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De Castro, um anjo mensageiro

Da redação

A infância sofrida, os maus tratos, as decepções da vida, as traições, não fizeram com que a ex-cobradora da antiga CTA perdesse a alegria e a fé em si mesma. Por muitas vezes, algumas situações a deprimiram, mas ela não se deixou amargar. Aprendeu que nunca se deve fazer o mal. Se for para colocar mais dor, não contem com ela. Outra coisa que acredita é que com humildade se vai longe, pois muitos querem ter e não ser. “Então eu sou o mais o ser. Procuro ser amorosa e ter amizades verdadeiras e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar. Vou estar ao lado dos amigos em todas as situações, tantas as boas quanto as nem tanto. Infelizmente, hoje o ser humano está voltado muito para as questões materiais e, isso, vai distanciando as pessoas. A vida me ensinou somente a chegar às pessoas para fazer o bem”.
De Castro, como é conhecida, diz que espera da vida ter paz, harmonia, amor e felicidade, mas não somente para ela, mas pra todo mundo. “Quero ter o necessário para viver e já vai estar ótimo”.

 

Um pouco de De Castro

A araraquarense Maria Aparecida de Castro nasceu no dia 7 de janeiro de 1966. É filha do saudoso Reinaldo de Castro e de Antônia Martins de Castro. É irmã de Sergina, Reinaldo, Reginaldo e Ronaldo.
Parte da infância foi passada no bairro São José, próximo à igreja São José e posteriormente no Jardim Tamoio.
As lembranças da infância não são nada doces e, sim amargas, pois a mãe ia trabalhar e deixava-a e os irmãos trancados dentro de casa, muitas vezes até sem comida, e para não ser grotesco demais, ela conta que chegaram a comer ‘lavagem’ dos outros.
Anos depois a mãe conseguiu uma casa no Jardim Tamoio que na época não tinha quase nenhuma infra estrutura. “Quando chegamos ao bairro tinha no máximo umas quatro casas. O resto era mato. Um lugar onde sofri demais com meus pais, pois eram extremamente rígidos. Batiam na gente e chegavam até a colocar brasa em nossas mãos, puxavam a orelha da gente com alicate; Por que? Porque eram ruins. Se eles chegassem e notassem qualquer coisa fora de lugar a gente era surrado sem nem saber a razão. Algumas vezes falavam que a gente estava errado, mas na maioria das vezes não falavam nada”.
Maria conta que mentiria se não dissesse que tem um trauma, pois não teve infância, adolescência e nem juventude. “Não tivemos nada. O nosso negócio era trabalhar. Minha começou a colocar a gente para trabalhar na roça com ela a partir dos seis anos de idade. A gente apanhava algodão, mexerica, limão, café”.
E nunca tiveram bonecas e nenhum brinquedo, pois brincadeiras não eram permitidas. Tinham que trabalhar. “Antes de ir trabalhar a gente limpava a casa e tínhamos que ajuda-la a fazer salgados e minha mãe colocava uma meta para mim e para minha irmã, a de que a gente tinha que vender mil salgados cada uma e se não vendêssemos a gente levava uma surra. Com isso, a gente chegava a implorar, ajoelhar para as pessoas para que comprassem salgado nosso, pois se não a  gente ia apanhar. As pessoas ficavam com dó e compravam”, diz acrescentando que sua irmã se livrou das surras muitas vezes, pois ela fazia de tudo para ajudar a irmã a vender, pois era muito expansiva nessa área de venda, chegando inclusive a vender grandes quantidades para pessoas que queriam fazer festas coquetéis; “Nossa vida não foi fácil não”, desabafa.

Estudo

Maria estudou na escola Augusto da Silva Cesar, no São José, onde fez até a quinta série. “Fomos retiradas da escola”, diz se referindo também a irmã.

Ela se recorda que nessa época de menina, para chegar à escola tinha que atravessar um morro de terra que provocava medo, pois a ponte ainda não havia sido construída. “A gente tinha medo de cair e se machucar. Era uma dificuldade e a gente tinha que ir se não apanhava”.

Maria assistiu a  evolução do bairro, como a construção da igreja, a Parati, o Beira Rio, das pistas, restaurante, mecânicas.
Deixou o Jardim Tamoio acompanhada de sua irmã quando tinha 15 anos, pois sua mãe as colocou para fora de casa. “Ela dizia que não gostava de ter filha mulher. Na casa só ficaram meus irmãos que  eram homens. Como a gente trabalhava de empregada eu fui morar no serviço, na casa do cardiologista Dr. Ivo e minha irmã na casa onde trabalhava. Com o tempo a gente foi procurando uma coisa melhor. E eu consegui emprego na Alumínio Ramos no serviço geral”.

Mas nesse novo emprego ficou pouco tempo, pois como não morava mais no emprego teve que alugar uma casa e com a falta de recursos assim que a feira livre terminava ela recolhia os produtos que ficavam para trás e numa dessas acabou ingerindo pimentão que não estava em bom estado. Teve uma intoxicação alimentar e acabou sendo internada. Pediu para que uma colega avisasse no seu emprego  da sua situação, mas ela não avisou. Quando chegou foi mandada embora.

Nessa época havia retornado ao bairro São José. Sem trabalho fixo passou a fazer bico, faxinas e acabou entrando na Citrícola, na safra, como embaladeira de laranjas. Posteriormente foi temporária no Magazine Luiza ao mesmo tempo em que fazia salgados e pães para fora.

CTA

No final da década de 90 preencheu uma ficha para trabalhar na CTA, onde acabou sendo contratada como cobradora. Foram 17 anos. “Quando entrei não trabalhava em uma linha fixa. Cada dia eu estava em um lugar”. Quando passou a fazer linha fixa era no Jardim das Estações. Ficou um seis anos. Nesse interim ficou doente e quando retornou sobrou a linha São José que ninguém queria pegar, mas eu descobri que era uma população maravilhosa, pessoas que sabem reconhecer e valorizar o seu trabalho, a pessoa como ser humano. “Foram uns dez anos na linha São José. Comecei a pegar uma afinidade tão grande com os passageiros e eles comigo que a

Maria se casou em 88, mas não deu certo por conta de uma traição. “Cheguei em casa e ele estava lá dentro com uma mulher grávida de seis meses, com os cinco filhos dela, os móveis  dela já instalados e minhas coisas embaladas do lado de fora da casa e eu daquele momento em diante eu não era mais a mulher dele. Fiquei sem chão, desnorteada e sem saber para onde ir. No início meus irmãos me acolheram, mas não queria atrapalhar. Fiquei doidinha. Não estava preparada para aquilo. Adoeci”.

Depois de um certo tempo de internação, de 53 quilos passou para 28. E durante os processos que teve que responder por conta da separação, um juiz a orientou a virar a página. E foi seguindo em frente. Até que certo dia ela estava em um local onde podia se retirar mensagens e ela retirou uma que valeu para sua vida toda. Estava escrito para se preparar, pois quando menos esperasse melhores oportunidades iriam chegar.

Aquela mensagem de alguma forma restaurou a confiança em si mesma e decidiu seguir em frente, capaz de avançar em sua vida, de acreditar que somos fortes e temos as habilidades suficientes para enfrentarmos o dia a dia. “Pedi a Deus e disse vamos ver o que acontece. Tenho que lutar, não posso parar. Eu me recuperei da depressão. Consegui alugar uma casinha na Vila. A proprietária, a saudosa Nilcéia Ribeiro dos Santos foi uma mãe pra mim. Ela dizia que era minha mãe, pois nunca teve filho e eu a considerava como tal”, conta emocionada.

Quando retornou a CTA foi para substituir uma pessoa que trabalhava como cobradora na linha São José, pois os usuários haviam feito um abaixo assinado pedindo sua saída. “As pessoas iam perguntar alguma coisa e o funcionário respondia que não era guia de turismo. Entravam no coletivo fazendo sinal da cruz com medo de encontrar esse funcionário. Entrei no lugar dessa pessoa. Com o passar do tempo foram me conhecendo e perceberam que eu não era igual àquela pessoa”.

E assim como uma mensagem de esperança a havia ajudado passou a levar no ônibus mensagens em um saco para os usuários pegarem. No começo muitos pensavam que eram pipocas e não retiravam as mensagens. “Fui explicando que eram mensagens de otimismo e acabou virando uma febre. A maioria que pegava a mensagem, depois vinha me dar depoimento de que muita coisa havia se transformado, mudado para melhor. Uns que pensavam em suicídio queriam viver e muitos passageiros ficavam me esperando para me dar um abraço. Foi e é muito gratificante. Sai da CTA porque faliu, mas por aonde vou sempre encontro àqueles que foram meus passageiros e é sempre uma alegria. São coisas boas que ficaram guardadas em meu coração. Não tenho nem palavras para explicar a emoção que sinto ao saber que aquele mensagem que retiraram durante o percurso do ônibus surtiu  um efeito positivo. Não digo que eram meus passageiros, mas uma família. Brincava dizendo que era o banco do psicólogo. Eu me preocupava e me preocupo com as pessoas”.

Desgosto e decepção

Depois que saiu da CTA foi trabalhar com vendas de roupas, mas o local, onde reside atualmente, perto do Basalto  não ajudou. Assim foi para Góias, Rio Verde, onde foi trabalhar na produção de salgados a convite de sua madrinha. Mas se decepcionou enormemente com as pessoas e retornou para Araraquara. Sem emprego foi catar latinha. Fazer faxina, salgados. “Tudo que chamar eu vou, preciso trabalhar”.

Questionada sobre se tirou desta vez uma mensagem para si mesma ela conta que tirou sim. “A mensagem que tirei diz que sou uma pessoa guerreira e se Deus me deu essa segunda chance é porque Ele tem um propósito lá na frente pra mim e que coisas boas me esperam. Mesmo que você esteja a beira de um abismo, à beira da morte, que apontem pra você uma arma nunca desacredite de Deus porque Ele age. Todos os momentos difíceis que passei orei e pedi pra Ele, pois se não acreditasse em seu poder não estaria aqui hoje, não teria me livrado de situações que colocaram a minha vida em risco”.

Por conta das suas mensagens chegou a participar na extinta TVARA no programa da Edi Frediani, mas o pedido de doação de um computador para escrever as mensagens ainda não aconteceu.

Recentemente passou por mais um dissabor, pois invadiram sua casa e levaram televisão, quebraram armários e guarda roupa. Ela aceita doações. Mas o que ela realmente precisa é de um trabalho registrado. Gosta muito de trabalhar com produção, pois é bastante rápida. Já foi cobradora, embaladeira, vendedora, é cozinheira, tem CNH, faz serviços gerais. O contato dela é 997 01 6567.

Redação

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