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A “Mula-sem-cabeça” e o IPTU de 2018

Todos conhecemos a folclórica personagem da “Mula-sem-cabeça”. Em Araraquara, ela ganhou vida a partir do momento em que a Lei Complementar nº 882 passou a produzir efeitos, em dezembro de 2017.
Que a famigerada lei majorou a base de cálculo do ITPU neste exercício financeiro todos sabem (após doze anos de defasagem da atualização do valor venal dos imóveis da cidade), ainda que muitos não tenham sentido no bolso o impacto do valor líquido do imposto, dada a minoração das alíquotas, outra novidade da lei em comento.
Afinal, onde é que entra a “Mula-sem-cabeça”? No artigo 18 da LCM nº 882/2017, que traz uma redação bizarra: “Caso o valor devido a título de imposto predial e territorial, decorrente das alterações introduzidas por esta lei, seja inferior ao lançado para o exercício de 2017 (dois mil e dezessete), considerar-se-á, para efeito dos lançamentos vindouros, o valor de referência relativo ao exercício de 2017 (dois mil e dezessete)”.
Como se vê, quando o valor do IPTU de 2018 resulta menor que o de 2017, considerando-se os critérios vigentes, a lei usa uma “trava”, fazendo valer o lançamento exarado em 2017, como referência para o de 2018.
Todavia, a tal “trava” é apenas aparente e revela como o Executivo e Legislativo pretendem exercer o poder político “em face” dos munícipes cujos interesses deveriam representar.
Por quê? O lançamento de 2017 foi amparado por lei expressamente revogada pelo artigo 20 da lei atual, nos seguintes termos: “Art. 20. Revogam-se as disposições em contrário e, expressamente, a Lei Municipal nº 6.502, de 15 de dezembro de 2006.”
A despeito da péssima técnica legislativa (que renderia um texto à parte), o fato é que, ao embasar o lançamento do IPTU de 2018 em lei totalmente revogada (ab-rogada), o carnê trouxe a muitos munícipes uma notificação de lançamento “sem-cabeça”, esvaziando o conteúdo da obrigação tributária para o atual exercício financeiro.
Ora, leitor, não precisa ser jurista para conhecer a Teoria da Validade dos Atos Jurídicos, dentro dos quais se encaixam os Atos Legislativos, pois ela segue a Lógica: o que não existe não pode produzir efeitos no mundo jurídico. Do nada, nada surge!
Por conseguinte, ainda no plano da Lógica, há apenas duas soluções para o dilema com o qual nos deparamos.
A primeira delas é a anulação do lançamento do IPTU quando assentado sobre base inexistente, qual seja, a Lei Municipal nº 6.502/2006, ab-rogada, o que se deu em inúmeros casos. É medida imperiosa, neste caso, que o contribuinte não pague nada à Municipalidade no exercício financeiro de 2018, porquanto o lançamento é nulo.
De outra valia, se considerarmos o lançamento à luz da lei vigente, a outra solução possível, caso o artigo 18 venha a ser reconhecido como inconstitucional e ilegal por esta Municipalidade – após a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário, já que tanto Executivo quanto o Legislativo participaram da confecção da aberração jurídica nominada “LCM nº 882/2017”-, seria a retificação do Lançamento, valendo-se a Municipalidade dos critérios legais atuais, o que resultaria no pagamento de imposto com valor menor do que consta do carnê.
O prazo para a impugnação na via administrativa é de trinta dias, após o recebimento da notificação do lançamento (o carnê foi entregue no início de fevereiro para os munícipes). Entretanto, é bom lembrar que o Judiciário também pode apreciar a questão, pois o acesso à Justiça é uma garantia constitucional do cidadão.
Afinal, a data do vencimento do imposto não pode ser considerada um marco para pôr fim à voz do munícipe, especialmente daqueles que foram surpreendidos pela “Mula-sem-cabeça”.
Tendo em vista os aspectos ponderados acima, observa-se que o IPTU em 2018 foi lançado em patente ofensa a diversas garantias constitucionais asseguradas aos contribuintes: a nova lei fere a Segurança Jurídica e a Razoabilidade por penalizar os contribuintes após longa inércia do Administrador Público, sem debate democrático, impondo a eles a obrigação de pagar tributo manifestamente desproporcional.
Pior que isso, só a ofensa à garantia constitucional da Legalidade Tributária, estampada no artigo 150 da Constituição da República Federativa do Brasil/88 e nos artigos 97 e 144 do Código Tributário Nacional, comandos normativos esses que determinam que o lançamento de determinado imposto só pode ter validade se fundado em lei vigente e eficaz.
Atenção, contribuinte, a lua cheia se inicia as 21h52 do dia 1º de março e pode trazer a “Mula-sem-cabeça” para assombrar de vez a Morada do Sol.

Lília de Castro Monteiro Loffredo é graduada pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, advogada especialista em Direito Constitucional e Pós-graduanda em Direito Imobiliário; inscrita na OAB, Secção de São Paulo, desde 2001, é sócia fundadora de Loffredo Petinati e Bagnoli Advogados

Redação

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