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O “Jogo da OCA” – Prefeitura vs. Câmara Municipal de Araraquara

Por Marcos Olyver

 

O Jogo da Oca ou Jogo do Ganso, como é popularmente conhecido, se trata de um antigo jogo de tabuleiro, em formato espiral, em que os concorrentes percorrem as casas de fora para dentro até chegarem ao centro onde está o Jardim do Ganso.

Nessa história que irei descrever, imaginem dois competidores. De um lado o prefeito Edinho Silva querendo chegar ao “jardim do ganso” e aprovar seu projeto e de outro a oposição, A Câmara Municipal, lutando contra esse projeto inconstitucional, de acordo com o parecer da diretoria legislativa da casa de leis.

A prefeitura de Araraquara pretende por meio de um Projeto de Lei Complementar (PLC), instituir o Programa Habitacional Organização de Construção de Autogestão (OCA), que integrado ao Programa de Moradia Econômica, poderá conciliar a política municipal de habitação com a atuação do governo estadual e federal.

Nessa “competição”, o prefeito possui apoiadores que querem ajudá-lo a chegar ao fim desse jogo, mas para isso ser possível ele precisará da maioria de 2/3 da Câmara para aprovar o projeto. Ouso chamar esse processo de jogo, pois nos bastidores estamos vendo uma “competição” para aprovar ou não o PLC nº 5/2019.

Até o momento, fontes afirmam que há apenas 11 votos dos 12 necessários, por isso foi solicitado o pedido de vista de 30 dias para “revisarem” a lei e alterar a necessidade de maioria de 2/3 da Câmara ou conseguir um novo aliado para prosseguir com a votação.

Questionada sobre a necessidade de buscar outras soluções de conseguir moradia digna aos cidadãos araraquarenses, a assessoria da Prefeitura declarou que após a modificação do governo federal no programa “Minha Casa, Minha Vida”,em que excluem a faixa 1, destinada a pessoas de baixa renda, o prefeito Edinho tem realizado diversas reuniões com a Caixa Econômica Federal e outras esferas de governo para buscar alternativas e trazer outras modalidades de moradia popular para a cidade.

Por outro lado, há fortes argumentos contrários questionando a inconstitucionalidade do projeto e a forma em que ele está sendo inserido. Questiona-se inclusive as supostas intenções por trás desta propositura do executivo.

Projeto enviado no final de março (28), teve audiência pública na última semana de abril (22) e na segunda semana de junho (17), a propositura do executivo já conta com três substitutivos, em que foram modificados alguns trechos para atender algumas exigências da casa de leis e da população. Pelo visto não foi o suficiente, porque foi solicitado o adiamento para revisarem e reajustarem novamente o projeto.

No entanto, mesmo com essas três alterações, a Diretoria Legislativa da Câmara Municipal de Araraquara entende que este projeto “padece de vício cristalino de inconstitucionalidade e ilegalidade”, mas como se trata de um órgão técnico opinativo, a Comissão de Justiça Legislação e Redação tem o direito de acatar ou não a opinião de profissionais altamente gabaritados.

Nota-se há incompatibilidades no projeto, pois de acordo com o artigo 180, inciso VII, da Constituição Bandeirante, do Estado de São Paulo, “determina que, no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão que “as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originalmente alterados”. Ou seja, legalmente o município não pode executar esse projeto.

Para que você leitor possa entender o que são áreas institucionais, trata-se de lotes destinados para edificação de equipamentos comunitários, seja praça, escola, postos de saúde, dentre outros bens públicos coletivos. E essa destinação é garantida pela Constituição Federal, no artigo 4, no parágrafo 2º, em que “consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares”.

Já trazendo esse projeto para o âmbito municipal, a Lei Complementar (LC) de nº 851, de 11 de fevereiro de 2014, que estabelece o Plano Regulador de Parcelamento do Solo, define em seu artigo 5, inciso III, que área institucional é a “área pública proveniente de parcelamento do solo por registro especial, exclusivamente destinada à implantação de equipamentos comunitários, vedada alteração de destinação, integra o Patrimônio Público como bens de uso especial”.

Lei essa que complementa a LC de nº 850, de 11 de fevereiro de 2014, que trata do Plano Diretor, diz no anexo III, que “Loteamento – É a forma de parcelamento do solo onde necessariamente ocorre a abertura de novas ruas, implantação de infraestrutura e doação de áreas para equipamentos comunitários (escola, praça, parque)”. Se os senhores tiverem interesse de ler o elucidativo parecer da Diretoria Legislativa da Câmara Municipal de Araraquara, esse documento pode ser acessado no site da Câmara.

O vereador Rafael De Angeli e Jéferson Yashuda (PSDB), em entrevista, questionaram o prazo e valores da construção do embrião da casa (sala, cozinha, banheiro e quarto), que segundo os vereadores, a Mara Gomes, coordenadora de Habitação da Prefeitura de Araraquara, fez uma média de custos para essa construção, durante a audiência pública, que giraria em torno de 15 a 16 mil reais.

“Em que Brasil, sem impostos ela acha que nós vivemos? Que que vai construir um quarto, sala, cozinha e banheiro com 15 ou 16 mil reais?”, afirma De Angeli.

Na cidade de Araraquara, foi constatado que há aproximadamente 2,5 mil famílias em situação de vulnerabilidade que não possuem moradia digna. Após essa constatação, a prefeitura em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano desenvolveu um projeto que viabiliza e promove acesso à moradia com condições de habitabilidade nos programas de habitação popular de interesse social.

Em entrevista, Mara Gomes, coordenadora municipal de habitação, afirmou que a intenção do Poder Executivo é conceder moradia digna a essas 2,5 mil famílias, mas de início serão doados 250 lotes. De acordo com o planejamento de toda a equipe, o governo municipal tem a intenção de fornecer areia do DAAE (sem utilidade nenhuma para o departamento), para a produção de tijolos de cimento, como uma forma de baratear os custos de construção.

No projeto enviado ao Legislativo, contém a informação de que o cidadão deverá contribuir durante 10 anos com uma Unidade Fiscal, que atualmente custa R$55,30. Após esse prazo ele poderá comprar a concessão de direito real de uso não onerosa da propriedade, ou seja, o cidadão teria segurança de não ser retirado da propriedade.

Caso o “proprietário” fosse vender a casa após os 10 anos, eles podem vender para pessoas que se enquadrem no mesmo critérios de vulnerabilidade – fiquei um pouco confuso – e para isso o beneficiado pela terra deverá comparecer na Secretaria de Desenvolvimento Urbano para transferir essa “propriedade”.

Em nota, o vereador Paulo Landim (PT), líder do governo na Câmara e aliado do prefeito nesse “jogo”, ele diz que “Em relação aos questionamentos sobre a legalidade de alteração da destinação de áreas institucionais, a lei diz que essa restrição se restringe ao loteador, ao empreendedor, não se estendendo ao Município que, ente autônomo, pode proceder ao câmbio de destinação mediante autorização legislativa”, afirma Landim.

Contudo, para nós meros telespectadores desse grande espetáculo, vale aguardar o desfecho dessa jornada que já dura cinco meses. Se vale aqui ressaltar a minha opinião.

Afirmo que é realmente lamentável a situação que nosso país se encontra. Fico triste só de imaginar as centenas de milhares de famílias que não possuem uma moradia digna, um lar para chamar de seu.

Mas não podemos admitir que projetos mal estruturados e inconstitucionais sejam aprovados com a finalidade de “despejar” uma família em um cubículo e dizer que é moradia digna. Principalmente, em se tratando se um solo que nunca poderá chamar de seu.

Um solo que de acordo com a legislação Estadual e Federal, não pode ser alterado e deve ser usado para construção de edificações de uso coletivo, como praça, escola, posto de saúde, e outros.

Nesse “jogo de tabuleiro”, espero que os nossos legisladores votem de acordo com a constitucionalidade do projeto e não por discursos populistas e supostamente eleitoreiros, apenas visando a “garantia” de seu lugar nas eleições 2020.

Mas como disse, nos resta esperar e ver quem chegará ao “jardim do ganso”, os vereadores que lutam bravamente pela constitucionalidade do projeto ou o prefeito e seus aliados que querem passar esse projeto a todo custo, rejeitando inclusive o parecer de um profissional extremamente competente que compõe o órgão consultivo da Casa de Leis.

Vamos aguardar a próxima jogada no Projeto dos Lotes Urbanizados, será que conseguirão uma alternativa de conseguir aprovar o projeto por maioria simples ou terão que convencer mais um vereador?

Atenção! Este texto não reflete necessariamente a opinião do Jornal O Imparcial Araraquara e está assegurado pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal. Que defende o direito à liberdade de expressão.

Redação

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