O cenário que vislumbramos hoje no nosso país é desolador, mais uma vez envolto em profunda crise de ordem política e divisão da sociedade por discursos de ódio e intolerância. Mas não podemos perder o farol que deve nos nortear: a Democracia não falha, a falta dela, sim. O atual roteiro de acontecimentos tem sido experimentado na trajetória brasileira. As denúncias de corrupção se multiplicam, a classe política tenta se preservar e se distancia do povo que a elegeu e, por isso mesmo, parece incapaz de compreender suas expectativas e encontrar o caminho do diálogo.
A democracia é um regime que só se aperfeiçoa com a seiva que a alimenta: a liberdade, os direitos, o respeito às instituições e à independência e harmonia entre os Poderes.
A verdade é que falta consolidação da democracia no Brasil. Desde a proclamação da República, nossa história tem sido marcada por rupturas democráticas. A cada crise, ao longo dessa jornada, presenciamos soluções abruptas, com interrupção de governos, fechamento do Congresso Nacional e supressão da independência do Poder Judiciário.
Em geral, o Estado rompe com a cidadania e impõe censura à imprensa para cercear o direito à informação; elimina-se a liberdade de ir e vir, de manifestação e de reunião, impedindo o exercício do direito de defesa. Cerca-se o poder de interessados em obter favores públicos sob a égide de interesses privados. Não queremos isso. Sabemos o estrago que promove. O custo dessas tormentas vai ser pago por gerações e seu resultado, tétrico: instituições frágeis, sociedade com baixo nível de cultura política, partidos sem identidade ideológica, ausência de lideranças comprometidas com as demandas públicas, privilégios de toda ordem para ocupantes de cargos públicos, contas devastadas e uma economia conduzida por políticas desafinadas com as metas de competitividade e eficácia necessárias ao desenvolvimento autossustentado da Nação. Nesse contexto, decisões judiciais, inclusive da Suprema Corte, passam a relativizar garantias constitucionais, como o direito à ampla defesa e aos recursos a ela inerentes, o uso do devido processo legal e da própria presunção de inocência, permitindo prisão para cumprimento de pena que sequer foi definida pela própria Justiça.
O caminho traçado pela Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo do tempo, tem sido esse. Em 1974, quando vivíamos ainda sob o regime militar, o Colégio de Presidentes das Secionais da OAB, reunido em São Paulo com o então presidente do Conselho Federal, Raymundo Faoro, divulgou a Declaração de São Paulo denunciando a violação dos direitos humanos e protestando pelo fim das restrições do habeas corpus. O caminho indicado ali pelos dirigentes da advocacia nacional era o da pacificação do país como meio para sua redemocratização. O alerta foi ouvido. Algum tempo depois o presidente general Ernesto Geisel, em conversa informal, questiona o presidente da OAB sobre a volta do habeas corpus, se seria para dar liberdade a “terroristas” e “sequestradores”, ao que Faoro respondeu que pretendia dar liberdade à Justiça. E foi assim que, em maio de 1978, no encerramento da VII Conferência Nacional da Advocacia foi feito o anúncio, em nome do general Geisel, que estava sendo atendida a reivindicação da OAB com o fim das restrições ao habeas corpus e o início do processo que levaria à anistia.
Passados 40 anos, o país volta a necessitar de pacificação, da defesa intransigente de valores democráticos e republicanos, de encontrar caminhos para superação de mazelas públicas. A fragilidade de nossas instituições, é oportuno lembrar, não resulta do sistema democrático, mas dos estados autoritários que vivenciamos no passado. Para superarmos o desalento geral atual, o caminho é o fortalecimento do diálogo.
O papel histórico de dar sua contribuição para que o Brasil encontre o caminho da tolerância e convivência pacífica entre os diferentes dentro do Estado Democrático de Direito segue sendo a diretriz na nossa instituição por uma Nação mais justa, igualitária, fraterna e solidária, como é da essência do povo brasileiro.
*Marcos da Costa, presidente da Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil