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Journal of Natural Products publica edição especial em homenagem ao trabalho de professora do IQUnesp Araraquara

Vanderlan Bolzani recebeu reconhecimento de revista científica que é referência na área da química de produtos naturais por sua contribuição para o estudo da biodiversidade brasileira e seu papel como formadora de novas gerações de cientistas

A edição de março da revista científica Journal of Natural Products homenageou a pesquisadora Vanderlan da Silva Bolzani, docente do Instituto de Química da Unesp, campus de Araraquara. Editada pela Sociedade Americana de Química (ACS) e pela Sociedade Americana de Farmacognosia, a revista é uma das mais importantes do mundo na área de produtos naturais e, desde 1938, é responsável por publicar estudos relacionados com a química e a bioquímica de substâncias que ocorrem na natureza, com destaque para a descoberta e a descrição de novos compostos.

Desde 2006, a revista homenageia pesquisadores de grande relevância para o campo de produtos naturais. “Por quase 20 anos, nossa revista reconhece cientistas destacados, envolvidos na descoberta de moléculas de produtos naturais encontradas em organismos terrestres e marinhos. Esta é uma forma de homenagear um indivíduo pelo seu sucesso profissional ao longo de toda sua vida”, diz Douglas Kinghorn, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio, Estados Unidos, e editor-chefe da Journal of Natural Products entre 1994 e 2019, período durante o qual Bolzani publicou a maior parte dos seus artigos.

A pesquisadora é membro do Conselho Editorial da Journal of Natural Products há mais de 15 anos e, segundo Kinghorn, ao longo desse tempo a revista foi a escolha da professora para publicar alguns de seus melhores trabalhos. “Dra. Bolzani inspirou muitos cientistas internacionalmente com sua pesquisa. Ela tem uma abordagem rigorosa da ciência e tem sido uma forte defensora do estudo de produtos naturais do Brasil e da América do Sul em geral”, completa Philip J. Proteau, atual editor-chefe da Journal of Natural Products.

Bolzani já havia recebido homenagens e premiações anteriormente, como o Prêmio Capes-Elsevier, o Prêmios Mulheres Notáveis na Ciência e Engenharia Química e o Prêmio Kurt Politzer de Inovação Tecnológica. Ela se diz agradecida pela homenagem da revista científica, e avalia que elas refletem sua busca por uma abordagem rigorosa na pesquisa. “Acredito que alcancei estas realizações porque sou muito rígida com o que faço. Mas essa rigidez talvez desperte o apreço dos alunos e colegas, dentro desse contexto, porque a ciência exige isso de nós”, diz.

Desde que o Journal of Natural Products começou a publicar edições comemorativas, quatro foram dedicadas a mulheres. Em 2018, a revista reconheceu as contribuições de Susan Horwitz; um ano depois, em 2019, a dupla Rachel Mata e Barbara Timmermann foi homenageada; e, em 2023, o reconhecimento foi para Mary Garson. Além de entrar para essa restrita lista, Bolzani é a primeira pesquisadora, entre homens e mulheres, fora do eixo Estados Unidos e Europa a receber a honraria.

A escolha dos nomes que serão abordados nos números especiais ocorre com dois anos de antecedência e envolve o editor-chefe e os editores associados. Além de valorizar as contribuições científicas, a homenagem também destaca indivíduos que exercem uma participação ativa dentro da comunidade, em especial nas sociedades que mantêm a revista. Isso envolve tanto a publicação de artigos na Journal of Natural Products, como também a participação em encontros e congressos organizados pela ACS e pela Sociedade Americana de Farmacognosia.

A natureza como laboratório

A química de produtos naturais é um ramo da química orgânica que tem como foco isolar e descrever substâncias naturais produzidas por plantas, microrganismos e animais marinhos. Essas substâncias, por sua vez, têm diversas aplicações, seja na indústria farmacêutica, na produção de cosméticos, na agroindústria entre outros setores tecnológicos e industriais.

“A natureza é o laboratório químico mais sofisticado que nós temos”, diz Bolzani. A partir do processo de evolução das espécies e dos mecanismos de defesa, regulação e adaptação, uma série de substâncias passam a ser produzidas por animais, plantas e microrganismos com o objetivo de garantir as melhores chances de sobrevivência para cada ser. “Isso é uma das coisas mais fascinantes da nossa área de pesquisa e, logicamente, como nós também fazemos parte do ambiente no qual essas substâncias são desenvolvidas, nós podemos nos beneficiar delas.”

Por conta desse amplo mapeamento de seres, de moléculas e substâncias produzidas, assim como de suas possíveis aplicações, esse campo de estudo também está intimamente relacionado com o conhecimento da biodiversidade. Bolzani é protagonista de projetos que contribuíram significativamente para “desvendar os tesouros escondidos da biodiversidade brasileira”, como é apontado pelo editorial da edição especial.

Um dos marcos na pesquisa sobre biodiversidade é a criação do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE), em 1998, juntamente com as pesquisadora Marcia Nesser e a atual vice-reitora da Unesp, Maysa Furlan. A pesquisa desenvolvida no núcleo levou à descoberta de mais de mil compostos naturais obtidos a partir de plantas e microrganismos.

O sucesso das pesquisas desenvolvidas pelo grupo teve como resultado uma quantidade crescente de informações, o que deu origem à base NuBBEDB, a primeira base de dados brasileira de produtos naturais. “Além de reunir informações sobre produtos naturais da biodiversidade brasileira, esse banco de dados de acesso aberto tem sido utilizado para desenvolver ferramentas que facilitarão a pesquisa de descoberta de medicamentos”, afirmam os autores do editorial. Em 2020, além de agrupar dados de mais de 50 mil compostos naturais, a biblioteca também foi considerada a segunda maior base de dados sobre produtos naturais do mundo, atrás apenas da China.

Atualmente, o foco da pesquisadora está voltado para o estudo de peptídeos, biomoléculas produzidas pela ligação entre dois ou mais aminoácidos, e que têm diversas funções, entre elas, podem atuar como antidiuréticos, neurotransmissores e antibióticos. Em especial, Bolzani está analisando os peptídeos produzidos pela Croton campanulatus, planta nativa e endêmica do Brasil, encontrada no bioma Mata Atlântica e que foi foco de sua pesquisa durante o mestrado.

Mentora de uma nova geração de cientistas

A pessoa destacada em cada edição especial indica nomes de colegas, estudantes e ex-estudantes para compor o corpo editorial que dará forma ao número comemorativo, assim como aponta pesquisadores que poderão ser convidados para publicar artigos na edição. Isso é uma oportunidade para colocar em evidência outros cientistas que colaboraram e fizeram parte da trajetória da pessoa homenageada, e também “fornece uma plataforma para que os autores homenageiem seu mentor e colega de trabalho”, diz Proteau.   “Quando me pediram para indicar pessoas do Brasil, de preferência que tivessem sido meus ex-alunos ou colegas, para que fossem selecionados para atuarem como editores associados, fiquei muito feliz, porque também resulta em um destaque para meus alunos e ex-alunos”, diz a docente.

Ilustração representando os estudantes anteriories, atuais e pesquisadores de pós-doutorado orientados por Bolzani ao longo dos anos. Crédito: J. Nat. Prod. 2024.

Ao longo de mais de quarenta anos, Bolzani fez parte do treinamento de mais de 400 novos pesquisadores, entre graduandos e pós-graduandos, que, posteriormente, criaram seus próprios grupos de pesquisa e se tornaram mentores de novas mentes. No editorial da edição especial, os autores, todos ex-alunos de Bolzani que hoje atuam como pesquisadores em diferentes locais do globo, destacam que “sua visão e habilidades de comunicação eficazes fizeram dela uma pioneira no campo da química de produtos naturais e uma fonte de inspiração para as gerações mais jovens”.

Para Bolzani a formação de novos pesquisadores é parte essencial do trabalho do cientista, porém não vem livre de certos sacrifícios. “Chamo de ‘meus filhos científicos’. Essas são relações muito intensas porque em determinadas épocas passo mais tempo com meus alunos e na universidade do que na minha própria casa”, diz. Ela acredita que as exigências da prática científica e dos compromissos profissionais demandam que cada pessoa se conduza da melhor forma possível, “e isso envolve um pouco de abnegação em uma série de coisas”, diz. Essa visão mais ampla da própria profissão se reflete em seu interesse pela divulgação do seu trabalho e pela escrita não acadêmica. “Acredito que escrever para um público de fora da universidade colabora para que a sociedade veja o conhecimento como um instrumento valioso de melhoria social”, diz.

Foto: Adilene Andrade dos Santos

Redação

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