No aclamado seriado House of Cards, o personagem de Kevin Spacey é o presidente dos EUA. Ele é baleado no fígado e necessita de um transplante, mas lá (assim como aqui) não se poderia passar o presidente à frente dos outros, pois o valor da vida de qualquer pessoa deve ser o mesmo, não importando sua classe social, econômica e cultura. A resposta do médico na série é a de que essa é a lei e ponto. É fato que, por uma manobra ilícita, um assessor do governo acaba por conseguir o próximo órgão que seria doado no país. E o presidente recebe o fígado em lugar de um pai de família, que morre.
O transplante de órgãos é um dos grandes problemas e gargalos sanitários do Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o país registrou 33 mil adultos e crianças na fila de espera por um transplante de coração, rins, pulmão e fígado no ano passado. Trata-se de uma fila única, nacional e que possui critérios rígidos de inclusão, de acordo com a gravidade dos pacientes. Entretanto, apesar de estarmos evoluindo na cultura de doação de órgãos para salvar vidas, há organizações criminosas que furam essa fila para ganhar dinheiro de forma ilegal e ilícita.
Exemplo foi a recente operação da Polícia Federal que prendeu o ex-coordenador do programa de transplante do Rio de Janeiro, Joaquim Ribeiro
Filho, resultado de uma denúncia do Ministério Público Federal feita à Justiça contra cinco médicos do Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O grupo é acusado de desvio de órgãos entre 2003 e 2007, utilizados para furar a fila e a
ordem da lista nacional de transplantes de fígado.
órgão mesmo dentro dos critérios normais. E essa estatística se agrava com esse tipo de atitude ilícita e antiética de profissionais da saúde, em
especial, médicos. Um órgão não pode ser comercializado no Brasil, é ilícita a compra de um órgão. Desta forma, o favorecimento financeiro para que alguém seja passado à frente, também é ilícito, imoral e antiético.
Vale ressaltar também que esses médicos fazem parte de um sistema, um mecanismo social que querer tirar vantagem com métodos fora da lei. A fila é única, tanto faz se as pessoas pertencem ao sistema público (SUS) ou ao sistema privado de saúde. Inclusive, o SUS oferece assistência integral para esses pacientes, como exames preparatórios, procedimento cirúrgico, recuperação e medicamentos necessários no pós-cirúrgico.
Trata-se de um atendimento com alto custo. Ou seja, toda vez que este sistema é fraudado significa que se deu um golpe de alto valor para a saúde
brasileira. E, além de questão financeira, também pode significar que uma ou mais pessoas morreram na fila de espera em detrimento daquele favorecido.
*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde – drasandra@sfranconsultoria.com