O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou, no depoimento que prestou à Polícia Federal no último sábado (2), que o presidente Jair Bolsonaro pediu em fevereiro, por mensagem de celular, para indicar um novo superintendente para a Polícia Federal no Rio de Janeiro. Por diversas vezes durante o depoimento, segundo o relatório, Moro diz que não acusou o presidente de crime algum, e que isso cabe aos investigadores.
“A mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: ‘Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”, de acordo com o texto do relatório sobre o depoimento obtido pela TV Globo.
O depoimento do ex-ministro foi motivado por inquérito aberto pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria Geral da República, a fim de apurar se Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal.
Essa suposta interferência foi a razão apontada por Moro em pronunciamento para ter deixado governo. O ex-ministro fez esse anúncio no último dia 24, quando o “Diário Oficial da União” publicou aexoneração do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Mauricio Valeixo. Segundo o ex-ministro, ele não tomou conhecimento prévio da demissão do diretor.
Moro afirmou aos policiais federais que a mensagem de celular na qual Bolsonaro teria pedido para ele próprio indicar o superintendente da PF no Rio foi enviada pelo presidente no começo de março, quando o então ministro e o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, estavam em missão oficial nos Estados Unidos.
O ex-ministro diz que chegou a conversar sobre o tema com Valeixo, e que ambos “até aventaram a possibilidade de atender ao Presidente para evitar uma crise”. Mas Valeixo disse que, neste caso, não poderia permanecer no cargo.
No depoimento, Moro disse que “não nomeou e não era consultado” sobre o comando desses órgãos regionais, e que a escolha era exclusiva de Valeixo. O ex-ministro diz que não opinou nem na superintendência do Paraná, estado onde foi juiz.
Questionado sobre os motivos de Bolsonaro para querer definir o superintentendente do Rio, Moro não opinou e disse que apenas o próprio presidente poderia responder.
Reação de Valeixo
Ainda nesta conversa nos EUA, relata Moro, Valeixo declarou que estava “cansado da pressão para a sua substituição” e para a troca do comando da PF no Rio. E que, por isso, concordaria em sair do cargo.
Até ali, diz Moro, não havia solicitação da Presidência da República “sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro”.
O ex-ministro diz que cogitou atender às trocas se pudesse indicar novos perfis técnico. Depois, diz ter voltado atrás.
O dia anterior
Na manhã do dia 23 de abril, véspera das exonerações, Moro se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto – o encontro consta na agenda oficial de ambos.
O ex-ministro diz aos investigadores que, nessa ocasião, foi avisado que Valeixo seria trocado por Alexandre Ramagem, “a pedido, ou de ofício”, porque o novo diretor seria “uma pessoa “de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir”.
“O Declarante [Moro] informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia”, diz o termo de depoimento.
Em resposta, Moro diz ter ouvido que Bolsonaro “lamentava”, mas que a decisão “já estava tomada”.
Em seguida, Moro afirma ter-se reunido com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (Casa Civil) – três dos principais conselheiros de Bolsonaro.
Moro diz que compartilhou, com esses ministros, os pedidos de Bolsonaro para obter relatórios de inteligência da PF.
Diz, também, que o ministro Heleno afirmou nesta reunião que “o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido”.
Os ministros, segundo o depoimento, disseram que conversariam com o presidente sobre o tema, mas não deram retorno a Moro naquele dia.
A demissão
Moro repetiu, no depoimento à Polícia Federal, que não assinou a exoneração de Maurício Valeixo e nem recebeu qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do então diretor da PF.
O “Diário Oficial da União” com o documento foi publicado na madrugada de 24 de abril, assinado por Bolsonaro e Moro. Depois, o governo publicou uma edição corrigida, com assinaturas de Bolsonaro, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos.
Na mesma manhã, Moro afirma que se reuniu com Valeixo. Já ex-diretor da PF, o delegado disse a Moro que “não teria assinado ou feito qualquer pedido de exoneração”.
Segundo o termo de depoimento, Valeixo disse a Moro que recebeu ligação do presidente na noite anterior, informando da exoneração e perguntando se poderia ser “a pedido”.
Em resposta, de acordo com Moro, Valeixo disse que “como a decisão já estava tomada não poderia fazer nada para impedir, mas reiterou que não houve, nem partiu dele, qualquer pedido de exoneração”.
Caso Adélio
No depoimento, Moro também rebateu algumas das afirmações feitas por Jair Bolsonaro na tarde de 24 de abril, após o ministro anunciar que deixaria o cargo.
Naquele momento, Bolsonaro disse que pediu a troca do superintendente da PF no Rio em razão da “questão do porteiro, do caso Adélio” e de citações a Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, em uma investigação.
Em 2 de maio, horas antes do depoimento, Bolsonaro postou vídeo em rede social comparando Moro a Judas. “Os mandantes estão em Brasília? O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse?”, questionou.
Moro diz, no depoimento, que “a Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto”.
E que, nesta reunião, Bolsonaro “não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado”. A apresentação, segundo Moro, foi feita porque Bolsonaro é vítima do caso e ainda por “questão de segurança nacional”.
Moro nega interferência no caso Adélio e diz aos investigadores que “ao contrário, solicitou à Polícia Federal o máximo empenho e ainda chegou a informa à AGU, na pessoa do Ministro André Mendonça, da importância de que a AGU ingressasse na causa para defender o acesso ao celular, não pelo interesse pessoal do Presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional”.