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O papel da Polícia

Luís Carlos Bedran*

Seria ingenuidade pensar que o policial deva tratar o delinquente com todo carinho, amor e pão de ló. Dar-lhe a Bíblia, agradá-lo, levar-lhe flores, oferecer-lhe docinhos e mimos, esperando que ele o agradeça e à sociedade, fazendo com que se regenere, não é papel da Polícia.
Essa missão deve ser cumprida pelos religiosos que ainda pensam que o mundo poderia ser melhor, se todos acreditassem em um ser superior, na imortalidade da alma, fazendo de tudo para que os homens se regenerassem e fossem para o céu. Ou então dos psicólogos da área, por dever de ofício, mas nunca da Polícia.
O policial deve tratar o bandido com energia, com dureza, e aplicar a lei imposta pela sociedade, expressa na Constituição Federal, nas leis penais e nas de processo. E sabendo do risco que corre, de sua própria vida, como profissional que é, deve ser esperto, desconfiado e procurar agir, respaldado na lei, para que se possa viver em segurança em nossa sociedade.
Mas uma coisa é usar de energia, outra de violência. E se violência houver, deve ser compatível com a ação do bandido: nem mais, nem menos. A reação do policial deve ser proporcional à ação do bandido. Para isso ele tem a cobertura da lei, que considera não haver crime quando age no estrito cumprimento do dever legal.
Ele deve entender que na defesa do patrimônio do cidadão e na defesa de sua segurança, não pode extrapolar dos limites legais. Porque ele aí então também tornar-se-ia um infrator. É preciso que ele haja com extremo autocontrole e inteligência, o que nem sempre se consegue no calor da refrega, onde as emoções afloram, o perigo é iminente ou real, com risco de sua própria vida.
É uma das mais estressantes profissões que produzem consequências as mais danosas e muitas vezes irreversíveis na vida e na mente dos policiais, tanto que o acompanhamento psicológico de cada um deveria ser de forma permanente pela instituição a que pertencem.
Se para o policial militar, que cuida do policiamento ostensivo e preventivo e que tem contato direto com a violência nas ruas, o que mais enfrenta o bandido, cara-a-cara, em situações perigosas e de extremo risco, por sua vez, para o policial civil, deve predominar um trabalho investigativo, paciente, metódico, muitas vezes de gabinete, mais de perto com a aplicação fria lei, para que possa bem completar o serviço do seu colega fardado.
Mas como nem sempre isso acontece, o policial civil também enfrenta perigosamente os bandidos nas ruas. Ambos, para protegerem a sociedade, também devem ser protegidos, não só usando de armamento sofisticado, do mesmo nível e até maior dos delinquentes, mas, sobretudo sendo reconhecidos pelo Estado, por ele apoiados psicologicamente e muito bem remunerados.
Aliás, a Polícia deveria ser única, nada de separá-las em civil e militar. Isso é coisa do passado, de triste memória, coisa de país de Terceiro Mundo. Todo policial deveria passar por vários setores, desde o policiamento ostensivo, fardado, até o investigativo, comumente civil, mas ambos se completando, pela mútua experiência.
Todos deveriam ter um conhecimento mínimo e básico das leis, mais ainda do que já possuem, além de um conhecimento da psicologia das pessoas, não empírico. Tanto o policial civil quanto o militar deveriam ser muito bem remunerados, o que nunca aconteceu. E quem ganha com a rivalidade ainda existentes entre ambas as polícias, embora camuflada, é o bandido, não o povo. O comando deveria ser único e isso ainda está muito difícil de ser alcançado.
O recrudescimento da violência exige do policial que ele também se proteja e aja com rigor. Mas — e esta é a tese deste artigo —, ao mesmo tempo está faltando um maior entrosamento entre o povo e a Polícia. O policial não deve ser visto apenas como o braço armado do Estado, um mero agente repressor, mas sim, principalmente, objeto de respeito pelo cidadão, não de medo.
O policial deve ser amigo do povo, deve ajudá-lo, para ser por ele ajudado. Deve conversar com o cidadão, orientá-lo, ser gentil com ele. Deve ter psicologia suficiente para tentar distinguir o homem de bem do bandido, seja ele branco ou negro, pobre ou rico, homem ou mulher, adulto ou “de menor” e isso, dependendo do local, do ambiente, das pessoas envolvidas, parece não ser tão impossível. Claro que não está escrito na testa de ninguém se o sujeito é bandido ou não.
Mas talvez esteja faltando maior orientação ao policial comum, aquele que tem contato direto com o cidadão nas ruas; falta-lhe uma ideologia de respeito à cidadania. E essa filosofia cabe aos seus superiores, que têm formação universitária, de humanidades, adquirida nas academias, civil e militar. Não basta uma melhor orientação específica; é preciso que seja divulgada, pois aí certamente existirá mais confiança em seu trabalho.
E a parte visível da Polícia ainda é o policial militar, aquele que está nas ruas, que não tem apenas de ficar na viatura, rondando, fiscalizando e aguardando as ocorrências. O policial deve conhecer o seu ambiente, o seu quarteirão determinado pelos seus superiores, a sua área de serviço, os seus moradores. Deve andar a pé, conversar com a dona-de-casa, com as crianças, para que dele não tenham medo, os vizinhos em sua circunscrição e deles solicitar auxílio quando necessário.
Enquanto não se mudar tal estado de coisas, a Polícia continuará como no passado, em que o homem simples do povo, menos a respeita, do que a teme. E quem lhe deve ter medo é o bandido, não o cidadão de bem. O distanciamento Polícia-povo deve ser o mínimo possível, mesmo porque dele faz parte e dele é originário.
E a separação entre bandido e policial deve ser nítida, clara, cristalina. No momento em que o policial extrapola, confunde-se com o delinquente, aí então ele perde todo o respeito e desmoraliza-se, e com ela toda a instituição a que pertence. E se o espírito de corpo deve existir, que ele não se faça às custas da lei e nem contra a sociedade.
A divulgação do trabalho policial, daquilo que ele faz bem e de bom para a sociedade é tão importante quanto o seu estafante e perigoso trabalho cotidiano. Esconder as mazelas da instituição, como ocorre em qualquer uma, dourar a pílula, apenas para manter-se unido o espírito de corpo, somente irá prejudicá-la mais ainda, pois, como não se desconhece, em sociedade tudo se sabe.
Por isso, o papel da Polícia deve ser ampliado socialmente, mais ainda do que já o é. Principalmente no seu aspecto positivo.

*Sociólogo. Foi Delegado de Polícia

Redação

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