José Augusto Chrispim
O jornal O Imparcial teve acesso em primeira mão ao ofício que será encaminhado pelo prefeito Edinho Silva ao presidente da Câmara Municipal de Araraquara, o vereador Tenente Santana (MDB), na próxima segunda-feira (7), que pede a apreciação pelo Poder Legislativo, do incluso Projeto de Lei Complementar que dispõe, aos empregados públicos dos Poderes do município de Araraquara, de suas autarquias, inclusive as em regime especial, e de suas fundações públicas de direito público, a faculdade de migração para o regime jurídico estatutário. O documento ainda ressalta que, inicialmente deve-se esclarecer que a mudança para o regime estatutário não implica em perda de benefícios pelo servidor, especialmente por força do mandamento do § 3º do art. 39 da Constituição Federal.
Em outro ponto do documento destaca-se que o servidor público que efetuar a opção pelo regime estatutário não terá ferido o direito ao acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, pois frente a qualquer reclamação em matéria laboral, poderá acionar a Justiça Estadual e nada muda em relação ao direito de aposentadoria e demais direitos previdenciários dos trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública Municipal.
O principal ponto do projeto é a proposta de que o servidor que já trabalha no regime celetista só migrará para o regime estatutário se quiser. Ninguém será obrigado a mudar de regime, porém, os novos contratados da prefeitura municipal a partir da aprovação do projeto pela Câmara municipal, serão obrigatoriamente registrados pelo regime estatutário. Por fim, o prefeito solicitou que a presente propositura seja tramitada sob o regime de urgência.
Veja o ofício na íntegra:
Senhor Presidente:
Nos termos da Lei Orgânica do Município de Araraquara, encaminhamos a Vossa Excelência, a fim de ser apreciado pelo nobre Poder Legislativo, o incluso Projeto de Lei Complementar que dispõe, aos empregados públicos dos Poderes do município de Araraquara, de suas autarquias, inclusive as em regime especial, e de suas fundações públicas de direito público, a faculdade de migração para o regime jurídico estatutário, e dá outras providências. A presente propositura vem na esteira do Projeto de Lei Complementar, de autoria do Poder Executivo, que estabelece o regime jurídico estatutário dos servidores públicos do município de Araraquara, e dá outras providências. O câmbio do regime celetista ao regime estatutário no âmbito da Administração Pública do município de Araraquara é extremamente benéfico ao erário e ao arranjo dos trabalhos no bojo das repartições. Para além disso, tem-se que tal modificação será frutífera aos empregados públicos que hoje exercem seu labor na Administração Pública Municipal. Em verdade, inicialmente deve-se esclarecer que a mudança para o regime estatutário não implica em perda de benefícios pelo servidor, especialmente por força do mandamento do § 3º do art. 39 da Constituição Federal, que dispõe que são aplicáveis aos servidores ocupantes de cargo público os conteúdos previstos no art. 7º, incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Isto implica em dizer que estão garantidos aos servidores públicos regidos pelo estatuto, no mínimo, os seguintes direitos: (i) salário mínimo, fixado em lei com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, inclusive para aqueles que percebem remuneração variável; (ii) décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; (iii) adicional noturno; (iv) salário família pago em razão do dependente do trabalho de baixa renda, nos termos da lei;
(v) duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada; (vi) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; (vii) hora extra de, no mínimo, cinquenta por cento à do normal; (viii) férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (ix) licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias; (x) licença paternidade, nos termos da lei; (xi) proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; (xii) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; e (xiii) proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Relativamente ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), imprescindível que se realize alguns esclarecimentos. Inicialmente, esclareça-se que a Lei Federal nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que disciplina o funcionamento do FGTS, ao elencar, em seu art. 20, as hipóteses de movimentação dos valores depositados em favor do trabalhador, praticamente restringe as hipóteses de saque do FGTS ao encerramento do vínculo empregatício. Não se desconhece que a Lei Federal nº 8.036, de 1990, permite, em caráter excepcional, a utilização dos recursos do trabalhador em outras hipóteses – tais como para “pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH)”. Com efeito, deve-se ressaltar que tais hipóteses são vinculadas a determinadas finalidades: ou seja, exceto nos casos de encerramento de vínculo empregatício, o trabalhador não pode utilizar os valores de seu FGTS como bem entender – podendo-se mesmo afirmar que há um “engessamento” da forma de utilização destes valores. Conforme tabela abaixo, a Prefeitura do Município de Araraquara e o Departamento Autônomo de Água e Esgotos de Araraquara (DAAE), realizaram, no exercício de 2019, o recolhimento dos seguintes valores, a título de FGTS:
PREFEITURA DAAE
JANEIRO 2019 R$ 1.396.920,82 R$ 198.806,85
FEVEREIRO 2019 R$ 1.339.906,89 R$ 179.003,54
MARÇO 2019 R$ 1.360.673,99 R$ 185.635,78
ABRIL 2019 R$ 1.329.289,77 R$ 181.721,60
MAIO 2019 R$ 1.245.696,57 R$ 176.882,47
JUNHO 2019 R$ 1.266,215,31 R$ 166.834,54
JULHO 2019 R$ 1.282.712,88 R$ 173.251,53
AGOSTO 2019 R$ 1.605.353,94 R$ 169.979,69
SETEMBRO 2019 R$ 1.613.595,96 R$ 164.936,57
OUTUBRO 2019 R$ 1.596.092,20 R$ 159.362,91
NOVEMBRO 2019R$ 1.682.278,06 R$ 175.069,83
DEZEMBRO 2019 R$ 2.446.834,39 R$ 252.506,36
TOTAL 2019 R$ 18.165.570,78 R$ 2.183.991,67
No ponto, perceba-se que os mais de 7 mil servidores públicos do Município, no exercício de 2019, receberam aproximadamente R$ 20.349.562,45 (vinte milhões, trezentos e quarenta e nove mil, quinhentos e sessenta e dois reais e quarenta e cinco centavos); contudo, em que pese este recebimento, os servidores públicos do Município não puderam dispor livremente de tais recursos – os valores são de sua titularidade, porém os servidores públicos do Município não dispõem da faculdade de empregá-los de acordo com seus interesses. Outrossim, destacamos que como o gasto com o recolhimento de FGTS já se encontra previsto e sedimentado na rotina da Administração Pública Municipal, em razão das quase 3 (três) décadas em que parte da Administração Pública Municipal foi regida pelas disposições da CLT, não existiria óbice algum para que se desse a continuidade de tal desembolso, com a vantagem de que, a partir da migração para o regime estatutário, o Município estará possibilitado a redirecionar – a depender dos instrumentos a serem previstos no estatuto (ex. conversão em pecúnia de licença-prêmio) – tais valores diretamente aos seus servidores públicos, ao revés de eles restarem praticamente inacessíveis à fruição. Não obstante tais aspectos, não se pode deixar de ressaltar que, na medida em que a mudança para o regime estatutário implica, necessariamente, na cessação do vínculo empregatício, todos os trabalhadores da Prefeitura do Município de Araraquara, do DAAE e dos demais órgãos e entidades das pessoas jurídicas de direito público do Município poderão sacar os valores constantes de suas respectivas contas de FGTS – vale dizer, farão jus, de imediato, ao cerne da proposta acima mencionada, de que os servidores recebam, diretamente, os recursos relativos ao FGTS. Cumpre anotar, igualmente, que: (I) o servidor público que efetuar a opção pelo regime estatutário não terá ferido o direito ao acesso à justiça, previsto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, pois frente a qualquer reclamação em matéria laboral, poderá acionar a Justiça Estadual; e (II) nada muda em relação ao direito de aposentadoria e demais direitos previdenciários dos trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública Municipal, tais como auxílio doença, salário maternidade, auxílio-acidente, dentre outros, vez que continuarão filiados ao Regime Geral de Previdência Social. Em verdade, deve-se ter em conta que a mudança para o regime estatutário constitui medida que robustece a segurança e a previsibilidade para o servidor público municipal. Nesse sentido, é importantíssimo que se ressalte a tendência, verificada em nosso país a partir de 2017, em se restringir garantias, bem como em se eliminar e mitigar direitos previstos na legislação trabalhista: trata-se de um movimento facilmente evidenciado a partir da reforma trabalhista realizada em 2017, cujo aprofundamento ocorreu com a reforma da previdência realizada em 2019 e, de maneira mais recente, com a sucessiva profusão de medidas provisórias editadas pela Presidência da República, alteradoras de diversos aspectos da legislação trabalhista. Não obstante tais aspectos, é pública e notória a intenção, no âmbito do Governo Federal, de modificar a legislação trabalhista, sob o pretexto de “modernizá-la” e “adequá-la às novas realidades” do trabalho, supostamente “gerando condições para o ganho de eficiência no exercício das atividades econômicas”. É nítido que as medidas adotadas, bem como as medidas que o Governo Federal pretende implementar, implicam em escancarada deterioração das condições do trabalhador e das condições em que este desenvolve suas atividades – fenômenos como o da “pejotização” e o da “uberização” evidenciam claramente as consequências destas medidas. Mais: em decorrência das situação em que há adoção do regime celetista no serviço público, já se verificam proposituras legislativas federais – a mais expressiva delas sendo Proposta de Emenda à Constituição da República Federativa do Brasil (PEC) nº 32/2020, de iniciativa do Poder Executivo Federal, em trâmite perante o Congresso Nacional – no sentido de estabelecer legislação que expressamente retire a estabilidade (direito de que o servidor só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa) do servidor público submetido ao regime celetista – a qual não decorre de legislação, mas sim de jurisprudência vinculante do Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua Súmula 3901 . A descrição deste cenário presta-se a evidenciar um aspecto simples, porém muito importante: a migração para o regime estatutário confere maior segurança e previsibilidade ao servidor do Município uma vez que, ao revés de ficar refém das alterações das legislações trabalhistas operadas em Brasília, estando muitas vezes incapaz de poder lutar por seus próprios direitos – o que ocorre no regime celetista –, no regime estatutário compete ao próprio Município, por iniciativa do Prefeito e com ampla possibilidade de revisão junto à Câmara Municipal, ditar os direitos, as garantias e os deveres do servidor do Município. Porém, igualmente se conclui que a migração para o regime estatutário constitui, em definitivo, o caminho que mais seguramente conduz à estabilidade do servidor do Município, uma vez que é nítida a fragilidade da estabilidade do servidor submetido ao regime celetista – (i) decorre de jurisprudência do TST, a qual pode ser revista a qualquer momento, sendo que (ii) tal jurisprudência pode ser igual e simplesmente afastada por alteração na legislação trabalhista. Por outro lado, sob a perspectiva do regime estatutário, não há dúvidas de que a estabilidade do servidor do Município estará assegurada, por força da própria Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 41, § 1º.
Por tudo quanto o exposto, entendemos que, seja no atual momento, seja para os momentos que virão, a migração para o regime estatutário constitui uma medida que não só se mostra amplamente favorável à situação do servidor do Município, mas também favorável ao próprio Município, que poderá ter maior domínio sobre os modos pelo quais os serviços públicos de sua competência são prestados. Assim, tendo em vista as finalidades a que o Projeto de Lei se destina, entendemos estar plenamente justificada a presente propositura que, por certo, irá merecer a aprovação desta Casa de Leis. Outrossim, solicitamos seja a presente propositura tramitada sob o regime de urgência, nos termos do art. 80 da Lei Orgânica do Município de Araraquara, procedendo-se à sua imediata distribuição às Comissões Permanentes pertinentes à matéria ora veiculada, independentemente de leitura no Pequeno Expediente de sessão ordinária, nos termos do art. 66 do Regimento Interno desta Casa de Leis, anexo à Resolução nº 399, de 14 de novembro de 2012. Valemo-nos do ensejo para renovar-lhe os protestos de estima e apreço.
Atenciosamente,
EDINHO SILVA
Prefeito Municipal