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Onde irá, onde irá teu pensamento!?

*Lígia Egídia Moscardini Assim que cheguei à Araraquara, uns veteranos do câmpus já me asseveravam: “aqui é fácil de andar, as ruas são tudo numeradas”. Por um tempo, olhava os numerozinhos para não perder de vista a república, mas fato é que nunca consegui passar indiferente à Rua 6. Nem mesmo diante da imponente Rua 5. Porque era uma das únicas que trazia um nome que me entusiasmava, diferente de nomes religiosos ou que homenageava militares. O que se perde à sombra do número daquela rua não é ninguém menos que Carlos Gomes. Também é Antônio Brasileiro, e dos melhores: Compositor da operíssima O Guarani, primeiro sucesso brasileiro no exterior, ele resgata nossa memória ameríndia inspirada em José de Alencar, com uma orquestra abre alas para um Brasil que ainda virá a ser. Essa todo mundo conhece, nem que for pela vinheta de “A hora do Brasil”. Tem um arranjo lindérrimo para viola caipira e para um bandoneón de um certo brasileiro da Silva. Mas, sempre que passo por aquela rua, me vem à tona, sem mais nem menos, uma modinha plangente, com letra de Bittencourt Sampaio: “Tão longe…de mim distante…onde irá, onde irá teu pensamento? […] min’alma toda devora…da saudade…”. Quisera saber agora se todo araraquarense é mesmo indiferente aos nomes das ruas e o quanto de História passa por elas. Acham que isso é de pouca importância? Pois foi a tal Rua 6 que me fez voltar essa modinha às novas arcadas de violino. Primeiro importei da internets uma surdina, porque nem a casa de instrumentos mais tradicional em que eu fui sabia o que é que eu procurava. Depois, ajeitei um novo breu para o arco, e que os vizinhos me perdoassem. Quase uma desobediência civil para um instrumento que pressupõe partitura no nariz, me saiu a cancioneta de ouvido. Que foi aprimorando com alguma paciência e doçura. O leitor deve aproveitar passagens assim, pois nem sempre rola paciência minha para o violino ou para escrever crônica. Essa daqui tinha que sair num surto, mesmo. Deve ser a primeira e última. Ou quem sabe se é constante? Depois do lavatório de alma executado pelas quatro cordas e um cravelha difícil de afinar, ainda busquei Carlos Gomes. Refletindo sobre a melhor forma de conduzir o Romantismo do século XIX para os alunos, talvez eu possa incluir o compositor. É um dos nossos grandes a unir o erudito ao popular. Não à toa, se engraçou com a Chiquinha Gonzaga. Mas, além de tudo, foi um estudante como qualquer outro: De Campinas, cidade próxima. De origem pobre, perdeu a mãe na infância, tinha mais vinte e seis irmãos e não tinha condições financeiras para continuar os estudos, mas continuou, conciliando com um trabalho qualquer numa alfaiataria. E é aí que poucos aferiam a genialidade do músico e da música brasileira. E é aí que muitos talentos passam despercebidos na escola: se perdem, tal como qualquer passante pelas ruas, à sombra de um número…
Redação

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