Luís Carlos Bedran*
Prometi a mim mesmo dizer dos livros que li neste ano. Sempre descobri em todos alguma coisa de interessante ou pitoresca, transmissão de ideias que jamais poderia imaginar, embora escritos há muito tempo, séculos até, além da curiosidade em tentar conhecer (ou ainda mais) autores dos mais diversos gêneros: romances, autobiografias, ciência, sob a forma de prosa ou poesia, peças de teatro, crônicas, ensaios. Enfim, tudo o que me caiu às minhas mãos, a depender do estado de espírito na ocasião, quando então lia parcialmente um e logo passava para outro, revezando-os até o fim. Vocês poderiam pensar que seria pura perda de tempo ler sem qualquer objetivo
útil. No entanto já passei da fase do estudo para conhecer como agir profissionalmente quando tinha de resolver um problema; porém nunca tive tanto tempo como agora para me dedicar tão simplesmente a ler por ler. Além do que um filósofo já dissera que a utilidade do aparentemente inútil é importante. Pode ser que, de passagem, já tenha comentado sobre alguns deles; então serei repetitivo, o que comumente tem ocorrido.
Mas fazer o quê? Como, por exemplo, na leitura da alentada autobiografia de Simone de Beauvoir, uma trilogia, chamou a minha atenção quando, ao final do terceiro volume, A Força das Coisas, confessou que iria parar de escrever porque já se considerava velha.
Seus amigos a contestaram tanto, um absurdo naquela idade — um pouco mais de 50 anos, se não me engano —, que ela resolveu continuar sua trajetória de escritora escrevendo outro livro, como um desafio, mas sobre aquilo que sentia: o peso da idade.
Então escreveu A Velhice, um calhamaço de mais de 500 páginas, publicado em 1970, um verdadeiro tratado sobre essa fase da vida que, embora editado naquela época e reeditado em 2018, continua muito atual em nossa civilização ocidental em que vivemos sob um regime capitalista, onde o idoso, a idosa são considerados estorvos. Mas por que Simone de Beauvoir? Além do quanto ela representou e ainda representa para o mundo
das ideias contemporâneas, assim como Jean Paul Sartre, filósofo existencialista, este cronista quis resgatar a desobediência feita à querida professora de Francês do IEBA, dona Fanny, que queria porque queria que seus alunos comparecessem na palestra que iria ser proferida pelo filósofo na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Isso foi num domingo de 1960, presentes além da escritora, outros intelectuais de renome, o pessoal
da USP. Faltei à conferência, por dois motivos justos. O primeiro, porque o famoso detentor do prêmio Nobel de Literatura discorreria sobre dialética (e em francês!); o segundo, mais do que justo, porque tive de assistir a Ferroviária contra o Santos (Pelé), que foi derrotado. Em sua autobiografia, Simone de Beauvoir passeando pela cidade com o escritor Jorge Amado, disse que ficou surpresa com a passeata de “carros, caminhões, caminhonetes, ônibus: uma enorme multidão que voltava de um jogo de
futebol; os brasileiros são fanáticos por esse esporte”. Que filosofia, que nada…
*Sociólogo, advogado, jornalista, ex-vice-presidente da
OAB/Araraquara, foi procurador do Estado de São Paulo
Foto: Ilustrativa