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Porte de arma

 

 

“A propósito do polêmico projeto em favor do desarmamento geral, em curso no Congresso Nacional, tornando o porte de arma crime inafiançável, é preciso que o legislador encontre um meio termo entre o legítimo direito que todo cidadão tem à autodefesa e os interesses do Estado em proteger a sociedade, de um modo geral, e a própria pessoa, em particular, contra a violência, hoje generalizada, apontada, entre outros fatores, como resultante da facilidade na obtenção de armas.

Embora discutível essa afirmação, a arma considerada como causa da violência, caso transformado em lei o projeto, depois de algum tempo o Estado procurará saber do cidadão, através de plebiscito ou referendo, se a lei deverá ser mantida nos mesmos termos em que foi aprovada ou até mesmo revogada. O Estado também deveria ter submetido à apreciação popular a Constituição de 1988 através de referendo, mas este até hoje não foi realizado.

É evidente que, se tal ocorrer, a lei será ratificada nos mesmos moldes daquela que será editada, pois, à evidência que o cidadão será influenciado emocionalmente pela questão, pois não consegue mais suportar tanta violência e tanta impunidade.

O perigo do chamado “recall”, típico da cultura norte-americana, é a decisão popular ser objeto de manipulação emocional pela mídia. Se, por hipótese, fosse aprovada no Congresso uma lei reformando a Constituição e instituísse a pena de morte e, depois de algum tempo, obrigatoriamente, se realizaria um referendo popular para manter ou não a lei, certamente a extrema maioria do eleitorado votaria em favor da manutenção da pena de morte, como também votaria em favor da manutenção da lei do porte de arma, principalmente se, nesse hipotético plebiscito, as duas questões forem casadas.

Na verdade, tenta-se proibir um instrumento de fácil, mas de perigoso uso, como se ele, em si mesmo, um objeto banal, fosse culpado pela violência generalizada da sociedade em que vivemos. Seria a mesma coisa que se proibir o uso de veículo somente porque o motorista utiliza-o de forma errônea, com excesso de velocidade, por exemplo, causando perigo aos transeuntes. Nem o carro, nem a arma, em si mesmo considerados, produzem danos. Além do que aquela proibição seria direcionada apenas aos bons cidadãos, pois os bandidos, em tempo algum, nunca acataram as leis do País.

O que precisaria ser feito era, tal como no passado, regulamentar rigorosamente o porte de arma, gente que dela necessitaria para autodefesa ou que se julgasse ameaçada, cuja aferição deveria ser, com muito critério, realizada pela autoridade competente.

O bandido, tendo conhecimento que ninguém mais poderia ter uma arma em sua casa, nem para a defesa de sua propriedade e de sua família, dificultada sua aquisição pela extrema burocracia da legislação, ficaria mais ousado do que já o é atualmente e então teria todo o caminho livre para aproveitar-se da situação. É um projeto que, nos moldes em que está sendo proposto, se transformado em lei, talvez mais prejudicaria o cidadão, do que o protegeria. Seria uma lei em que, por causa de uma minoria delinquente, mas ousada, a extrema maioria das pessoas ficaria desprotegida.

Não é com a proibição radical do porte de arma e até mesmo de seu registro para guarda em domicílio que a sociedade se tornará menos violenta. É preciso debelar essa cultura da violência que hoje grassa por todos os lados, essa banalização do crime que

hoje permeia a vida de cada um. É preciso eliminar suas causas, para que não haja as consequências maléficas para a sociedade.

O que está havendo é manipulação do sentimento popular. O cidadão inerme e impotente não consegue encontrar um caminho para deter a bandidagem que impera soberanamente e que nunca houve no passado remoto. De simples contravenção, o porte de arma passou a ser crime e agora, se aprovado o projeto, até mesmo tornando-se inafiançável.

E o referendo popular, com as emoções à flor da pele, quando e se ocorrer, certamente manterá o projeto de lei original, pois ninguém mais consegue suportar tanta impunidade assim. Entretanto, o direito natural de todo cidadão à defesa de si mesmo restará limitado ao extremo e a liberdade individual, à sua própria segurança, estará ameaçada.

É preciso, pois, que o legislador haja com muita cautela e ponderação. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Deve-se evitar o abuso da arma, o porte deve apenas ser autorizado em casos excepcionais, a autoridade que o poderia conceder deveria ter muita sabedoria e critério para concedê-lo.

Uma lei extremamente rigorosa levará o cidadão de bem a tornar-se, ele mesmo, a contragosto, mais um violador dela, afrontando a autoridade pela desobediência civil, cumprindo-se assim, mais uma vez, aquele antigo e sábio brocardo jurídico onde diz que o maior direito, a rigorosa justiça, levará à maior injustiça. “Summum jus, summa injuria””.

*Sociólogo

P. S.: Este artigo foi publicado há uns oito anos. Ainda é pertinente, “mutatis mutandis”…

Redação

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