sexta-feira, 22, novembro, 2024

América do Sul: Guerra e Paz em tela realista

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Por Cassio Faeddo

 

O realismo nas relações internacionais surgiu como uma reação ao liberalismo internacionalista e tem como fundamento científico autores clássicos como Tucídides, Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes. O realismo tem uma visão da política internacional como um estado de guerra constante, impossível de ser perpetuamente pacificado.

Realistas e idealistas têm visões de mundo diferentes, mas se propõem a contribuir para que determinadas organizações das relações internacionais possam adiar a guerra com prolongamento mais amplo possível da paz.

Os liberais vislumbram a paz prolongada por meio das instituições, do direito e da renúncia à guerra; os realistas, com cerne nas noções de interesse nacional e de “anarquia” internacional, buscam encontrar fórmulas de equilíbrio de poder entre os Estados que desestimulem a guerra.

De um lado ou de outro, a conquista da paz e a segurança dos Estados são as questões centrais a mobilizar, por ângulos distintos, realistas e liberais.

Para essas escolas teóricas, a guerra deve ser retardada ao máximo para a saúde dos Estados e a preservação do sistema dos Estados.

Uma das crítica dos realistas recai sobre a crença exagerada dos liberais no direito internacional e na Liga das Nações, isso logo após a 1º Guerra Mundial.

Essa crença, portanto, teria levado o estudioso da política internacional para longe da realidade, que é conformada pela interminável correlação de forças e interesses dos Estados nacionais.

Os Estados têm urgência em sobreviver em um mundo no qual não existe um poder político-militar regulador que seja superior aos Estados e efetivo na aplicação de qualquer norma.

Para os realistas, os objetivos, meios e uso do poder são pontos centrais nas relações internacionais. Assim, os estados preocupam-se e são obrigados a perseguir os objetivos da segurança e da sobrevivência.

De qualquer forma, para os realistas o cerne é o Estado, e se há um ator reconhecido no campo das relações internacionais, este é o Estado.

De uma forma geral, a análise realista fundamenta-se nas premissas de que seres humanos são egoístas e que as relações internacionais são conflituosas e sempre podem levar a guerra.

Há também considerável ceticismo quanto à possibilidade de progresso na política internacional.

Portanto, a guerra é uma constante e a paz uma exceção. Se não há guerra em grande escala certamente decorre do risco calculado da não extinção dos Estados por armas de destruição massivas. Ou seja, mais uma vez a segurança dos Estados e sobrevivência destes, decorre somente pelo fato de os Estados poderosos estarem fortemente armados.

A grande guerra apenas não ocorre por estes motivos, e não por uma preocupação com a questão humana, ou mesmo por uma evolução filosófica ou existencial.

Como para o realista a luta central é a luta pelo poder, a decorrência deste proposito será subjugar o Estado mais fraco aos seus interesses. Se não espontaneamente, será pela guerra. Sendo a política mundial uma anarquia, há a necessidade constante de Estados armados e soberanos.

As décadas de 30 e 40 demonstram essa assertiva (de que há uma luta pelo poder). Essa busca pelo poder conduziu o mundo a duas guerras mundiais.

Naquele momento histórico tínhamos nações que viviam em escassez como Japão e Alemanha contra nações abundantes como EUA, Inglaterra e França.

O fato é que a Liga das Nações, após a 1ª Guerra Mundial, não conseguiu frear uma Alemanha que buscava retomar o equilíbrio de poder perdido. Nada mais natural do que quem não tem nada a perder arrisque tudo e passe a pleitear tudo.

Para o realista um poder contraposto após a 1ª Guerra Mundial poderia evitar o início do nazismo e do fascismo. Essas duas últimas correntes encontram na pobreza e escassez dos povos o combustível ideal para a guerra. O discurso foi a fagulha.

Para o realista, a paz (que não é a regra) só pode existir quanto há algum equilíbrio entre os poderes dos Estados. Se algum Estado não tem essa possibilidade partirá para a guerra para alcançar este intento. Também se um Estado tornar-se muito mais forte do que outro há possibilidade de guerra constante.

Temos então que pouco importa para o Estado os acordos, pactos e convenções diante dos interesses de soberania e sobrevivência estatal. Por isso pouco valeu a Liga das Nações.

Por exemplo, para um realista clássico só não há uma guerra na América do Sul, porque até o momento os riscos postos em mesa pelas potências mundiais são maiores do que os resultados hipotéticos que seriam alcançados.

Certamente saberíamos como a guerra começaria, mas não como terminaria. Por isso temos uma paz aparente, ainda que o momento seja tumultuado.

A guerra travada hoje é cirúrgica, de difícil identificação dos envolvidos, mas existe guerra. Porém, se alguma guerra ocorresse nos moldes do início do Século XX, certamente levaria ao colapso das nações.

Por isso o Estado Nacional é organizado para proporcionar uma paz interna, pois a paz internacional seria uma mera ilusão. E isto vale para o Brasil e vizinhos.

Água, petróleo, gás, vastos campos, enfim, a América do Sul é um oásis de recursos naturais, tudo isso importa muito para a potencias mundiais. Mas não temos uma guerra, apesar de desaforos e irracionalidades locais.

Mas como responder sobre o que ocorre na América do Sul que varre os países em forma de manifestações violentas e deposições de autoridades? Uma torrente de insatisfação que atinge tanto ideologias com base em igualdade em troca de um poder totalitário como a de Evo Morales na Bolívia, mas atinge também a menina dos olhos dos ultraliberais no Chile?

As promessas não cumpridas de conforto e ascensão à classe média pelas classes pobres, e a queda do poder econômico da própria classe média como pano de fundo, parecem possíveis respostas, ou pelo menos concausas.

A população joga às favas a democracia, e o embate não nos remete a uma luta de classes entre capitalismo e socialismo, mas que ambos na América do Sul não cumpriram as promessas de bem-estar esperado.

O que pode esperar um trabalhador que vê seu emprego migrar para a Ásia e agora se vê na condição de um empreendedor, sem, contudo, uma melhor capacitação educacional e técnica. O trabalhador dono de parte dos meios de produção mas subordinado a um sistema logístico de um Big Brother na forma de uma aplicativo.

Hobbes, que preconiza o homem lobo do homem na ausência de um Leviatã na forma de um Estado forte e provedor, viu no Chile e na Bolívia, principalmente, a reprodução de seu modelo teórico.

E agora: o que esperar da democracia, ou o que imaginamos que ela seja, quando há um olhar míope sobre a importância dos fundamentos do Estado Liberal preconizado pelas constituições liberais democráticas? O capital demonstrou-se adaptar-se muito bem, inclusive, a regimes de partido único. Talvez, hoje, os comunistas selam os melhores administradores do capitalismo, como refere-se Slavoj Zizek. Ou seja, pode ser que a democracia pouco importe se o capital for satisfeito. Mesmo os consagrados direitos civis. É o que queremos?

É certo, estamos em meio a uma crise das democracias, minadas por tentações autoritárias passadas e presentes, e somente um olhar atento a cada dia vivido poderá nos dar maior clareza do por vir.

Neste quadro, resta a esperança de que não vejamos um conflito armado em um futuro incerto e polarizado.

*Sobre Cassio Faeddo: Advogado. Mestre em Direitos Fundamentais. MBA em Relações Internacionais. Autor da obra “Erradicação do Trabalho Infantil”, Editora Lesto, São Paulo.

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