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Dano moral e material: objeto estranho no produto alimentar

Tiago Romano

O consumidor ao adquirir um produto principalmente do gênero alimentício acredita que a sua composição e qualidade não lhe trará risco a sua vida, principalmente quando o produto é adquirido para crianças, logo a qualidade do produto e composição são as balizas mestras da possibilidade de comercialização de um produto. Nesse compasso quando o consumidor encontra um objeto ou componente estranho ao conteúdo normal do produto merece respaldo e proteção jurídica, pois por muito menos o produto não poderia estar à venda, pois violada a confiabilidade do conteúdo e qualidade do mesmo.

O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor está inserido no Capítulo que trata da Política Nacional de Relações de Consumo e preconiza justamente que referida política tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, destacando os seguintes pontos que dizem respeito à segurança dos produtos a ser consumidos: reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e a garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Não é aceitável o consumidor encontrar objetos estranhos, insetos etc., dentro do produto comestível, principalmente após iniciar a ingestão do mesmo. Isto porque o inciso III do artigo 6º do Código Consumerista reza que são direitos básicos do consumidor dentre outros “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. O artigo 8º dispõe que “os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores”. Por fim, o inciso II do parágrafo 2º do artigo 18 regula que são impróprios para o consumo “os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação”.

Dessa feita sempre que o consumidor se deparar com a presença de objetos estranhos ou insetos no alimento deve ser ressarcido do dano material e moral suportado.

Quanto à comprovação da responsabilidade civil do vendedor do produto, perdemos muito tempo nos tribunais brasileiros pela falta de meio hábil de comprovação de que o objeto estranho realmente estava na embalagem e que não havia sido implantado pelo consumidor para apenas auferir vantagem econômica. Primeiramente barrávamos no fato do produto já estar aberto ou com o lacre rompido, logo, o fabricante ou o vendedor alegava que uma vez aberto o lacre ou a embalagem não havia mais reponsabilidade pelo conteúdo do produto. Posteriormente a barreira era erguida em torno da falta de cuidado no manuseio ou guarda do produto antes ou durante o consumo.

Todavia, o entendimento está mudando e a boa-fé do consumidor começa a prevalecer. É o que se conclui pelo julgamento recentíssimo da apelação cível nº 00059062520138260451 pela 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou o pagamento de indenização por danos morais a uma criança e sua mãe, onde a menina de 12 anos engasgou com picolé que continha um objeto metálico, retirado por endoscopia. A turma julgadora fixou dano moral à filha por risco à vida e a mãe também, por ter passado por aflição e preocupação ao presenciar o risco de morte da filha. Diferentemente dos entendimentos anteriores o tribunal para comprovação da existência do objeto estranho considerou a boa-fé do consumidor que fez prova da aquisição do picolé pela mera exibição da embalagem, do consumo do mesmo e a retirada por endoscopia de um objeto metálico logo após a ingestão acidental do mesmo.

É um avanço na defesa do consumidor que antes fatalmente não teria seu direito respaldo, pois o picolé estaria com a embalagem aberta. Ao contrário o Desembargador Costa Wagner, primando pela boa-fé do consumidor reconheceu que “não se pode exigir, que o consumidor apresente mais alguma prova de que o objeto estava no produto indicado, pelas suas próprias características, vez que, vale lembrar, o picolé derrete”. O juiz completou que “o objeto foi engolido e não mais estaria no produto, vez que ficou encravado na garganta da consumidora. Por mais que se viva atualmente em um mundo repleto de celulares, com pessoa fazendo selfies, fotos e lives de tudo, não se espera que em um momento de desespero como um engasgamento, a própria vítima ou seus pais parem para fotografar ou filmar o que acontece, ao invés de prestar imediato socorro. De igual modo, se esperar que nesses momentos de socorrer uma filha engasgada, alguém tenha a ideia de colocar no congelador ou no freezer o restante do produto que estava sendo consumido para servir de prova em futura ação judicial”.

Inegável a incidência de dano moral, pois um alimento contaminado pode causar risco a sua vida e tendo o seu bem mais precioso colocado a mercê da sorte o dano psíquico é latente e automático, não necessitando de prova ou maiores demonstrações. O simples fato do risco a vida já causa dano moral ao consumidor.

Em suma o objeto estranho encontrado em um produto principalmente alimentício causa dano ao consumidor e deve ser garantida a indenização pela reparação do dano ao mesmo.

Redação

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