Da redação
“Minha mãe pegou para adoção uma criança cega simplesmente por tê-la amado”, conta o músico Luiz Guilherme Palácio Arraes. “Sem minha mãe sabe Deus onde estaria hoje. Talvez, morto. Ela foi meu começo. Foi e é meu espelho. Quando estou desviando o caminho paro e penso: o que minha mãe queria para mim?”.
Brincalhão sem perder a seriedade, espontâneo. Quando perguntam a Luiz como sabe se a pessoa é bonita ou feia, ele responde: “o que é bonita ou feia pra você? Pois eu prefiro boas companhias, daqueles que é bom você estar próximo”.
Para ele, antes do cego vem o ser humano. “E é assim que tem que ser. Tenho fé em Deus. Acho que nada é por acaso. Sou espiritualista (umbandista). Um médium cego. A gente faz a caridade de várias maneiras, como rezar pelo seu irmão”, diz falando em direção à amiga Gisele que faz seus vídeos no You Tube, onde tem mais de 23 mil seguidores e é uma de suas maiores incentivadoras.
Guilherme nunca deixou de fazer nada por ser cego. Certa vez seu pai o levou a um descampado que não oferecia perigo e ele dirigiu um carro. Anda de bicicleta desde criança. Andou de skate, entre outras façanhas.
Percepções
Quando Luiz Guilherme Palácio Arraes, cego de nascença, conta como foi que Antônia, sua saudosa mãe o ensinou a reconhecer cores é algo tocante. E ele diz que não foi nenhuma das instituições que frequenta ou frequentou que deu a ele essa percepção. “Quando eu tinha uns seis anos ela colocou minha mão na água e disse: a água é transparente, então sempre que alguém falar que alguma coisa é transparente você imagina aquela textura sendo a água. Depois ela colocou minha mão numa pedra que estava sob o fogo e, por isso aquecida, e explicou que o vermelho era uma cor que tinha a sensação aquecida como aquela pedra, que dava uma sensação de calor quando se olhava para o vermelho. Ai ela pegou para me ensinar cores frias e me identificou as cores com outros sentidos que não tenho com a visão ela pediu para eu olhar em direção ao sol, pois tenho percepção luminosa e me disse que o amarelo era forte como o sol, mas a não a ponto de ofuscar, enfim ela foi me dando simbolismos para que eu associasse as cores a algumas sensações e isso me ajudou bastante”.
Aprendiz
Luiz Guilherme trabalhou inicialmente como aprendiz na Usina Santa Cruz e hoje atua como controlador de produção na Embraer, em Gavião Peixoto. Fez vários cursos de informática tanto na PARA-DV como no Senac.
Luiz não aceita desculpas para não evoluir. “Eu não tenho um lado político definido, pois o povo não tem lado. A educação pode estar ruim? Está muito ruim. Só que uma coisa bem diferente é você usar isso como escudo para não querer estudar”.
Estudou em escolas como Etec Industrial e Cita a escola pública Waldemar Saffiotti, da qual tem muito orgulho de carregar, pois passou por ótimos profissionais, por pessoas totalmente empáticas que tem amor no que fazem. “Só que também tem muito aluno rasgando livro que poderia dar para outro colega estudar. Pode-se até falar de aluno que não tem base familiar, mas digo que ele também pode ter se entregado a não ter essa base familiar e não quis buscar e acaba desrespeitando a escola, professores, a si mesmo. Mas também falta muito investimento do governo. Acho muito complicado um politico ganhar um professor ou um policial. Antes de passarmos por um reforma política precisamos passar por uma reforma moral”.
(BOX)
Um pouco de Luiz
Luiz nasceu no dia 10 de julho de 1995. Fortaleza, Ceará. Filho adotivo de Rafael Macedo Palácio e Antônia Palácio Arraes.
Tem contato com os pais biológicos, que se separaram, e com os irmãos biológicos: Bruno, Isadora, Emanoel, Gabriel, Sara, Leticia, Antônia Luiza e Gustavo.
Ele conta que foi adotado por Antônia quando tinha seis meses e que, na verdade, Rafael é filho de Antônia, portanto, seu irmão adotivo, mas que o chama de pai desde que se conhece por gente.
Os pais biológicos de Luiz eram vizinhos de Antônia, mas como eram usuários de drogas isso a preocupada, pois deixavam o pequeno bebê sozinho para alimentarem o vício. Certa vez o ouvindo chorar, não teve dúvida, foi lá e resgatou a criança e a acolheu. “Ela falou com meus pais e pediu para ficar comigo e eles concordaram”.
A cegueira de Luiz é de nascença. Ele explica que a criança cega se desenvolve mesmo sem ter noção de sua deficiência, pois utiliza os outros sentidos. “Minha saudosa mãe contava que quando eu era pequeno ia certinho em direção aos óculos dela e puxava. Então, mesmo sendo cego eu não perdia a travessura de criança. Com 2,3 anos de idade eu queria brincar de correr, mas trombava. Não entendia por que os outros meninos não caiam. Ela me explicava que era porque eu não tinha visão e não conseguia enxergar com os olhinhos”.
Luiz foi levado por sua mãe a lugares onde pudesse ter tratamento especializado e estimulação visual como o Instituto Hélio Góes (SAC), onde inclusive aprendeu a ler em Braille aos cinco anos. “Considero o Braille uma ferramenta essencial para o cego e para mim nunca vai ser arcaico, pois quando toda tecnologia falhar você ainda terá o Braille”.
Quando tinha 11 anos o menino sofreu um duro golpe, pois um câncer no pulmão ceifou a vida de sua mãe e a morte dela foi um divisor de águas na sua vida. “Até os 11 anos eu era uma típica criança cega que não fazia nada, pois tinha tudo o que queria na mão. De levar para a escola à comida. E tudo mudou quando a minha morreu”.
Araraquara
Luiz teve que acordar da segurança que tinha em Fortaleza ao ser trazido para Araraquara pelo seu pai/irmão Rafael para morar com ele e sua madrasta/cunhada Débora que teve e tem um papel muito importante em sua vida. “Considero a Débora minha segunda mãe”.
Quando chegou, os ares da Morada do Sol não eram totalmente estranhos, pois já havia passado férias na cidade. Para continuar os estudos foi matriculado na PARA-DV. “Minha madrasta e a PARA-DV tiveram um papel crucial em minha vida. A Débora teve toda paciência e me ajudou na adaptação em casa e a entidade dava suporte para que frequentasse a escola regular, a Waldemar Saffiotti, onde fui o primeiro aluno cego”.
Música, um presente
A música entrou na vida de Luiz Guilherme desde os três anos de idade. “Como um bom nordestino e representante da categoria sou um grande fã de Luiz Gonzaga. Foi esse o meu primeiro contato com a música. Minha mãe, embora tivesse um aparelho de som moderno, preferia ouvir seus discos de vinil em uma vitrola que não abandonava de jeito nenhum e eu ficava sentado ao pé da caixa de som para ficar escutando. Eu queria uma sanfona, ela me deu uma de brinquedo. Minha mãe tinha alguns quartos que ela alugava e em desses quartos morava Fernando, que foi meu padrinho nas artes. Ele trabalhava com projetos de crianças, além de ser um amante da música e professor de dança. Ele me colocava sob os pés dele para eu sentir como ele dançava o xaxado, o xote. Fui um apreciador de forro de primeira. Com cinco anos entrei para as aulas de sanfona do Instituto. Com seis entrei na aula de violão, sete para as aulas de teclado e fui me tornando um viciado na música, ainda mais que nasci com o ouvido absoluto, onde consigo identificar uma nota pelo som da mesma. A música sempre foi presente na minha vida, seja tocando, escutando”.
Atualmente Luiz toca teclado nos finais de semana em uma banda baile, a Remelexo, com a cantora Adriana Canato. “A música nunca deixou de fazer parte da minha vida. Em Araraquara o que me encantou foi o sertanejo raiz e aos poucos tendo contato com outros estilos e hoje sou muito fã de Maira Mendonça pelo sentimento que passa em suas canções”, diz acrescentando que na PARA-DV teve aulas de teclado com Dona Solange e Luiz Otávio que ajudaram a se aperfeiçoar no referido instrumento.
Ele quer como qualquer artista, sucesso profissional, ter o seu lugar no mundo. Trabalhar é só a ponta. “Quero construir família, enfim, deixar algo para a geração futura”.
Quem quiser conhecer um pouco mais de Luiz Guilherme vai encontrar vários trabalhos no @luizguilherme.palacio, no You Tube (Luiz Guilherme Palácio Arraes) e no Instagram.