquara Javier Milei derruba peronismo e é eleito presidente da Argentina

Javier Milei derruba peronismo e é eleito presidente da Argentina

Candidato libertário reverteu resultado do 1º turno e derrotou o ministro da Economia, Sergio Massa

O candidato de direita Javier Milei, 53 anos, da coalizão La Libertad Avanza venceu o 2º turno das eleições presidenciais da Argentina neste domingo (19.nov.2023). O libertário derrotou o representante peronista Sergio Massa (Unión por la Patria).

A posse do argentino será em 10 de dezembro, sucedendo o atual presidente Alberto Fernández.

Sergio Massa reconheceu a derrota nas eleições presidenciais e ligou para dar os parabéns para Javier Milei. O discurso de Massa foi feito antes da divulgação dos resultados oficiais do 2º turno.

QUEM É JAVIER MILEI

Há cerca de 2 anos, Javier Milei, 53 anos, não era uma personalidade política conhecida na Argentina. Nascido em 22 de outubro de 1970 em Buenos Aires, o economista formado pela Universidade de Belgrano atuou como professor em instituições de ensino superior.

Ele é filho de uma dona de casa e de um motorista de ônibus que se tornou empresário de transportes. Costuma dizer que, na infância, foi goleiro do Chacaritas Juniors, um clube de futebol argentino. Depois de se formar em economia, Milei fez duas pós-graduações na área, cursadas no Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social e na Universidade Torcuato di Tella. 

O argentino trabalhou em consultorias como a de Miguel Broda, um dos mais conhecidos economistas da Argentina. Também atuou como economista sênior do HSBC na Argentina e como assessor econômico do militar e ex-deputado Antonio Domingo Bussi, acusado de crimes “contra a humanidade” cometidos quando foi governador de Tucumán. 

O economista também integra o B20 (Business 20), grupo de diálogo relacionado ao G20 para o setor empresarial, e o Fórum Econômico Mundial.

Milei se diz discípulo da Escola Austríaca, linha do liberalismo econômico difundida a partir do século 19. É autor de 8 livros. Escreveu “Desvendando a mentira keynesiana: Keynes, Friedman e o triunfo da Escola Austríaca”, com prefácio do ex-ministro de Economia Ricardo López Murphy. 

O argentino foi acusado de plágio em seus livros “Pandenomics” e “El camino del libertario”, no prólogo do livro “4000 años de controles de precios y salarios” e em artigos publicados nos jornais El Cronista e Infobae

Em 2021, Milei ganhou destaque na cena política argentina depois que ele e seus aliados do La Libertad Avanza conquistaram 5 cadeiras da Câmara nas eleições legislativas. Na cidade de Buenos Aires, a coalizão recebeu 310 mil votos (ou 17% do total), terminando a eleição em 3º lugar. Na época, o argentino já declarava ter pretensão de se eleger presidente. 

A partir disso, a popularidade do economista começou a crescer ainda mais com suas participações em programas de TV e rádio, nos quais Milei chamava os políticos da Argentina de “ratos” que formam uma “casta parasita”. Ele passou a se apresentar como alguém distante do sistema político tradicional e ganhou visibilidade nas redes sociais. Ele também diz ser “anarcocapitalista” “libertário”. 

Milei diz representar os argentinos insatisfeitos com a instabilidade econômica no país. A Argentina tem uma inflação anual de 142,7%, juros de 133% ao ano e quase metade da população na linha da pobreza.

Milei foi crescendo nas pesquisas de intenção de voto para as eleições presidenciais argentinas e acabou vencendo as primárias de agosto que determinou os 5 candidatos que disputariam o 1º turno. Ele recebeu 30,04% dos votos. 

Durante um evento realizado em um hotel de Buenos Aires, o argentino comemorou o resultado das primárias e dedicou sua vitória a Conan, Murray, Milton, Robert e Lucas: seus 5 cachorros da raça Mastim. Os animais de estimação do economista chamam atenção por serem cães clonados de um cachorro do argentino, também chamado de Conan, que morreu em 2018. 

O argentino, que não é casado e nem tem filhos, afirma que tanto seu 1º animal quanto os atuais são “sua vida”. Ele considera Conan como um filho e os outros 4 como netos. 

Segundo reportagem do New York Times, Milei contratou a empresa norte-americana PerPETuate para a clonagem. O 1º contato foi realizado em 2014 e, por US$ 1.200, o argentino enviou uma amostra do tecido de Conan. Depois da morte do animal em 2018, o economista contatou a empresa novamente, afirmando estar disposto a pagar US$ 50.000. O valor era o custo de um procedimento que garantiria pelo menos um clone, mas o procedimento resultou em 5. 

Dentre eles, os 4 cachorros (Murray, Milton, Robert e Lucas) foram batizados em homenagem a 3 economistas norte-americanos: Murray Rothbard, Milton Friedman e Robert Lucas.

As principais propostas do candidato são: 

  • economia – fechar o Banco Central e dolarizar a economia argentina. Estimular a concorrência monetária no país. Criar um plano econômico que possibilite “um forte corte nos gastos públicos” e “eliminar despesas improdutivas do Estado”
  • segurança – reformular a legislação penitenciária da Argentina, despolitizar as Forças Armadas e construir mais prisões em parceria com empresas privadas. Desregulamentar o mercado de armas e o porte para uso pessoal da população. Criar uma base nacional de dados ligados às câmeras de segurança com identificação facial. 
  • educação – estabelecer um sistema de voucher para universidades. Extinguir o Ministério da Educação. Aumentar a competitividade no mercado universitário. Reformar o sistema curricular de estudos com base nos profissionais que o país precisa, como engenheiros e cientistas da computação.
  • trabalho – implementar uma nova legislação trabalhista, sendo o fim das indenizações por demissão sem justa causa a principal mudança. Estabelecer um sistema de seguro-desemprego. Reduzir os impostos pagos por empregadores. Diminuir os impostos sobre os salários dos trabalhadores.

Eis a íntegra do plano de governo de Javier Milei (PDF – 696 kB, em espanhol).

MILEI DIZ TER SIDO ALVO DE CAMPANHA SUJA

Javier Milei votou neste domingo (19.nov) em Almagro, bairro de Buenos Aires, acompanhado por sua irmã Karina Milei. Ao chegar ao local de votação, Milei criticou a campanha de Sergio Massa.

“Estamos muito satisfeitos, apesar da campanha de medo e suja que fizeram contra nós”, declarou.

Na reta final da corrida eleitoral do 2º turno, o candidato peronista divulgou uma série de comerciais para estimular medo contra Milei.

A campanha de Massa conta com trabalhos de marqueteiros brasileiros. Milei rebateu a campanha e divulgou seu último comercial eleitoral com o slogan usado por Lula em 2022“A esperança vence o medo”.

DEBATES

1º debate presidencial foi realizado em 1º de outubro, quando Sergio Massa, Patricia Bullrich, Juan Schiaretti e Myriam Bregman ainda disputavam o pleito, e foi marcado por temas econômicos. Massa e Milei protagonizaram os principais embates nessa área. O candidato governista focou no plano de dolarização de Milei, que respondeu criticando a gestão do ministro da Economia.

Outro tema do debate foi direitos humanos. O libertário questionou o número de desaparecidos na ditadura argentina, e afirmou que “não foram 30.000 desaparecidos, foram 8.753”.

Ainda no evento, Milei falou sobre o papa Francisco, a quem já havia xingado. Massa disse ao libertário que daria a ele um espaço para pedir desculpas ao pontífice.

“Parece que você [Massa] está mal-informado, porque eu já pedi perdão por isso. E faria de novo, porque não tenho problema com isso, porque se eu cometer um erro, não tenho problema”, falou Milei em resposta ao rival. No entanto, a Igreja Católica disse que Milei não pediu desculpas, de maneira privada ou pública.

Já no 2º debate antes do 1º turno, realizado em 8 de outubro, Bullrich questionou o projeto de venda de órgãos e perguntou a Milei por que ele nega as mudanças climáticas. O libertário respondeu que o aumento das temperaturas é um processo “cíclico” na história, e que, se eleito, não irá aderir à Agenda 2030 da ONU, a qual chama de “marxismo cultural”.

O único debate do 2º turno foi realizado em 12 de novembro, com Sergio Massa e Javier Milei. O libertário criticou a crise econômica argentina e disse que esse cenário será mudado com “um economista de verdade” no comando.

Em outro momento, Milei afirmou que a relação da Argentina no Mercosul é um “estorvo” econômico e voltou a dizer que o Estado “não deve intervir em relações econômicas”.

Os candidatos também debateram trabalho e segurança. Milei se concentrou em criticar os projetos apresentados por Massa, e não expôs propostas concretas sobre os temas, mas afirmou que “tudo que o Estado faz, faz mal”

APOIOS

Milei, enquanto candidato, convidou Patricia Bullrich, que ficou em 3º lugar no 1º turno com 23,83% dos votos, para integrar seu possível governo. “Me parece boa [a escolha de] Patricia como ministra de Segurança”, disse Milei ao jornal argentino La Nación em 23 de outubro. Bullrich foi ministra de Segurança durante o governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).

Dois dias depois da declaração, Patricia Bullrich anunciou apoio ao libertário no 2º turno. O jornal Clarín informou que Bullrich foi à casa do ex-presidente Mauricio Macri para informá-lo de sua decisão.

“Quando o país está em perigo, tudo é permitido, exceto não defendê-lo”, afirmou Bullrich em publicação em seu perfil no X (ex-Twitter). Ela disse ainda que “a urgência do momento nos desafia a não sermos neutros diante do perigo da continuidade do kirchnerismo que Sergio Massa significa”.

Em reposta ao anúncio, Milei publicou um desenho de um leão, animal que o presidente eleito disse que o representa, abraçando um pato, símbolo de da campanha de Bullrich, coberto com uma bandeira da Argentina.

A 8 dias do 2º turno, em 11 de novembro, Macri e outros ex-presidentes declararam apoio ao libertário. O manifesto foi divulgado no X pela coalizão La Libertad Avanza. O documento criticava o ministro da Economia e defende que ele é a continuidade de um modelo econômico “corporativo fracassado”.

O documento disse ainda que as 9 pessoas que assinaram têm diferenças de pensamento em relação a Milei, mas que ele é um candidato novo que tem ideias de liberdade e diagnóstico “muito acertado” dos problemas econômicos do país.

CONGRESSO

Nas eleições Legislativas, a coalizão La Libertad Avanza, que tinha apenas 3 cadeiras na Câmara durante o governo de Alberto Fernández (2019-2023), elegeu 37 deputados. 

Mesmo o grupo de Milei não conquistando a maioria dos assentos, os congressistas de direita serão a maioria no Congresso, com 130 cadeiras. Os deputados de esquerda somam 121. Outros 6 representantes não possuem orientação política definida e podem se aliar tanto a Massa quanto a Milei. 


DERROTA DO PERONISMO

A vitória de Milei impõe uma derrota sobre o peronismo. O movimento político surgiu na Argentina durante a década de 1940 com o então presidente Juan Domingo Perón (1895-1974). Na eleição presidencial de 2023, Sergio Massa (Unión por la Pátria) representou a corrente política.

Com Néstor e Cristina Kirchner, o peronismo ganhou, em 1º turno, 4 das 5 eleições presidenciais disputadas em 20 anos. A única derrota no período se deu em 2015, quando Mauricio Macri quebrou a hegemonia do movimento em 2º turno e venceu o peronista Daniel Scioli.

A eleição de Milei representa uma nova interrupção no ciclo de poder do peronismo no país.

Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse em janeiro, 9 dos 12 países da América do Sul estão sob comando de governos de esquerda. Nos últimos 4 anos, 4 países trocaram governistas de direita por líderes de esquerda.

A Argentina, que atualmente é governada pelo peronista Alberto Fernández, volta agora a ser liderada por um presidente de direita depois da saída de Mauricio Macri do cargo em 2019.

Com a 2ª maior economia da região, a eleição de Milei interrompe o aumento do número de governos de esquerda na América do Sul e indica uma nova tendência no continente.

RELAÇÃO COM O BRASIL

Durante a campanha, Milei chegou a dizer que cortaria relações com o Brasil e China caso fosse eleito. Declarou que não se reunirá com Lula e rotulou seu homólogo de “comunista”“corrupto” e que “por isso ele esteve preso”. Disse que seus “aliados” serão os Estados Unidos, Israel e “o mundo livre”.

Milei também disse que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), “não é apenas um socialista”, mas sim “alguém que tem vocação totalitária”. Ele também afirmou que Jair Bolsonaro (PL) “travou uma luta digna contra o socialismo” e disse também ter algumas dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro. 

A relação com Bolsonaro foi uma marca de Milei para os brasileiros. O argentino recebeu apoio do ex-chefe do Executivo –que prometeu ir à posse do candidato caso ele seja eleito e foi comparado com o ex-presidente brasileiro diversas vezes, mas criticou a comparação, afirmando que as correlações são “maliciosas” e feitas por quem faz uma política “suja”.

Ao menos 39 deputados federais brasileiros de oposição ao governo de Lula assinaram uma carta pública em apoio a Milei. No documento, os congressistas afirmam repudiar a “tentativa de interferência” do governo petista na disputa eleitoral argentina por meio da “inclusão forçada” do país no Brics (bloco econômico originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Eis a íntegra da carta (PDF – 443 kb).

ECONOMIA ARGENTINA

A Argentina é 2ª maior economia da América do Sul e a 22ª no mundo, com o PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 632,77 bilhões, segundo dados de 2022 do Banco Mundial. O país é ainda o 3º maior parceiro comercial dos brasileiros. O Brasil exportou US$ 15,34 bilhões e importou US$ 13,10 bilhões do país vizinho no ano passado, com saldo de US$ 2,24 bilhões.

Redação

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