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Elenice Aparecida Carvalho, a ‘Anja’

A atual presidente do Gaspa, Grupo de Apoio e Solidariedade ao Portador de HIV de Araraquara, Elenice Aparecida Carvalho sempre foi uma menina brincalhona, alegre e ‘terrível’ como ela mesma diz, mas conta que o primeiro grande contato com a tristeza foi com a perda de seu avô. Um homem que preservava a família e fazia questão de todo domingo ter todo mundo reunido em volta da mesa. Sua satisfação e alegria era ficar observando cada um comer. E cada domingo era um de nós que ajudava a minha avó na cozinha. Os laços construídos iam além do gastronômico, pois antes do estomago passavam pelo coração.

E quando meu avô adoeceu e passou a se alimentar por sonda, não entendia muito aquilo. “Eu tinha nove anos e não entendia porque não davam comida ao meu avô. Por isso dieta é algo que abomino”.

Ela traz memórias que beiram a ojeriza em relação à sonda e também tampa de caixão, pois na época, década de 70, as pessoas eram veladas em casa. “Quando entrei no quarto vi a tampa do caixão. Aquilo foi mais chocante do que ver o meu avó no caixão”, diz acrescentando que quando o saudoso Dr. Syrthes ia consultar seu avô o chamava de Dr. Cinto.

Quando eu chegava à casa do meu avô eu pulava na cama dele. As pessoas me criticavam por fazer isso, mas Dr.Syrthes a aconselhou: nunca deixe de fazer isso. Isso é vida”.

Elenice nasceu em Araraquara, no dia 9 de fevereiro, às 8h2 da manhã no Hospital São Paulo, que na época se localizava na Avenida São Paulo. Filha de Antônio Carvalho e de Euticia Luzia Araújo Carvalho. Euticia quer dizer caminho de uma estrela. É irmã de Edson Luiz (Naná) e Eloise Regina. Cuida dos pais e das tias. “São meus quatro bebês”, brinca ela.
Estudou no Victor Lacorte. Fez secretariado na Industrial, pois sonhava com nutrição. Mas depois fez. Cresceu no bairro do Carmo, na rua14, entre a 15 e Dom Pedro. “Eu era o moleque da rua. E como era muito levada, os meninos me amavam. Uma época boa onde a gente brincava na rua. Perdi as contas de quantas vezes fui roubar laranja no seminário, Que delícia, que delícia, que delícia!”, conta ela rindo, acrescentando que embora não exista mais e deu lugar a um estacionamento, viu construir o banheiro da praça do Carmo e, lógico, das quermesses que aconteciam em torno da praça.

 

Pra lá do mato

Ela se recorda de quando começaram a vender os loteamentos no Selmi Dei. “Minha mãe estava querendo comprar um terreno. A hora que meu pai viu falou que ali seria bom quando as crianças estivessem grandes, mas que no momento não era para eles. Mas minha mãe gostou. Eu vi e fiquei quieta. Quando cheguei na casa do meu avô perguntei se poderia morar ali com eles, pois minha mãe queria comprar uma casa pra lá do mato e que já ia trazer minhas coisas. Mas não mudamos”.
Elenice é famosa por seu talento na arte de cozinhar, sua avó dona Joana, banqueteira cozinhou para muita gente na cidade. “Antigamente não existia buffets e pessoas como minha avó eram contratadas para cozinhar em grandes festas e eventos. Morreu com 104 anos e sempre ensinava que o marido de uma mulher era diploma. Depois você via o nome do fulano”.
Mas o que encantava a criançada do bairro era o imenso forno que a avó de Elenice tinha no fundo do quintal, onde magicamente saiam deliciosos quitutes e pães cujo cheiro seduziam qualquer nariz e paladar.
Por conta da avó todos na casa de Elenice aprenderam a cozinhar, lavar e passar. “Minha avó sempre dizia que a gente tinha que saber, pois se um dia fosse morar longe ou fora do país saberia se virar. E eu, por estar desempregada estou fazendo isso, pois cozinho muito bem modéstia à parte, e sou uma banqueteira como minha avó”, diz cheia de orgulho.
Não se casou. Não tem vocação e nem a longevidade e exemplo de cumplicidade do casamento dos pais a faz mudar de ideia.

Adora cada um de seus afilhados. “Tenho verdadeira paixão por eles”.
E Elenice é tão criativa na cozinha que já chegou a fazer bolinho de sopa quando certa vez na casa de uma amiga, chegaram algumas visitas e não tinha o que servir, pois tinha acabado de voltar ao país. Ela se lembrou da sopa da noite anterior, pesquisou se tinha outros ingredientes como farinha e voilá, criou bolinhos de sopa que todos adoraram, mas que não pode passar a receita quando pediram, pois além de puro improviso não poderia contar que tinha usado sopa. Elenice faz amizades por onde vai. Expansiva. Solícita. Curiosa. Camaleoa que sabe se adequar às coisas e, sobretudo, batalhadora.

É cerimonialista, foi governanta. Programadora de comerciais na Morada do Sol através da Rede Machete. Trabalhou na Prondepar , no Dorival Alves, secretaria do EEBA e, em inúmeras escolas, como no Elisa Sambiase, no Morumbi e no Imperador, no Sesc como líder de limpeza, na Ibrafen, Hotel Uirapuru, em São Paulo, na faculdade de Medicina como ascensorista, na Dr. Arnaldo e na Industrial, no Baneser.
E Elenice é extremamente criativa, tanto que até convites de casamentos ela chegou a produzir.

Orgulho e preconceito

Questionada sobre preconceito, Elenice brinca dizendo que se faz de tonta e dá uma resposta ‘na lata’ para  a pessoa,  a mesma intenção. “Por exemplo, se a pessoa chega em mim e fala: oi macaca! Eu respondo: oi cadela. Porque se eu posso ser macaca por que ela não pode ter o apelido de cadela? Certa vez estava no cemitério rezando no túmulo de sua família que é bastante suntuoso, de mármore, quando uma mulher bastante sofisticada perguntou se ela conhecia quem lavava túmulos. “Eu percebi que ela na verdade, queria saber se eu lavava túmulos e devolvi a pergunta? Por que a senhora lava? Eu estava aqui rezando aonde eu poderia encontrar uma pessoa para lavar túmulo. A senhora caiu do céu. A mulher ficou muda. Continuei perguntando quanto ela cobrava. Como estava acompanhada de outra senhora, questionei se a outra pessoa a ajudava. Só sei que a mulher de muda ficou engasgada e quando conseguiu falar disse que eu não tinha entendido a pergunta. Mas eu insisti e disse que sim, que a situação estava difícil mesmo (risos). Imagine aquela mulher da sociedade ‘araraquarana’, com seus lindos óculos de marca e sua bolsa de grife maravilhosa, com o cabelo que não saia um fio do lugar sendo questionada se lavava túmulos? Quase que ela ficou ali mesmo no cemitério de tão mortificada que ficou”.
Em uma outra situação, foi a uma loja, onde a vendedora estava meio que parada no balcão. Olha os produtos e pergunta o preço de uma calça. “A vendedora olha bem pra minha cara e diz: ela é cara e não te serve Respondi: cara para você que é balconista da loja né? Não te perguntei valores e nem quero essa. Quero a que está na vitrine. Assim que trato preconceito. De uma outra vez fui comprar um botão para colocar em uma roupa que eu ia usar para ir ao Baile do Carmo, aliás eu fiz a roupa por causa daquele botão. A mesma coisa. A vendedora me disse que era caro. Da mesma forma respondo que poderia ser caro para ela. Outra situação é pé grande. Como calço 43 quando vou comprar sapato aquém vende me diz: mas você calça tudo isso? Respondo que quem calça números menores são as mulheres comuns e para ver se eu tinha cara de mulher de dia a dia que calçava 36,37? Ainda acrescentei que a mulher que calçava 39 começava a ser especial, as que calçavam mais de 40 então e que ela que deveria calçar 37/38 era uma mulherzinha do dia a dia. Acabou. É assim que trato o preconceito e acho que vai ser sempre assim. Eu não passo mais vontade de falar as coisas pras pessoas. Se não gosto, se não quero”.

Gaspa

Atualmente presidente, mas voluntária no Gaspa desde 15 de junho de 2015, Elenice diz que o preconceito é o que mais se enfrenta. “Já cheguei a perder amizade por estar no Gaspa. A primeira coisa que a pessoa pergunta é se você é portadora, ela não consegue entender por que você está lá”.

Segundo Elenice, os principais objetivos da nova diretoria serão refazer o cadastro dos assistidos, pois muitos param de frequentar ou mudam de cidade, e buscar parcerias para oficinas. “Preciso pôr a casa em ordem mesmo, para sabermos o que temos e o que podemos oferecer”. Elenice também tem sonhos que pretende realizar como conhecer João Pessoa e África do Sul. GASPA: (16) 9911 89826.

(BOX)

 

Os Britos

Benedito Máximo Araújo, avó de Elenice contava que seu pai era carroceiro e que foi ele quem levou os restos mortais de Manuel Joaquim de Souza Brito e de Rozendo de Souza Brito depois do trágico e marcante episódio que foi o linchamento dos Britos. “Ele falava que o pai ficou muito horrorizado e sem dias sem falar e sem trabalhar tamanho o impacto que a visão daqueles corpos deixou nele. Muitas vezes ele dizia que por conta disso parecia que carregava uma culpa que não era dele, pois conhecia os dois”, finaliza.

Redação

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