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Eleições presidenciais de 2018

Luís Carlos Bedran

Luís Carlos Bedran

 

Luís Carlos Bedran*

 

Há 14 anos foi publicado nos jornais um artigo de minha autoria sob o título “Depoimento”.
Julgo interessante republicá-lo agora, às vésperas das eleições, tão somente para recordar um pouco de
nossa História republicana porque não se pode restar indiferente à preocupante e atual conjuntura
política.
Onde duas forças poderosas, a esquerda e a direita, estão em vias de confronto direto e onde os
eleitores terão de decidir democraticamente para que lado irá o nosso país. E para qualquer lado que se
vá as consequências serão amargas.
Não vem o caso, aqui e agora, analisar suas causas, o que demandaria muitas palavras.
Entretanto, já de início, na esperança de que o leitor ou a leitora se disponham pacientemente a ler este
artigo até o fim e que possam tirar suas conclusões, nas linhas ou nas entrelinhas, quero deixar
registrado o meu pensamento, evidentemente respeitando a opinião de cada um.
Tenho que, para o futuro de nossa nação, há de existir um meio termo, pois o que se tem visto é
uma radicalização de ideias que não seria bom para todos nós. E de todos os candidatos que não são
radicais, alguns têm mais chances de ganhar a Presidência do que outros, desde que os votos
equilibrados se canalizem para aqueles, os mais moderados e os mais experientes na difícil ciência de
governar.
Analise o leitor e a leitora quem serão eles. E, certamente, depois não se arrependerão.
“Embora já passados quase 40 anos, parece-me que 1964 foi ontem. Propositadamente disse o
ano, eliminando aquilo que durante décadas foi comemorado pelos regimes militares, como sendo a
Revolução de 64, pois, na verdade, no meu entendimento, não foi uma revolução, mas sim um
contragolpe de Estado e nem mesmo, como querem alguns autores, uma contrarrevolução.
Como dizia meu pai, Jorge, militante político desde a Revolução de 32 (essa sim é que pode ser
considerada uma revolução, embora haja controvérsias pelos ideólogos marxistas), para que fosse
assim considerada, seria preciso ter corrido sangue, mas muito sangue. Autodidata, o seu conceito de
revolução coincidiria com o conceito que Hannah Arendt tinha de revolução: uma transformação
radical dos sistemas político, social e econômico, com intensa participação popular.
E quando isso ocorre, geralmente há muito derramamento de sangue, muita violência, como
aconteceu na Revolução Russa de 1917 e na Revolução Francesa de 1789 ou na Revolução Americana
em 1776. Então, em 1964, o que houve mesmo foi um Contragolpe de Estado.
Muito já se escreveu sobre ele. Os seus seguidores, parte da sociedade civil e os militares que
tomaram o poder na ocasião, justificaram-na dizendo que o País passava por uma crise institucional,
cujas origens mediatas remontam, em termos políticos, à injustificável renúncia do presidente Jânio
Quadros, após apenas sete meses de poder, considerado a esperança da Nação e provado pela extrema
votação que obteve.
Renunciou alegando ter sido obrigado a tal por aquilo que chamou de “forças ocultas”, mas que
depois constatou-se que não foi nada disso. Esperava que, com sua renúncia, o povo o aclamaria como
o senhor absoluto da Nação, megalomaníaco que era. Enganou-se. Sua renúncia foi aceita
imediatamente, assumindo, depois de algum tempo, o seu vice, que na ocasião encontrava-se em
viagem pela China, João Goulart, que fez dobradinha com ele sob o slogan, “Jan-Jan”, embora fosse de
outro partido, o PTB.
Este era um poderoso estancieiro no Rio Grande do Sul e seu cunhado, o populista e
revolucionário Leonel Brizola, governador. Instigado por Brizola, passou a representar o movimento
de repúdio ao “status quo”, menos comunista do que populista, incentivando os militares de baixo
escalão a agir contra os seus superiores, numa insuportável quebra de hierarquia, ínsita das Forças
Armadas. O movimento eclodiu em março de 1964, com o comício ocorrido

anteriormente, a que compareceu, o dos sargentos no Rio de Janeiro. A preocupação dos militares com
a possível e iminente tomada do poder pelos comunistas foi intensa. A eles aliaram-se a Igreja e parte
da sociedade civil, que realizaram passeatas de milhares de participantes no Rio de Janeiro e em São
Paulo e o contragolpe preventivo foi dado pelos militares, em conspiração com os civis.

A preocupação era relevante. O mundo ainda estava dividido pela chamada “Guerra
Fria”, entre EUA, os países ocidentais e a União Soviética, e para os americanos seria extremamente
preocupante, pela contrariedade a seus interesses econômicos e políticos, que o poder na América do
Sul, principalmente no Brasil, fosse tomado pelos comunistas, pois o equilíbrio de forças geopolítico,
na região, ficaria abalado.
O Marechal Castelo Branco, o seu primeiro presidente, após o contragolpe de Estado, era um
democrático de formação. Havia tomado parte na II Guerra Mundial e pretendia entregar o poder
imediatamente aos civis, como era a praxe constitucional, convocando novas eleições. Nesse meio
tempo (ainda sob o governo João Goulart), tentou-se implantar o parlamentarismo através de
plebiscito.
Não vingou. Mas Castelo Branco não conseguiu ter a força suficiente para transformar o
contragolpe numa democracia, e a ele sucederam-se os presidentes militares, Costa e Silva, de linha
dura, Médici, Geisel e Figueiredo respaldados pelos Atos Institucionais, reforma da Constituição de
1946 e uma nova Constituição, a de 1969.
Daí por diante instalou-se o movimento contrário das forças de esquerda (ainda o Partido
Comunista do Brasil, o Partidão, estava na clandestinidade) e muitos ideólogos de esquerda, de linha
mais radical, maoístas e trotskistas, entendiam que somente pela luta armada conseguiriam derrubar os
militares. Ledo engano.
Os embates foram violentos, movimentos terroristas eclodiram, estudantes, professores,
militantes partidários foram presos, torturados e mortos, assim como os militares cumprindo ordens de
seus superiores. Muitos aproveitaram-se da ocasião para uma caça às bruxas contra idealistas e
desafetos, que queriam uma nova ordem social e uma nova democracia. O Congresso foi manietado.
Extinguiram-se os partidos políticos e depois, artificialmente, criaram-se apenas dois: um para
justificar o golpe, para “inglês ver”, a Arena e outro, o MDB para justificar internacionalmente que a
democracia ainda vigia em nosso país.
Depois de algum tempo, com mortes de ambos os lados, torturas nas prisões, os organismos
policiais e políticos de repressão endurecendo (“Operação Bandeirantes”, em São Paulo e os “Dóis
Codis” também), os militares perceberam que, aos poucos, estavam perdendo o controle da situação e
mesmo o povo, esta entidade que sempre foi marginalizada nos golpes, já não mais se conformava com
a manutenção do poder autoritário.
Depois então foi o que se viu: abertura democrática paulatina e entregue finalmente o poder aos
civis através de eleições, primeiramente indiretas, depois diretas e enfim, de Tancredo Neves (um líder
dúbio) para cá, a democracia acabou por imperar. Os exilados políticos retornaram ao País e depois
foram eleitos para os cargos do Executivo e Legislativo e, aos poucos foram tomando conta do poder e
são esses agora ainda os que nos governam.
De vencidos em 64, passaram a ser os vencedores. A “intelligentsia” brasileira, estudantes,
professores e jornalistas passou então a rever a História, e então houve a revisão da História. Os novos
livros contam a história do Golpe de Abril de 64, já não mais considerada como a Revolução de
Março, e os militares retiraram-se para os quartéis. Anistiaram-se os presos políticos, foram sendo
indenizados pela União e passou-se uma pá-de-cal no Movimento de 64.
Um resumo ainda incompleto daquele tempo vivido, de profundas consequências
socioeconômicas e políticas, de um desenvolvimento econômico estupendo, muitas vezes com
extremos sacrifícios do povo pela inflação desenfreada, mas tudo em função de um nacionalismo
tupiniquim dos militares que até mesmo rebelaram-se contra os EUA, a ponto de fecharem os portos às
transformações econômicas rápidas que ocorriam no mundo todo, ora com o Movimento de Maio de
1968, na França, ora posteriormente com a queda do Muro de Berlim, e depois com a extinção da
antiga União Soviética e a morte do comunismo.
Do Movimento de 64 o povo pouco participou. Alguns segmentos da sociedade civil sim, mas,
para o povo, a grande maioria da população brasileira, ele foi um desconhecido, pela censura da
imprensa. Mas para o trabalhador, preocupado com o seu ganha pão, as disputas políticas da cúpula

eram-lhe, de um modo geral, indiferentes e nem sempre democracia foi e é sinônimo de estabilidade
econômica e de paz social.
Então, no frigir dos ovos, com as eleições democráticas, e a legalização dos partidos, outrora na
clandestinidade com a liberdade de imprensa, sem quaisquer limites, muito embora a patrulha
ideológica dos jornalistas de esquerda e dos intelectuais sempre conseguiu impor o seu ponto de vista,
agora a liberdade de expressão impera, e a democracia, com as eleições periódicas, hoje rotineiras, é
um fato corriqueiro.
O povo acostuma-se com tudo, até mesmo com a democracia. Agora acostumou-se com ela,
como outrora acostumou-se com a ditadura, mas ele, como sempre, em todos os tempos, raramente foi
chamado a manifestar-se, talvez mesmo pela fragilidade de nossas instituições, mais preocupadas em
preservar seus valores elitistas, herança de nossa tradição paternalista e patrimonialista que vem desde
a época dos descobrimentos, como bem retratou Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder”.
Depois de 40 anos, agora a História é contada pelos vencidos. Os vencidos na ocasião
tornaram-se, depois, vencedores. Mas a História não pode ser contada por apenas um ponto de vista
ideológico. É preciso também que haja uma certa imparcialidade nas críticas ao Contragolpe de Estado
de 64, ex-“Revolução de 64”, a ex-“Redentora”.
Esperemos que um dia ainda os historiadores sejam mais isentos, porque, na verdade, ela teve
seus prós e os seus contras, e para o povo, essa entidade amorfa, pouco importa saber se seus
governantes são partidários da esquerda ou da direita, se o governo é democrático ou ditatorial.
Ele quer é mesmo viver bem, com segurança, ter condições de produzir e trabalhar sem
sobressaltos e de não ter seu salário aviltado; enfim, de ser bem governado pelos seus representantes,
eleitos ou impostos.
Neste 2004 talvez haja mais estudos a respeito, mais divulgação do que ela fez e deixou de
fazer, mais esclarecimentos sobre a guerrilha do Araguaia e sobre as torturas nas prisões, além daquilo
que todos sabemos, ainda insuficientes para melhor avaliar aquele período, chamado dos “Anos de
Chumbo” por alguns e por outros, pelos mais antigos, “Redentora””.

*Sociólogo

Redação

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