domingo, 24, novembro, 2024

207 anos de lutas, efervescência cultural e maturidade

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*Fernando Passos

Nossa Araraquara, cidade onde nasci há 61 anos, completa seus 207 anos de fundação. Há muitos registros históricos da quase totalidade de sua existência. Ressalto que nas últimas décadas, realmente O Imparcial tem sido nosso porto seguro em termos de resgate de nossa identidade. Escreverei hoje sobre algo que se avoluma e procura retomar nossa enorme tradição cultural. Mencionarei a Academia Araraquarense de Letras e suas atividades atuais. Especialmente o evento ocorrido em 10 de agosto, onde a Academia se engrandeceu ao receber três novos Acadêmicos, sendo 02 confreiras e 01 confrade.

Teatro Municipal abarrotado de pessoas, capacidade máxima para participar do importante evento recheado de muitas manifestações culturais. Nossos diligentes secretario e tesoureiro, confrades Tiago Romano e João Luiz Ultramari me informaram que a partir dessa posse seremos 27 mulheres e 13 homens. A decisão certeira da Academia em acolher a esmagadora maioria de mulheres em seus quadros efetivos bem demonstra a pluralidade acentuando duro recado a Instituições nacionais que ainda hoje de forma inacreditável postergam o reconhecimento vital da mulher na sociedade contemporânea. Por igual a questão racial. A Academia vem reconhecendo o inestimável trabalho e a força da negritude em seus quadros tendo admitido recentemente mulheres negras, sempre elas, a trazer a indispensável cultura que carregam de luta e determinação representando mais de 50% da população brasileira.

Na ocasião, acentuei que na extensa correspondência entre os gênios Machado de Assis e Joaquim Nabuco há quase 150 anos, os mestres pontuavam o que deveria ser a Academia de Letras Brasileira. Nos moldes da pioneira Francesa, “não ser uma agremiação restritamente literária, antes uma fundação composta de personalidades ilustres de todas as classes intelectuais do país. Isto gerara maior influência, diziam”.  Tinham razão. Aliás, os tempos em que a Academia esteve amortecida foi exatamente quando não seguiu essa tradição. Hoje o próprio conceito literário em muito se ampliou e o acolhimento de personalidades em todos os ramos da intelectualidade é que pode realmente fazer com que a Academia represente o espirito cultural de um povo e a partir disso estimule a criação em todas as formas possíveis.

É o que estamos fazendo. Aliás Araraquara revive na atualidade seu relevante papel cultural que há tempos expande para todo o país. Heitor Villa Lobos, os maiores atores e atrizes do país, óperas, Sartre, filosofia e cinema encontravam aqui um porto seguro. Assim auxiliaram na formação de nossa identidade. Para termos uma ideia mais exata ainda, no auge da Livraria Acadêmica de meu saudoso pai Neil, o Estadão publicou que a Acadêmica era a Livraria do interior de São Paulo que mais encomendava livros mensalmente. Consolidava nossa tradição cultural. Tescari, Wallace Leal, Tellaroli, pintores, escritores, filósofos consolidaram esse processo. Mas certamente, a eleição de Ignácio de Loyola Brandão para a Academia Brasileira de Letras fez desencadear inúmeras iniciativas e reviver os áureos tempos que já foi nosso. 

Nesse processo se encaixa, ou tenta se encaixar a Academia. Em indissociável parceria com a Prefeitura Municipal fizemos o revolucionário “Caminhos Ignácio de Loyola Brandão” que está aí e já se reveste em ponto turístico e fonte de estudos para o país. Assinamos neste dia festivo, o convênio para a Academia atestar com a força de sua vocação os termos ante racistas que deverão ser extintos de nosso uso. Faremos, sempre em parceria com a Prefeitura, NEAB da Uniara, Centro Afro uma cartilha a nos ensinar o que temos obrigação de evitar. Mas será uma cartilha viva. Visitaremos comunidades, escolas, praças, entidades, bairros e todos os lugares que nos abram as portas. Mas com nossa delicadeza arrobaremos as portas que se fecharem. Não poderemos mais tolerar o racismo em nenhuma de suas formas. Também as bibliotecas itinerantes em pontos de ônibus e praças. Solicitaremos a doação de livros usados e novos que servirão para esse fim. Deixem que os livros que permeiam prateleiras circularem para milhares de pessoas. A Biblioteca Municipal também deverá ter em sua entrada, estante apropriada e em destaque exclusivamente para livros de escritores locais. E não renunciaremos nossa obrigação de aqui celebrarmos em 2026 o centenário de Macunaíma de forma magistral. É preciso incentivar a literatura regional. Isso não tem faltado. Acadêmicos passaram a produzir muito mais nos tempos recentes. Mas há parcerias incríveis que muito tem florescido. O MEA tem feito excepcional trabalho também para as letras, a FLISOL, nosso sonho tão sonhado propicia quase uma revolução, silenciosa vai adentrando a todos os cantos e se firmando como a grande iniciativa cultural de nossos tempos.

Os empossados foram. Ida Maris Sávio Scarafiz. Com o pseudônimo Amanda Kraft, sua obra encanta, suas músicas (sob o pseudônimo LaMaris) são balsamos para nossos ouvidos e nossas almas. Romancista incansável cuja fluidez em suas tramas surpreende. Destaco o “Filhos da Esperança”, romance finalista do Prêmio Maria Carolina de Jesus para mulheres em 2023. Ocupará a cadeira 04, tendo como patrono Eurípedes Malavolta.

Alessandra Laurindo. Com os pseudônimos da pureza e da luta nos ensina cotidianamente. Incrível como não se cansa. Muitas vezes se desanima com o descaso constante e permanente para a justa causa em que empreende sua vida. Mas tal desânimo dura segundos. Quando mais ele se aprofunda, mas ela encontra forças e volta ainda mais forte. Sua luta é a força literária que a Academia necessita e decidiu acolher. Ocupará a cadeira 26, tendo como patronesse Carolina Maria de Jesus.

Dimas Eduardo Ramalho. Com os pseudônimos da justiça, amor ao próximo e probidade, ensina por onde passa. Sua obra constitui fonte de inspiração poética. Da infância já literata em sua Taquaritinga, com passagem marcante pelo Largo de São Francisco, a promotoria, a docência na Uniara, as atuações enigmáticas tanto na Assembleia Legislativa paulista como na Câmara dos Deputados, a dimensão que apresenta no Tribunal de Contas do Estado, a dedicação determinada Santa Casa. Enfim, impossível listar somente as ações principais deste grande brasileiro neste espaço. Ocupará a cadeira 24, tendo como patrono Jose Roberto Tellaroli.

Ainda na ocasião anunciamos a instituição da láurea anual de destaque. A primeira foi outorgada a um “jovem vendedor de camomila” que as colhia no quintal de sua residência e na carroça do avô dirigia-se a feira para vende-las. Tudo a auxiliar os pais com o dinheirinho obtido. Certa vez, noite anterior a feira admira-se com a bicicleta do tio, irmão de sua mãe. Não conseguiu pedalar pois tinha apenas nove anos e não alcançava o pedal. Madrugada vai com o avo para a feira. Mas as 6 da manhã a luz publica se apaga. Um acidente na região. Um eletricista foi morto em seu trabalho. Curiosamente chega com o avô ao local e depara-se com o tio, o da bicicleta, morto. Ele próprio escreveu anos depois: “recebi, nessa manhã de domingo, uma dose reforçada da vacina contra eventual arrogância ou soberba: somos apenas pó; um dia chegamos e, de repente, de improviso, vamos embora”. Pois bem, o vendedor de camomila continua a distribuir sonhos tendo a monumental obra de ser o melhor em sua área de atuação profissional em todo o país e com pompa anunciamos que o Acadêmico do ano de 2024 foi o confrade João Baptista Galhardo, láurea entregue por nossa vice presidente da Academia, confreira Sonia Guzzi.

Houve ainda declamação de textos e poemas de diversos acadêmicos e acadêmicas, lançamento da música MiMiMi baseada em letra de minha autoria, apresentação do Coral Afro Soul Jazz de São Carlos finalizando com a Orquestra Usp/Filarmônica. Assim a Academia Araraquarense de Letras vai se firmando no espaço cultural da cidade contribuindo para a solidificação de nossa identidade. Agradeço ao Prefeito Edinho Silva a forte parceria com o Município a viabilizar nossas atividades.

*Fernando Passos, presidente da Academia Araraquarense de Letras

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