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Aristides dos Santos: não quero marcar meu nome em nada, e sim despertar consciência

Na minha cidade estava tudo aquilo que queria fazer como missionário

Olho

Os valores que tem de humanidade, de garra e de luta, aprendeu com seus pais

Da redação

Nascido em 25 de abril de 1954, o advogado liberal, Aristides dos Santos, não pode ser considerado um cidadão comum. Inúmeros profissionais da área o admiram e ressaltam a sua inteligência ímpar.
A baixa estatura nunca o incomodou, pois sempre tirou sarro de si mesmo dizendo aos colegas de profissão que é um ‘mini advogado’.

Essa força e humildade vêm dos ensinamentos aprendidos no Seminário Verbo Divino. “Embora tenha gente que não acredite quando você se porta humildemente e acha que, na verdade, você é malandro para conseguir alguma coisa. Então eu chego me esculachando. Sempre faço isso”, diz.

Ele espera transmitir e despertar nos jovens a consciência de autenticidade e na cidade, como povo, a cidadania.
Ele espera o desfecho de uma ação popular que atua, o da‘Morada do Sol’ que já completou 12 anos e chegou ao tribunal.

Fé de mãe

Aristides chegou a se casar com uma assistente social, que conheceu na comunidade de jovens de Nossa Senhora Aparecida. O namoro durou cinco anos, mas seu casamento durou apenas 4 meses. “Foi um dos mais rápidos e mais falidos do mundo”.
Problemas financeiros e emocionais o levaram a depressão. Esteve três vezes em hospitais de alcoolismo e chegou a ficar paralítico e desenganado pelos médicos. A cadeira de rodas foi sua companheira por um tempo. Mas acabou se recuperando. Na época, o apoio de sua mãe e sua fé inabalável o ajudaram muito.
Quando saiu desse período totalmente obscuro recomeçou a vida. Terminou os estudos. Começou a advogar e não parou mais.
Foi advogado do Sindicato dos ‘Saqueiros’ que o levou principalmente a cidade de Santos. Ali a coisa era tão pesada que poderia atingir a sua integridade física, que teve como companhia a tropa de choque. Também atuou no Sindicato dos Trabalhadores Rurais; no Assentamento Bela Vista. Chegou a participar de alguns juris. Hoje, participa de júri somente em último caso.
Nunca deixou os sentidos o enganarem e sua vontade dizia que tinha que seguir em frente mesmo depois de ter sido passado em uma questão relevante e que atingia diretamente sua vida: com um currículo melhor, escolheram outra pessoa, porque a mesma tinha participado de uma palestra fora do país.
Isso o deprimiu, mas a vida novamente abriu uma janela e ele pode fazer mestrado no Mackenzie e na Europa teveaoportunidade de participarde seminário de direito internacional e ciclo de conferênciasque envolvia uma das melhores universidades do mundo, a Soubornne. Na época, aproveitou a estadia para conhecer Roma e vários outros lugares da Europa.
E lá do outro lado do mundo, lembranças o invadiram e surgiram imagens de uma das irmãs que quase uma menina, trabalhava e ganhava roupas usadas para ele e os irmãos, de sua imagem ainda criança levando lavagem para os porcos.Que aqueles momentos de conquista tinham muito a ver com as freiras da Santa Casa que davam a ele café e pão recheado e ele, em troca atuava como coroinha, bem de manhãzinha.
E, a partir disso, da sua participação na vida diária das religiosas conseguiu estudo, pois pode frequentar o seminário Verbo Divino. Entrou para ser seminarista.Queria ser padre. Mas nem por isso deixou de formar um time de futebol com a bola que ganhou das freiras. Por várias vezesse emocionou com a visita dos padres missionários que vinham da África e falavam dos trabalhos que faziam com os leprosos. “Eu tinha um sonho de fazer um trabalho missionário, mas pensava na vida que eu tinha, com preconceito racial”.
Quando as freiras saíram da Santa Casa, a ajuda cessou e seu pai não tinha condições de ajuda-lo.
Os valores recebidos de seus pais e o conhecimento através do seminário o fez digno, fortaleceu o seu caráter. Nunca aceitou favorecimentos. Se sente bem de fazer alguma coisa para o outro e esse lema levou para a advocacia e para a sua vida.

Um pouco de Aristides

Filho dos saudosos Gumercindo José dos Santos e de Maria Glória dos Santos. É irmão de Maria Elisa, Maria Eunice e José Aparecido por parte de pai e mãe e dos saudosos Maria Helena, Jorge, Maria Elizabete e Carlos Alberto. Tem um irmão do primeiro casamento do pai, Valmir, que acabou ficando no Nordeste com o avô.
Aristides conta que seu pai era viúvo quando se casou com sua mãe, quando ainda estavam no Nordeste e vieram de pau de arara de Sergipe para trabalhar nas fazendas da região de Araraquara. Uma das fazendas foi a das Cabaceiras. “Minha irmã Maria Helena foi a única que nasceu em Matão, o restante em Araraquara”.
Nasceu e cresceu na Rua Vila Nova,7, (continuação da Alameda), Vila Xavier, hojeRua José Rodrigues.
A infância nesta espécie de cortiço foi cheia de atividades, pois para jogar bola, os meninos mesmos carpiam um terreno para fazer o campo de futebol, cortavam madeira para fazer as traves. “Tinha um campo ali perto que se chamava Mandiocá, na Vila Vieira, e também havia o Palmeirinha, que mais tarde teria um clube, então a brincadeira principal dos meninos era o esporte. O resto era pular corda, esconde e esconde, etc”.
Nessa Vila, 99% dos moradoresviviam de trabalhar na roça, nas usinas, cortador de cana, colhedor de feijão. Tinha um portão que era chamado de Portão do Vieira e ali tinha o bar do Risca faca (pois sempre tinha alguma morte), onde paravam os caminhões que levavam o pessoal para os trabalhos citados. Mas também ali na Vila tinha muita união, muita afinidade na pobreza. Ali tambémpegamos um caldo cultural muito grande. Havia uma certa cumplicidade de tudo, como o de raça, pois os negros assim como os nordestinos, como os de sua família sofriam muito preconceito. Ali, em uma linguagem moderna, era o lugar dos excluídos. A polícia quando chegava batia em todo mundo. E o cassetete era de madeira!
O único serviço que tinha ali era a roça e Aristides foi, mas não ficou porque não tinha tamanho. Posteriormente foi trabalhar no Grande Hotel (Uirapuru). Tinha que passar escovão, palha de aço, pois não tinha enceradeira. O serviço era pesado. Um dia pegaram Aristides cochilando em um dos quartos e ele foi mandado embora. Era apenas um menino de 12 anos e como frequentava a Santa Casacomo coroinha foi para o seminário onde permaneceu por cinco anos. “Nas férias do seminário trabalhava como caixa na Kibelanche, com o dinheiro comprava material escolar. “Quem me ajudava muito lá no seminário eram as freiras”, fala com gratidão.
Quando saiu do seminário,em Araraquara, sem perspectiva de emprego na cidade, acabou indo para São Paulo, onde trabalhou em metalúrgicas. “Trabalhei na Dileir Luz, em Santo Amaro”.
Por conta de uma adversidade na Dileir, Aristides acabou indo para o Rio de Janeiro, pois tinha conhecido um vendedor. Não achou o endereço, acabou o dinheiro e retornou para São Paulo, onde foi para a Arcol, artefatos de cobres, na Chácara Santo Antônio, onde ficava o Seminário Verbo Divino. Eu e uns amigos que saíam do Verbo Divino alugamos um sobradinho e montamos uma república”.
Quando saiu do seminário já tinha fama por conta do futebol e até ganhou o apelido de Bazzaninho, devido ao craque Bazzani que jogava, na época, no Corinthians. “Fui tentarentrar na Ferroviária e fiquei no Dentão até 1974.Fui treinado pelo Bazzani. Tem até foto na Sala de Reminiscências do Paschoal da Rocha. Mas também joguei no Varzeano, na Portuguesinha”.
Aristides trabalhou na Cutrale e num lance de sorte subiu de cargo, quando alguém sugeriu que fizesse um teste de QI. Era alto. Do almoxarifado passou a trabalhar no computador.
Fez Aliança Francesa, direito na Fefiara, hoje Universidade Uniara. Seu grande sonho era levar seus pais para visitar a terra deles, o Sergipe, mas ambos morreram antes.Em sua mente surgem as lembranças da Rua Vila Nova, onde as casas eram de tábua e barro com bambu. De quando ele e seus amigos iam para a cidade, o pessoal corria porque ele era um dos poucos brancos que andavam com os negros. Chamavam Aristides de ‘branco/neguinho’ da Vila Nova.
Mas ali foi um dos redutos do samba, onde nasceu a Escola de Samba Anjos da Vila.
Recorda do estradão do Pinheirinho, da Cociza que jogava laranja no local e eles iam pegar, pois eram muito pobres.
Lembra de seu pai que trabalhava com picareta no tempo do governo Rômulo Lupo, na prefeitura e que ele dava férias para o homem que tomava conta da caixa d’áua, até que este morreu e seu pai acabou ficando no lugar dele. Foi para a família um lugar no paraíso, pois o pai passou azelador da caixa d’água da Vila Xavier.
Aristidesfoi um dos coordenadores do Grupo de JovensMissionários na igreja Nossa Senhora Aparecida, onde foi o primeiro coroinha. A missa foi celebrada por Dom Rui Serra. Também foi professor de religião substituindo o padre Humberto na Escola Dorival Alves e no Ginásio da Vila.
Ele se lembra do Dr. Raul na igreja Nossa Senhora Aparecida, Dr. Raul, tocando órgão e de que tinha uma bela voz. Vale ressaltar que Aristides escreve belas poesias baseadas na essência do ser humano.
Sua vocação de missionário arrefeceu um pouco. Na sua cidade estava tudo aquilo que queria fazer.

Redação

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