A caatinga, o cerrado e a mata atlântica cediam paisagens, biodiversidade, águas e solos, a vida de antigas comunidades, práticas agrícolas familiares e ancestrais, diante do avanço de projetos agropecuários, mercantis e obras de infraestrutura. Projetos muito pouco atentos à prevenção, preservação e regeneração de danos e de impactos ambientais. Projetos indiferentes às necessidades, expectativas e participação dos moradores, quase sempre muito pobres, nas áreas direta e indiretamente afetadas pelas ações empresariais e governamentais.
Uma década depois, em dezembro de 2017, bispos de outras dez dioceses na bacia do São Francisco tornam públicas as suas inquietações e propostas quanto ao destino do rio, de seus habitantes e biomas. A Carta da Lapa é o documento síntese do I Encontro dos Bispos da Bacia do Rio São Francisco. Além de Dom Luiz Cappio, a Carta recebeu assinaturas dos bipos das dioceses de Januária, Minas Gerais, Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Caetité, Irecê, Juazeiro e Paulo Afonso, Bahia, Floresta e Petrolina, Pernambuco, e Propriá, Sergipe.
O diagnóstico de “morte gradativa” e anunciada é preciso, objetivo. Há escassez de água, perda de matas ciliares, da biodiversidade, assoreamento, muitos conflitos sociais. Um modelo de desenvolvimento predatório, indesejável e inviável. A Carta da Lapa pede ações conjuntas, de cristãos ou não, na educação, na mídia e nas políticas públicas. Propõe dez anos de “repouso sabático” na exploração econômica dos biomas e evoca a responsabilidade constitucional de autoridades e poderes públicos em defesa da vida e do rio São Francisco.
A Carta da Lapa coloca a Igreja católica no centro do debate social e cultural deste século, a crise ambiental. A encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, já pregara esta atenção e orientou a Campanha da Fraternidade em 2017, dedicada aos biomas brasileiros. A Carta da Lapa sinaliza o retorno da sociedade civil ao palco das decisões nacionais. Antecipando-se a partidos e a candidaturas deste novo ano, a preocupação com a comunidade de destino ultrapassa eleições e fronteiras nacionais. E o São Francisco falou para o mundo.