A trajetória de uma instituição que nasce com “misericórdia” no nome e
tem por vocação inicial a caridade, a trajetória de uma instituição que, na
maior parte do tempo, como o Sistema Único de Saúde (SUS) só foi
instituído com a Constituição de 1988, dependeu diretamente do obséquio
de doadores, da contribuição de voluntários e até da dedicação muitas
vezes sobre-humana dos profissionais de saúde que atendiam
principalmente as pessoas mais pobres ou mesmo na miséria, gente sem
nada, nem esperança, nunca foi fácil. E não é diferente agora.
O fato inconteste, no entanto, é que a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Araraquara enfrentou e superou cada um dos obstáculos
até aqui para em, 25 de fevereiro de 2022, celebrar incríveis 120 anos de
existência. “É uma história de amor ao próximo”, resume o diretor-geral da
Santa Casa de Araraquara, Rogério Bartkevicius. Nenhum organismo
público ou privado, de qualquer natureza jurídica, nasce patrimônio afetivo
de uma cidade. Torna-se. E a Santa Casa tornou-se.
Ela está na lembrança dos mais velhos, como o ginecologista Leonardo
Cunha, cujo primeiro contato com o hospital se deu numa das relações mais
puras, e por isso mais sublimes, que existem: a de avós e netos. Há 80 anos,
em janeiro de 1942, quando ele contava 11 anos, a avó de Cunha faleceu no
hospital. E ele tinha vindo de Itápolis (SP) visitá-la, com o pai, que era
médico. Em 1970, Cunha muda-se para Araraquara. Aos 91 anos, ele é
professor do Centro de Ensino e Pesquisa da Santa Casa.
Chama a atenção que lá atrás a Santa Casa já fosse referência regional.
Ou então do pediatra e hoje diretor-secretário Valter Curi Rodrigues, à
frente da instituição desde 2005, liderando as inúmeras conquistas recentes
do hospital em gestão, processos, estrutura física, tecnologia e pessoas,
além da recuperação da filantropia, da formação e organização do hospital
de ensino e da parceria com a Universidade de Araraquara (Uniara). Ele se
recorda dos médicos que, recém-chegado da residência médica no Rio de
Janeiro (RJ), em 1968, convidaram-no para ingressar na Santa Casa:
Cláudio Curti, Dudu Lauand e Bertolino Bruno de Almeida.
E está também nas lembranças dos mais novos, como o estagiário do
departamento de Comunicação Pedro Santos. Quando a família dele veio
de São Paulo (SP) para Araraquara, o primeiro emprego de sua avó foi na
Santa Casa. Seu irmão nasceu no hospital. A maternidade seria transferida
para a Gota de Leite em 2012. Para os jovens, além dos arquivos, a Santa
Casa faz parte ainda dos sonhos. Pedro Henrique sabe que o hospital
funciona como um fator de equilíbrio social.
Os anos de estruturação
O provedor da Santa Casa, Marco Antônio Castelli Brandão, lembra que
há cerca de 15 anos a instituição, sob a direção de Valter Curi Rodrigues,
com o apoio do cardiologista Othon Amaral Neto e do gestor Jader Pires,
seguindo uma tendência que pautava os hospitais filantrópicos, buscou a
profissionalização da gestão, justamente idealizando a sustentabilidade da
Santa Casa.
“Na realidade, o SUS foi evoluindo desde 1988 e os hospitais precisavam
se profissionalizar, modernizar a administração, ser transparentes no uso de
recursos públicos repassados por contratualizações, oferecer acolhimento,
humanização e qualidade, ser eficientes no atendimento de alta
complexidade, e por aí vai”, comenta. “E foi isso que a Santa Casa fez.”
Números
A Santa Casa é referência em 30 especialidades de alta complexidade,
como urgência e emergência, cardiologia, ortopedia, oncologia,
neurocirurgia e oftalmologia, para 24 municípios, que totalizam mais de 1
milhão de habitantes. São cerca de 300 mil atendimentos por ano, entre
cirurgias, internações, consultas, diagnóstico por imagem, exames
laboratoriais e tratamentos oncológicos, o que demanda ampla estrutura
física e operacional. A Santa Casa tem 23 leitos de Urgência e
Emergência, 18 leitos de UTI Adulto e 156 leitos de hotelaria. São mais de
900 funcionários ativos, quase 300 médicos, perto de 500 alunos e
estagiários e aproximadamente 60 residentes.
O hospital serve algo em torno de 250 mil refeições por ano para os
pacientes internados. Só de arroz, são 2.395 quilos por mês – 28.740 quilos
por ano. “É o maior restaurante de Araraquara!”, brinca o gerente
financeiro da Santa Casa, Alexandre Durante.