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“O 31 de março deve ser lembrado para que nunca mais se repita”

Em meio às tentativas de se apagar as marcas cruéis e desumanas do Golpe Militar de 1964 e mudar a narrativa do pior período da história brasileira recente, o dia 31 de março chega para completar os 55 anos do início da Ditadura no Brasil. Neste dia, quem defende a democracia e a liberdade de direitos se levanta em nome daqueles que foram torturados, estuprados e violados de formas inimagináveis: os 224 mortos e os 210 desaparecidos nos 21 anos de repressão.

 “O 31 de março não pode ser esquecido. Ele precisa ser lembrado para que nunca mais se repitam as torturas, as violências e violações contra quem não concordava com o Golpe Militar. Para que seja honrada a memória de cada pessoa morta pelos militares e por cada homem e mulher que ainda hoje consta como desaparecido ou desaparecida nos registros da Comissão da Verdade”, fala a deputada Márcia Lia.

A parlamentar, que é defensora dos direitos humanos em toda a sua amplitude desde seu primeiro mandato como deputada estadual, promovendo audiências públicas, seminários e discussões para a construção do novo Plano Estadual de Direitos Humanos, rechaça toda e qualquer tentativa de se maquiar o que foi de fato a Ditadura Militar no Brasil e mais as propostas de comemoração da data. “É uma afronta às vítimas, às famílias das vítimas, às crianças expostas à violência no momento em que viram suas mães sendo torturadas, e nunca mais se recuperaram psicologicamente disso. Temos que encaminhar todo tipo de denúncia contra essas propostas e lembrar as pessoas do que, de fato, se trata o Golpe Militar”, ressalta Márcia Lia.

Mortos e desaparecidos

Dentre os 434 mortos e desaparecidos registrados pelo relatório da Comissão da Verdade, finalizado em 2014, há muitos militantes que saíram do Interior do Estado de São Paulo para se manifestar nos grandes centros contra a Ditadura. De Araraquara, por exemplo, constam três nomes, dois homens e uma mulher.

Luiza Augusta Garlippe está na lista de desaparecidos. Enfermeira especializada em doenças tropicais, a militante do PCdoB percorreu os Estados do Norte do País a trabalho e foi deslocada para a região do Araguaia nos anos 70, onde ficou conhecida como a parteira Tuca e assumiu a coordenação do setor de saúde do Destacamento B da Guerrilha.

A última vez que Luiza foi vista pela família foi no início dos anos 70 e o último contato foi em 1974, quando Luiza tinha 33 anos e estava em Marabá, no Pará, mas não se tem certeza da data e local de seu desaparecimento.

Na lista de mortos e desaparecidos na Ditadura de Araraquara também está José Roberto Arantes de Almeida, de 28 anos, natural de Pirajuí.

Integrante do grupo Molipo, formado por dissidentes da Aliança Libertadora Nacional (ALN), foi preso em 04 de novembro de 1971 na Vila Prudente, em São Paulo, por agentes do DOI-CODI, junto a outros 27 exilados que fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e haviam retornado clandestinamente ao Brasil.

José Roberto era filho de um professor da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Araraquara, cursou Engenharia no ITA e Física na USP e foi vice-presidente da UNE. Foi preso no Congresso da UNE em Ibiúna, mas fugiu do DOPS pela porta da frente, disfarçado. Foi militante do PCB, foi uma das principais lideranças da Dissidência Comunista de São Paulo, da ALN e depois do Molipo.

Depois da segunda prisão, passou 15 dias sob tortura e morreu em decorrência desses ferimentos. Foi enterrado como indigente em Perus. Quando foi identificado, seu corpo foi trazido para Araraquara.

A terceira pessoa com relação com Araraquara desta lista é Gilberto Olímpio Maria. Nascido em Mirassol, cursou Engenharia na Tchecoslováquia. Começou a militar no PCB e depois se filiou ao PCdoB.

Em 1964, casou-se com Victoria Grabois, em Araraquara, mas logo se mudou com a esposa para Guiratinga, no Mato Grosso, para organizar os camponeses na resistência à ditadura. Dois anos depois, foi para a China passar por treinamento militar. Na volta, viveu no Maranhão, onde se juntou à Guerrilha do Araguaia, e depois no Pará. Morreu aos 31 anos, metralhado, junto ao ex-sogro, Maurício Grabois, e os companheiros Paulo Rodrigues e Guilherme Lund, em 25 de dezembro de 1973.

Na lista ainda constam os nomes de Lauriberto Reyes e Francisco Seiko Okama, ambos nascidos em São Carlos. Reyes foi aluno de Engenharia da USP, membro da diretoria da UNE, organizador do Congresso em Ibiúna, integrante do PCB e depois da ALN. Foi acusado de sequestrar o avião da Varig na Rota Buenos Aires-Santiago, em 1969, que foi desviado para Cuba. Passou por treinamento militar em Cuba e foi morto com quatro tiros no bairro do Tatuapé, em São Paulo, em fevereiro de 1972, aos 27 anos.

Já Okama era metalúrgico em São Carlos e foi morto aos 26 anos por militar na ALN. No laudo constavam cinco tiros; pelo menos três deles foram desferidos nas costas, de cima para baixo.

De Ribeirão Preto, consta Nestor Vera, 60 anos, desaparecido em 1975, da frente de uma drogaria de Belo Horizonte. Nestor tinha origem camponesa e era secretário geral da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, além de tesoureiro da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura.

Atuou como jornalista das publicações do Partido Comunista, integrou o Comitê Central do PCB e passou por formação política em Moscou. Foi condenado pelo Ato Institucional I e viveu na clandestinidade por anos até desaparecer.

Ainda na região, a Comissão da Verdade relaciona a professora universitária Heleny Guariba, de Bebedouro, militante na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), como desaparecida desde julho de 1971, no Rio de Janeiro, depois de ter sido presa por agentes do DOI-CODI junto com Paulo de Tarso.

 “Por estas e todas as outras pessoas caladas pela Ditadura Militar quando defendiam seus direitos constitucionais, seu direito de livre manifestação, o direito à vida, o direito de ir e vir, temos o dever, a obrigação de clamar, de dizer em alto e bom som o que foi o período de repressão no Brasil”, reforça a deputada Márcia Lia.

Redação

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