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A arte de encontrar o consenso a partir do dissenso

* Norman de Paula Arruda Filho

 

Há alguns dias, presenciei emergir em sala de aula mais uma daquelas
discussões saudáveis sobre o que são verdadeiras atitudes sustentáveis. A
habilidade de se expressar, a pluralidade dos pontos de vista e a capacidade
de avaliar de forma crítica com base em argumentos sólidos são características
que aprecio muito e que, portanto, procuro incentivar em minhas aulas.
Assim, enquanto vejo os alunos engajados e instigados a opinar, questionar e
criticar, sorrateiramente deixo as vozes correrem soltas e apenas observo. Mal
sabem eles que, para mim, esse é um momento de grande aprendizado e
satisfação.
Na vanguarda pela educação para a sustentabilidade já participei de muitas
dessas discussões. Ainda em 2004, estive com o ex-secretário geral da ONU,
Kofi Annan, em um importante evento da iniciativa Pacto Global que busca
inspirar empresas a adotarem princípios mais responsáveis; em 2006, reuni-me
com outros reitores de universidades do mundo todo para traçar os Princípios
da Educação Executiva Responsável (PRME); conheci Ban Ki Moon, também
ex-secretário-geral da ONU em 2015, no lançamento dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável; e no ano passado, estive com outros diretores
de escolas em um evento comemorativo dos dez anos do PRME, onde
pensamos os novos passos da iniciativa rumo ao horizonte 2030.
Portanto, para mim, ver os alunos discutindo sustentabilidade é um retrato de
como toda essa concepção está sendo entendida pela sociedade. Ao escutá-
los avaliarem as iniciativas das empresas, questionando o que é de fato
legítimo ou não; vê-los defenderem mudanças estruturais nos modelos de
gestão seja na esfera pública ou corporativa; e principalmente, presenciar
discussões sobre os modelos de ensino e a importância da disseminação da
educação e da cultura para a sustentabilidade representa uma conquista.
Mostra o quanto evoluímos das resoluções do Relatório de Brundtland para um
mundo em que o pensamento sustentável e, consequentemente, os Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável fazem parte não somente da agenda dos
Governos, das empresas, das escolas e da sociedade civil, mas
principalmente, são parte do cotidiano das pessoas.
A grande questão é que o termo sustentabilidade começou sua trajetória
cercado por enigmas que somente grupos específicos sabiam lidar. Atrelado ao
cunho prioritariamente ambiental foi por vezes mal interpretado, mal
compreendido e até mesmo maquiado (o famoso greenwashing). O desenho
do tripé que atribuiu o mesmo peso aos eixos social, econômico e ambiental
veio facilitar o entendimento comum da abrangência da sustentabilidade e a
importância desse equilíbrio. Porém, essa ainda é uma visão limitada.
Principalmente se considerarmos as colocações de ecossocioeconomista,
Ignacy Sachs, que de forma extraordinária, nos mostrou que há muitas outras

dimensões a considerar. Para Sachs, há ainda questões culturais, ecológicas,
territoriais, políticas e planetárias que representam implicações nesse caminho
para o equilíbrio.
Por isso, mesmo já ultrapassado 30 anos do que ficou conhecida como a
primeira definição do conceito de desenvolvimento sustentável, isso está longe
de ser unanimidade. O que particularmente, acho ótimo!
Tanto o conceito quando o que representam as práticas do ideal sustentável
ainda precisam ser construídos. Assim como observado pelo pesquisador
Steven Johnson, as boas ideias surgem da colisão entre palpites que se unem
para formar algo maior, porém precisam de tempo para amadurecer (vídeo
“Como surgem as boas ideias”). Por isso, acredito na riqueza dessas
discussões sejam elas nas salas de aula, nos corredores das empresas ou nas
mesas de café. O importante é a combinação das ideias em uma construção
contínua e coletiva, pois é no dissenso que encontraremos o consenso para um
mundo mais justo e responsável.
Um dos meus exercícios favoritos nas aulas de mestrado é convidar os alunos
a reconstruírem o conceito de desenvolvimento sustentável. Há sete anos
levamos mais de duas horas para chegar a um consenso. Na última turma de
2017, em trinta minutos tínhamos uma resposta. E quer saber qual a palavra
mais recorrente em todas as novas definições encontradas? Transformação.
Afinal, o que é encontrar o consenso a partir do dissenso senão experienciar
um processo de transformação. É exatamente isso que encontro ao observar
as calorosas discussões em sala de aula: alunos que evoluem da posição de
observadores para – empoderados de conhecimento – se transformarem em
protagonistas desse desenvolvimento sustentável.
*Norman de Paula Arruda Filho é Presidente do ISAE – Escola de Negócios,
conveniado à Fundação Getulio Vargas, professor do Mestrado em
Governança e Sustentabilidade do ISAE/FGV, e Coordenador do Comitê de
Sustentabilidade Empresarial da Associação Comercial do Paraná (ACP).

Redação

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