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Meus caminhos

Artigo

Ignácio de Loyola Brandão

Para Márcia Gullo, por tudo

Em 1957, eu tinha 21 anos e fui entrevistar Lygia Fagundes Telles. Naquela tarde, ela tinha acabado de receber um prêmio, estava feliz. Disse-me, e repetiu a vida toda: “Carícias e festas são as glórias quentes! Adiantam afagos depois que partimos?”

Penso nisso nesta manhã, aqui em Araraquara, quando vindo da igreja do Carmo, onde fiz primeira comunhão aos seis anos, estou em frente à casa que foi a escola de Lourdes Prada (e não Prado como sempre repeti; perdoe amiga), minha professora no fundamental. Foi dela a frase que ainda me guia: “Inspiração é olhar pela janela, perguntar, ouvir, capturar a vida.” Assim escrevi 50 livros, 5 mil crônicas, viajei mundo, estou em duas academias, a Brasileira e a Paulista, sou doutor honoris-causa (glórias quentes) e ocupei uma prateleira com o prêmio Jabuti.

Nesta manhã de 24 de setembro, aos 87 anos, aqui em Araraquara, percorrendo os “Caminhos de Loyola”, sei o que Lygia quis dizer. É o olhar amoroso de minha cidade. A escola da Lourdes é um dos meus doze caminhos criados por Fernando Passos, presidente da Academia de Letras de Araraquara, confirmados por Edinho Silva, prefeito; Teresa Telarolli, Secretária de Cultura; Weber, diretor do Patrimônio. Na realização, meu filho André e o Carioba, cineastas.

Vou passar pela casa onde viveu meu avô José, personagem de um livro que adoro, “Os Olhos Cegos dos Cavalos Loucos”. Dali para casa onde nasci, ainda intacta. Depois o Jardim Público que atravessei todos os dias indo para a Matriz, onde fui coroinha; aos cines Paratodos e Odeon (comecei como crítico de cinema); para chegar ao IEBA, onde fiz ginásio e colegial e à Biblioteca Municipal, na qual tive cadeira cativa e escrevi um capitulo do “Zero”, que me lançou no mundo.

Sem esquecer o Colégio Progresso, que cursei ao lado de Zé Celso, e tive Ruth Segnini como orientadora. Foi ela quem escreveu o bilhete que li na minha posse na Brasileira: “Hoje, Ignácio, eliminei a dúvida de toda vida. Teria escolhido o certo? Educar? Você me deu a certeza que sim.”

E o bar do Hotel Municipal onde se reuniam os “transgressores”, nós, leitores de Sartre, Jack Kerouac, Baudelaire, Augusto dos Anjos, Ginsberg, Faulkner. Sem esquecer o relógio da Lupo, que me orientava para a entrada no ginásio, a sessão de cinema, o final do footing. Ele está no final de meu romance “Dentes Ao Sol.” E ainda a redação de “O Imparcial”, onde aprendi jornalismo com a família Silva e me lancei na vida, no trem das 6 h 10 saindo da estação ferroviária.

Aqui estou, percorrendo o passado, sem nostalgia, abraçado pela cidade e indagando: “Como foi mesmo que cheguei até aqui? Até onde vou?”  Só sei que vou, vou, vou…

(Obs: Este artigo foi publicado na coluna que o escritor mantém no jornal “Estadão”, no último domingo). 

Redação

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