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Culpa da matemática

Luís Carlos Bedran*

O que se passa no mundo? Até parece que se consegue responder a essa
pergunta em poucas palavras. Seria muita pretensão. Tem-se uma noção do passado, um
pouco sobre o presente e quase nada sobre o que vem por aí.
Meu avô libanês saiu de sua terra, em fins do século 19, porque a situação
econômica sob o jugo do Império Otomano, não estava boa. Havia muita miséria. Como
se não bastasse, a religião cristã maronita que sua família professava, era perseguida.
Já o bisavô italiano saiu do Vale do Rio Pó naquela época, não somente devido à
pobreza no campo, mas também pelas inúmeras refregas políticas que lá ocorreram em
prol da unificação daquele país, após as guerras napoleônicas.
E aqui no Brasil as gerações seguintes conseguiram a paz, trabalharam e
prosperaram, mas ainda conservaram aqueles valores tradicionais. Isso no início e em
meados do século 20, que foi o começo de minha geração. Dá para entender um pouco a
História com a memória dos antepassados, o mundo em que viveram e até do muito que
já vivi.
Nos 100 anos, até o presente século, ocorreram os mais diversos acontecimentos:
genocídio na Armênia, duas guerras mundiais, o Holocausto, mas, sobretudo, as mais
extraordinárias invenções que proporcionaram à humanidade amplo bem-estar. Até há
poucos anos se poderia ter uma noção de que, apesar de tudo o que já ocorrera, a
humanidade seguia o caminho do progresso, pois os valores ainda permaneciam
estáveis e o mundo caminhava para melhor.
No entanto, tudo mudou em fins do século passado e continua até o presente,
onde os paradigmas que existiam no passado, ou já não existem mais, ou então foram
esquecidos por uma série de circunstâncias. Pois a ciência desenvolveu-se de tal forma
que chegou a transformar radicalmente os valores que até então eram considerados
pacíficos.
Robert Musil (1880-1942) numa das passagens de seu romance filosófico, “Um
homem sem qualidades”, escrito entre 1930 e 1942, diz que “é na matemática que reside
a nova lógica, o próprio espírito”. “Nela estão as fontes do tempo e a origem de uma
extraordinária transformação”.
Mas também foi ela que “entrou em todos os campos de nossa vida como um
demônio”, “fonte de uma inteligência perversa, que fez do homem senhor da terra, mas
escravo da máquina”. “Sensibilidade para os detalhes e indiferença para o todo, o
desamparo do ser humano num deserto de minúcias, sua inquietação, maldade e incrível
frieza do coração, cobiça, crueldade e violência que caracterizam nossa era”.

“A matemática, mãe da ciência natural exata, avó da técnica, também é mãe
ancestral daquele espírito do qual finalmente brotaram os gases venenosos e os pilotos
de guerra”.
Tudo devido ao pensamento lógico. A origem do conhecimento pela ciência.
Porém nem ela, nem a religião (o pensamento ilógico), têm conseguido trazer ao ser
humano um retorno aos antigos valores morais e éticos, entre tantos outros, existentes
no passado.
Por isso o mundo está tão confuso. Perdemos o norte e não sabemos mais como
agir. Culpa da matemática…

Redação

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