Início Araraquara Pesquisadora faz análise profunda de novo Anime do Senhor dos Anéis

Pesquisadora faz análise profunda de novo Anime do Senhor dos Anéis

A trilogia de ‘O Senhor dos Anéis’ ganhou 17 Oscars e 13 BAFTAs (British Academy Film Awards)

*Alline Duarte Rufo – Colaboração

Em 2001, 23 anos atrás, estreava nos EUA um dos maiores fenômenos de adaptação audiovisual das obras de J. R. R. Tolkien, o primeiro filme da trilogia O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel, dirigido pelo cineasta e produtor cinematográfico neozelandês Peter Robert Jackson. A trilogia de O Senhor dos Anéis ganhou 17 Oscars e 13 BAFTAs (British Academy Film Awards).

Precedida por inúmeras versões adaptadas, abrangendo animações e live-action. Em animação temos, em 1978, a primeira adaptação de O Senhor dos Anéis, uma animação usando técnica de rotoscopia, dirigida por Ralph Bakshi com roteiro pelo escritor de fantasia Peter S. Beagle, chega às telas, no entanto, ela contemplava apenas a primeira metade da história de O Senhor dos Anéis. Em 1977, a Rankin/Bass Animated Entertainment produziu um filme de animação musical para televisão de O Hobbit, posteriormente, em 1980, produziu outro filme de animação musical para televisão intitulado The Return of the King, que cobria algumas das partes de O Senhor dos Anéis que Ralph Bakshi não contemplou em sua animação.

Já com atores humanos, o conhecido live-action, as primeiras adaptações foram produções televisivas europeias feitas nas décadas de 1970 e início dos anos 90 (principalmente sem licença). Em 1971, a emissora sueca Sveriges Television exibiu Sagan om Ringen, uma adaptação live-action de duas partes, baseado em A Sociedade do Anel, e dirigido por Bo Hansson. Em 1985, a União Soviética transmitiu A Fabulosa Jornada do Sr. Bilbo Bolseiro, o Hobbit, um especial de televisão baseado em O Hobbit. Ainda na União Soviética, em 1991, houve a adaptação live-action Khraniteli, também baseada em A Sociedade do Anel. Em 1993, a emissora finlandesa Yle produziu uma minissérie chamada Hobitit, escrita e dirigida por Timo Torikka com trilha sonora de Toni Edelmann, apesar do nome, foi baseado em O Senhor dos Anéis só que do ponto de vista dos hobbits. Depois do fenômeno em 2001 de Peter Jackson, em 2012 o cineasta retorna com uma adaptação de O Hobbit, novamente em trilogia: Uma Jornada Inesperada (2012), A Desolação de Smaug (2013) e A Batalha dos Cinco Exércitos (2014).

J. R. R. Tolkien retoma interesses de adaptações com a serie via streaming da Amazon Prime intitulada O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder a serie televisa começou a ser filmada em fevereiro de 2020 em Auckland, Nova Zelândia e a primeira temporada estreou no Prime Video em 1 de setembro de 2022. Produzida com base em O Senhor dos Anéis e seus apêndices, foi desenvolvida por J. D. Payne e Patrick McKay. A Amazon Studios é responsável pela produção em cooperação com a Tolkien Estate, Tolkien Trust, HarperCollins e New Line Cinema. Já a segunda temporada estreou em 29 de agosto de 2024.

Em dezembro de 2024, chega aos cinemas uma nova história, em animação no estilo anime pelo diretor e escritor japonês Kenji Kamiyama (“Blade Runner: Lótus Negra” para a Warner Bros. e “Ghost in the Shell: Stand Alone Complex”), O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim. Produzida pela New Line Cinema, Warner Bros. Animation, Domain Entertainment e Sola Entertainment em associação com WingNut Films. Trazendo ao público, com a narração pela voz de Éowyn, sobrinha do Rei Théoden, explicações sobre o Abismo de Helm em Rohan, local que protagonizou um dos momentos cruciais da Guerra do Anel, conhecido como a batalha do Abismo de Helm, em que o Rei Théoden e seu povo de Rohan enfrentaram as legiões de Saruman, de Isengard.

O novo filme, no entanto, não é uma adaptação canônica dos escritos de J. R. R. Tolkien, mas uma história baseada nos apêndices de O Senhor dos Anéis que traz informações sobre Rohan e o Abismo de Helm. Escrita pelos roteiristas Jeffrey Addiss, Will Matthews e Philippa Boyens (que co-escreveu a trilogia de O Senhor dos Anéis, King Kong, Um Olhar do Paraíso). Apesar de trazer elementos escritos pelo autor original extrapola criativamente o universo criado por Tolkien, sendo assim, uma história não canônica. Aqui entendemos canonicidade como um conjunto de obras, personagens, cenários e eventos que são considerados genuínos ou oficialmente sancionados dentro do universo ficcional criado seja pelo próprio autor/criador ou por regras que sancionem essa oficialidade.

Em O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim acompanhamos uma nova protagonista, que não existe no cânon de J. R. R. Tolkien, Héra, que não será lembrada nas canções, filha de Helm Mão-de-Martelo, nono Rei de Rohan, e o último Rei da Primeira Linhagem. Na narrativa da adaptação, que destoa da narrativa de “A Casa de Eorl” no apêndice do livro O Senhor dos Anéis, um dos senhores de Rohan, Freca, chega aos salões do Rei Helm preocupado com a possibilidade de Héra casar com um senhor de Gondor e Wulf, filho de Freca e amigo de infância de Héra, pede a mão da filha do rei em casamento, a fim de usurpar o trono de Rohan. Héra, que não está interessada em casamento, tanto com senhor de Gondor quanto com Wulf, nega o pedido. Helm e Freca discutem no salão, o que resulta em uma briga do lado de fora, durante a qual Helm mata Freca com um único golpe, dando a Helm o apelido de “Mão-de-Martelo”.  Após a morte de Freca, o Rei Helm anunciou em voz alta que tanto Wulf, o filho de Freca, quanto seus parentes próximos eram inimigos do Rei, e estavam banidos. Wulf, devastado e furioso, jura vingança.

Acompanhamos no filme a protagonista Héra na construção de sua narrativa enquanto heroína e nos desafios que a desenvolvem como personagem. Wulf desaparece por anos planejando sua vingança até que um dia Héra e seu primo Fréaláf encontram um guerreiro sulista morto, um domador de mûmakil (olifantes). O mûmak raivoso e aparentemente debilitado por machucados ou doença ataca Fréaláf, Héra e sua guardiã Olwyn. Héra se livra dele atraindo-o para um lago na floresta, onde é comido por um Vigia na Água (Watcher in the Water), nesse momento, Targg, um dos generais de Freca, a segue e a sequestra, levando-a para a fortaleza de Wulf em Isengard. Wulf se tornou o Alto Senhor dos Terrapardenses, uma hoste de rebeldes da tribo das colinas. No entanto, Héra é resgatada por Fréaláf e Olwyn; e Wulf, então, invade Rohan e então toda a narrativa do filme se desenvolve em um plano de vingança, ira, teimosia e ego.

Na obra de J. R. R. Tolkien, o Abismo de Helm aparece em O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, em que se passa A Batalha do Abismo de Helm, e no Apêndices A: Anais dos Reis e Governantes, em que a história se difere da adaptação, uma vez que a protagonista do filme não existe no livro, as motivações da briga entre o Rei Helm e Freca giram em torno das ofensas e do questionamento da linhagem real. Freca atribui que sua descendência era diretamente de Fréawine, o quinto Rei de Rohan, mas a maioria dos Rohirrim acreditava que ele descendia de terrapardenses por conta dos seus traços e dos cabelos negros, incomum aos Rohirrim. Helm ofende Freca que é um homem poderoso e rico e desdenha do pedido de casamento de Wulf para sua filha não nomeada por Tolkien. Eles brigam do lado de fora do salão levando a morte de Freca com um único soco. O Rei Helm afirma que Wulf e seus parentes próximos são inimigos do rei e estão banidos. Wulf jura vingança.  O pano de fundo que leva ao refúgio dos povos de Rohan, é uma conjuntura de conflitos e ataques que perpassam Gondor e Rohan durante os anos T. E. 2758-2759. Rohan foi quase que simultaneamente atacada por três povos diferentes: os Corsários vindos do Sul; os Carroceiros vindos do Leste, e os Terrapardenses vindo do Oeste. Os Rohirrim foram derrotados e suas terras invadidas, e o Rei Helm, junto da parte de seu povo que não tinha sido morta nem escravizada, foi rechaçado e se refugiou no Forte-da-Trombeta, uma antiga fortaleza gondoriana chamada Aglarond que agora estava em posse dos Rohirrim. Outros grupos se refugiaram em outros locais de Rohan, inclusive no Fano-da-Colina.

Em Os Contos Inacabados, obra póstuma de J. R. R. Tolkien editada pelo seu filho e testamenteiro literário Christopher Tolkien, na Terceira parte: A Terceira Era, no capítulo II – Cirion e Eorl e a amizade entre Gondor e Rohan, Tolkien escreveu sobre a relação entre Gondor e Rohan e as fortalezas Aglarond (“A Caverna Cintilante” do Abismo de Helm em Ered Nimrais; usado também com referência à fortaleza mais estritamente chamada de Forte da Trombeta) e Angrenost (nome em sindarin de Isengard). E explica que Cirion, segundo Regente Governante de Gondor, concedeu Calenardhon (conhecida como “A Província Verde” nome de Rohan quando era parte norte de Gondor) aos Éothéod, os Rohirrim, após a Batalha do Campo de Celebrant em 2510 da 3º Era da Terra-média. Aprofundando na história do que no futuro chamaria Abismo de Helm e foco de O Senhor dos Anéis: A Guerra dos Rohirrim. 

Para os fãs ávidos e conhecedores do mundo Tolkeniano, a obra pode parecer simplista, uma vez que J. R. R. Tolkien escreveu um universo complexo e vasto de narrativas que perpassam mais de 3 Eras, com desenvolvimento de línguas, mapas, povos, territórios e cultura. Apesar de em vida Tolkien ter publicado O Hobbit, O Senhor dos Anéis, ele passou sua vida toda escrevendo e desenvolvendo seu mundo literário, o que nos rendeu a publicação póstuma da maioria das suas obras, todas passadas na Terra-média e interligadas sendo assim, um universo que dispensa criações não canônicas nas explicações de seu universo.

No entanto, há uma complexificação para que essas histórias cheguem ao público por meio de adaptações audiovisuais que envolvem questões relacionadas aos direitos autorais e de adaptação das obras. E por isso, percebe-se cada vez mais, um afastamento das obras canônicas do universo de J. R. R. Tolkien. A narrativa audiovisual pede saídas e explicações que os textos que estão disponíveis pelos direitos autorais e de adaptações não dão conta de explicar, uma vez que as empresas são detentoras apenas de O Senhor dos Anéis (e seus apêndices) e O Hobbit, sendo vetado a produção sobre as obras póstumas do autor. Assim, os produtores e roteiristas “tapam as lacunas narrativas” cada vez mais nos produtos audiovisuais gerando produções consideradas spin offs (produções derivadas de outra, que expande o universo narrativo de uma história já estabelecida) que ultrapassam os escritos de J. R. R. Tolkien e são considerados pela crítica como não canônicos.

*Alline Duarte Rufo é pesquisadora em estágio de pós-doutorado no Departamento de Artes e Comunicação (DAC) da UFSCar. Doutora e mestre em Linguística pela mesma instituição, dedica-se há mais de uma década ao estudo das obras de J. R. R. Tolkien. É autora de dois livros, incluindo Melkor, O Inimigo do Mundo: A Constituição do Vilão em O Silmarillion de J. R. R. Tolkien (2021).

Redação

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