A exposição Imagem Testemunho: experiências artísticas de presos políticos durante a ditadura civil-militar será realizada no Centro MariAntonia da USP, em São Paulo, com abertura oficial no dia 27 de abril de 2023 às 19h. A mostra conta com curadoria de Priscila Arantes, e apresenta imagens-testemunhos de presos políticos que foram criados em diferentes presídios do Estado de São Paulo durante as décadas de 60 e 70. Entre desenhos, colagens, xilogravuras, bilhetes trocados entre os encarcerados, anotações e serigrafias, as obras foram reunidas durante anos pelo jornalista e ex-preso político Alípio Freire, e que agora integram o acervo documental da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
O evento faz parte das comemorações dos 30 anos do Centro MariAntonia, inaugurado em 27 de maio de 1993, que tem como vocação a resistência democrática, a defesa dos direitos humanos e a memória política. O diretor do Centro MariAntonia, José Lira, salienta que em um momento no qual a democracia vê-se novamente ameaçada “É imprescindível retornamos ao testemunho dos que ousaram se levantar contra a tirania. Pois sua voz, seu olhar, suas mãos, seus corpos, muitas vezes fustigados pelo aparato repressivo do regime, guardam tesouros da memória e da imaginação sociais”.
A exposição Imagens Testemunhos, é uma homenagem aos artistas como Rita Sipahi, advogada, ex-presa política e esposa de Freire, também uma das principais figuras desta exposição, além de Aldo Arantes, Ângela Rocha, Artur Scavone, Carlos Takaoka, José Wilson, Manoel Cyrillo, Regis Andrade, Sérgio Ferro, Sérgio Sister e Yoshiya Takaoka, que lutaram contra a repressão e a censura durante a ditadura brasileira.
Suas obras são testemunhos da resistência e da luta pela liberdade, pela anistia e pelos direitos humanos no Brasil. A expressão Imagem-Testemunho, escolhida para o título da exposição, pontua o valor desta produção enquanto testemunho e fonte histórica dos duros anos de ditadura civil-militar no país. As obras retratam a resistência no espaço prisional e a solidariedade criada dentro e fora das prisões. Muitas vezes, estes testemunhos, quando saíam das prisões, funcionavam como um dispositivo de divulgação da existência de presas e presos políticos no país”, diz Priscila Arantes.
Composta por um conjunto de desenhos criados em diferentes presídios do Estado de São Paulo, incluindo Tiradentes, Carandiru, Hipódromo e Presídio Militar Romão Gomes (Barro Branco), além de algumas vezes dentro do próprio Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Essas obras foram produzidas por presos de diferentes organizações políticas, alguns deles artistas antes de serem presos, enquanto outros só tiveram essa experiência durante o período de confinamento.
São 41 trabalhos que retratam o cotidiano na prisão, as relações entre os próprios presos políticos, as redes de apoio fora do espaço carcerário, e a solidariedade criada dentro e fora das prisões. As obras incorporam técnicas diversas e muitas vezes foram realizadas com materiais encontrados dentro do espaço prisional ou trazidos por amigos para dentro da prisão. Completam a exposição 16 outros documentos, 7 depoimentos em vídeos especialmente produzidos para a mostra e um conjunto de atividades culturais e educativas a ela relacionadas. Algumas delas dialogam com assassinatos de companheiros fora do espaço prisional, enquanto outras apresentam imagens que, mais do que abstratas, nos conduzem a um silêncio ensurdecedor. “É importante destacar que os trabalhos artísticos, realizados no cotidiano das celas, foram identificados como instrumentos de memória, com potencial de demonstrar – quando expostos – as graves violações cometidas contra aqueles que resistiram ao terror da ditadura civil militar.” completa Rita Sipahi.
Entre os artistas presentes na exposição, destaca-se Alípio Freire, um dos principais responsáveis pelo acervo da exposição, falecido por complicações decorrentes da COVID-19 em 2021, que em depoimento para o livro “Tiradentes, um presídio da ditadura. Memórias de presos políticos” (org. por Alípio Freire, Izaías Almada e J.A. de Granville Ponce) afirmou que “Por trás de algumas dessas manifestações (em branco) residiam intenções de alguns daqueles artistas, que visavam ao mesmo tempo dois alvos: primeiro, abrir um espaço onde o espectador pudesse preencher com sua imaginação a comunicação pretendida, o que era entendido então como parte da fruição do espectador ante a obra – a fruição era entendida por alguns como também uma (re)criação pelo espectador. Segundo, refletir o indizível, ainda não simbolizável – algo próximo chamado de ‘inefável’.”
Durante os anos 80 e 2000, a coleção contou com inúmeras mostras e muitas imagens fizeram parte de livros, catálogos e revistas. No contexto do ano de 2023, acrescentam-se novos sentidos à exposição desta coleção. Homenagear Alípio Freire e as inúmeras vítimas que morreram em 2021, pelo descaso da política negacionista do governo Bolsonaro. “Reafirmar a importância desta coleção como documento deste período obscuro da nossa história. Mas, especialmente, através das experiências artísticas realizadas por militantes políticos que resistiram ao regime militar, reafirmar a importância destes testemunhos como espaços de luta e resistência.” finaliza Priscila.
Integrantes da mostra
Aldo Arantes / Alípio Freire / Ângela Rocha / Artur Scavone / Carlos Takaoka / José Wilson / Manoel Cyrillo / Regis Andrade / Sérgio Ferro / Sérgio Sister / Rita Sipahi / Yoshiya Takaoka
Depoimentos
De Aldo Arantes, Ângela Rocha, Artur Scavone, Manoel Cyrillo, Rita Sipahi, Sérgio Ferro, Sérgio Sister, que integram o acervo do Núcleo do Museu da Pessoa MariAntonia.
Quem é a curadora
Priscila Arantes é crítica, curadora, professora e pesquisadora no campo da arte, curadoria, museu e estética contemporânea. Formada em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorado pela Penn State University (EUA) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é vice-diretora da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP e pesquisadora-colaboradora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. Foi diretora e curadora do Paço das Artes de 2007 a 2020. Entre 2007 e 2011 foi diretora adjunta do Museu da Imagem e Som (MIS) atuando na curadoria de programação. Integra o conselho editorial de diversas publicações científicas e é vice-presidente da Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) desde 2022 e membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Entre os prêmios recebidos destacam-se o da Society of Latin American Studies para integrar a Conferência em Liverpool (Londres/2016), da Fundación Cisneros/Getty Foundation/ (2016), da Getty Foundation ( 2012) e finalista do 48º Prêmio Jabuti pelo livro Arte@Mídia:perspectivas da estética digital (Fapesp/Senac). É autora de diversos livros e curadora de mostras em Portugal e em diversas instituições culturais no país.