Uma pesquisa divulgada no último dia 6 pelo Instituto Igarapé revela a cultura de sigilo nas polícias estaduais do Brasil em relação à circulação de armas no país. O “Ranking de transparência de dados sobre armas no Brasil” avaliou a qualidade das informações solicitadas aos órgãos de segurança pública em cada um dos 27 estados do país e Distrito Federal. Mas não foram os dados fornecidos e, sim, a ausência deles, que apontaram a falta de transparência: as polícias em todo o país não responderam ou negaram acesso a 75% dos questionamentos feitos em 2021 e a 74% em 2022.
Nos dois anos, o Instituto Igarapé enviou um total de 26 perguntas às polícias Militar e Civil, e ao Departamento de Polícia Técnico-Científica das unidades da federação, com base na Lei de Acesso à Informação. Mais da metade (51%) das informações pedidas em 2021 tiveram o acesso negado; as alegações de sigilo foram de 18% em 2021 para mais do que o dobro em 2022: 38%.
“Essa confidencialidade no acesso às informações evidencia uma ‘lei do silêncio’ dos órgãos estaduais de segurança pública, responsáveis pelo patrulhamento ostensivo, apreensões e investigações criminais”, afirma a diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melina Risso.
O governo federal é o responsável pelo controle da entrada de armas em circulação no país, mas são as polícias estaduais as principais responsáveis por responder e investigar ocorrências envolvendo armas de fogo, assim como pela retirada de armas de circulação e pela interrupção de ciclos criminais.
“O controle de armas e munições é central para a redução da violência armada e para isso, informação de qualidade é essencial. É por isso que o resultado da pesquisa é tão preocupante – seja seja pelo sigilo adotado pelas polícias ou simplesmente pela falta das informações”, diz Melina. “Por um lado, a pesquisa revela a falta de atenção dada ao controle de armas pelas polícias estaduais, e por outro, a persistente opacidade dos órgãos de segurança pública”.
A pesquisa mostra que a Polícia Civil foi o órgão com pior desempenho nacionalmente em ambos os anos, com 79% das solicitações não respondidas.
Além da cultura do sigilo, a nota técnica da pesquisa traz outros três problemas que afetam a qualidade e a transparência dos dados sobre armas de fogo e munições no âmbito estadual. O primeiro é o distanciamento e a desconfiança na relação entre as polícias e a sociedade civil. O segundo é a inconsistência na interpretação dos limites e obrigações estipulados na Lei de Acesso à Informação. Por fim, destaca-se a falta de compreensão por parte das polícias sobre seu papel no controle de armas e na produção de informações sobre o tema.
Apesar dos resultados preocupantes, o ranking mostra que alguns estados tiveram melhorias consideráveis em relação à transparência das informações enviadas. Minas Gerais teve o melhor desempenho em 2022, seguido pelo Pará, que subiu do 19º para o 4º lugar.
O Rio de Janeiro se destaca positivamente por fornecer de forma ativa informações sobre ocorrências de segurança pública, inclusive dados sobre apreensões de armas, publicadas através do Instituto de Segurança Pública (ISP). Por outro lado, o desempenho do estado em transparência passiva é negativo e piorou de um ano para outro. Uma das principais razões para isso foi o fato de a Polícia Civil do Rio de Janeiro ter optado por manter as informações solicitadas pelo Igarapé em sigilo por um período de cinco anos.
O estudo destaca também que a categoria de perguntas menos respondidas se refere à investigação da origem de armas e munições apreendidas. “Isso levanta preocupações sobre a capacidade de rastreamento e controle desses armamentos pelas autoridades”, diz Melina.
O Instituto Igarapé elaborou o Ranking de Transparência de Dados sobre Armas no Brasil em parceria com a Open Knowledge Brasil, que contribuiu com o desenho e a revisão técnica da metodologia. O objetivo é apoiar as discussões e as tomadas de decisão para a melhoria do controle de armas e munições no país.
A nota técnica traz recomendações para isso. Entre elas, a facilitação do acesso e compartilhamento de dados entre os sistemas federais e estaduais de controle; a ampliação da cooperação entre órgãos da segurança pública estadual, organizações da sociedade civil e instituições de ensino; o compartilhamento ativo de dados em alto nível de agregação com a sociedade; e a valorização da produção e análise de dados pelos órgãos de segurança pública.
Destaque em números:
Mais da metade (51%) das informações solicitadas à Polícia Civil, à Polícia Militar e ao Departamento de Polícia Técnico-Científica das 27 unidades da federação em 2021 tiveram o acesso negado;
Em 2022 esse número caiu para 37%. No entanto, o percentual de solicitações ignoradas subiu de 24% para 37%;
Entre negativas de informação e perguntas não respondidas, polícias no Brasil não responderam a 75% dos questionamentos feitos em 2021, e a 74% em 2022;
Dentre as demandas não respondidas, as alegações de sigilo dobraram de 2021 para 2022, passando de 18% para 38%.
Acesse o estudo completo: https://quearmaeessa.igarape.org.br/