quinta-feira, 21, novembro, 2024

Candidaturas Independentes

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Apesar do fervor que envolve o Congresso Nacional empenhado em reformas como a da previdência e a tributária, aliás, necessárias para o país, faltando apenas dezesseis meses para o pleito eleitoral de 2020 quando ocorrerão eleições municipais para eleger vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, vários projetos estão em tramitação visando a alteração de diversas regras para a disputa eleitoral.

Oportuno lembrar que para que uma regra possa ser aplicada nas eleições de 2020 é preciso que ela seja votada e sancionada até um ano antes do pleito – primeiro turno no dia 4 de outubro e segundo turno no dia 25 de outubro -, ou seja, até o próximo mês de outubro.

Atento a isso o Tribunal Superior Eleitoral já iniciou um estudo sobre as normas que regerão as futuras eleições com o objetivo precípuo de embasar a elaboração da regulamentação das resoluções que balizarão candidatos e partidos políticos para não incorrerem em eventuais sanções de ordem eleitoral.

Ocorre que tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação que trata do registro de candidatura independente, ou seja, desvinculada de qualquer partido político – processo RE nº 1655-68.2016.6.19.0176 – ARE 1054490 -, a qual foi atribuída repercussão geral em outubro de 2017 e pende de julgamento. Aliás, nos termos do § 9º do artigo 1035 do Código de Processo Civil, as ações com repercussão geral devem ser julgadas no prazo de um ano.

Diante desse quadro ressurge a oportunidade para que a sociedade civil possa postular candidaturas autônomas, ou seja, independentes de partidos políticos, tal qual acontece em democracias absolutamente consolidadas como, por exemplo, nos EUA, Inglaterra e na França.

Contextualizando a matéria no direito brasileiro, depreende-se do preâmbulo e do art. 1º da Constituição Federal, que discorre sobre a busca do bem comum a partir da promoção e tutela dos direitos derivados da dignidade humana, que o Estado brasileiro é um exemplo de Estado constitucional adepto do princípio democrático. Mais que isso, a Constituição Federal expressamente prevê que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (CF, parágrafo único do artigo 1º), e que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (CF, art. 14).

Acresça-se a isso o fato de que, desde os anos 90, o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – cujo § 2º do art. 23 prevê que a filiação partidária, como fator determinante para elegibilidade, impede o livre exercício dos direitos políticos dos cidadãos, pois que todos têm o direito de “ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas do país”.

Ao firmar o Pacto de São José o Brasil expressamente reconhece que o povo, fonte de todo poder, tem direito ao sufrágio, o que implica em poder votar em quaisquer candidatos que se apresentem mediados ou não por partidos políticos.

A rigor, há tempo hábil para que o Supremo Tribunal Federal aprecie a questão e para que, em sendo julgada procedente a ação, sejam feitos os ajustes necessários na legislação para as próximas eleições.

É de se aduzir que a exigência de que um cidadão se filie a um partido político fere os princípios da cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político, estes fundamentos da República conforme prevê o art. 1º da Constituição Federal, e agride a liberdade de associação, consagrada no inciso XX do artigo 5º, que estabelece que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Salienta-se que a inobservância desse postulado, norma supra constitucional que não macula a Constituição Federal porquanto essa matéria, nos termos do §4º do art. 60, não é tida como cláusula pétrea, sujeita o país a responder perante a Corte Intearmericana de Direitos Humanos (OEA) a qual já fixou precedente no sentido de que a obrigatoriedade de filiação partidária para poder concorrer a cargos eletivos viola o Pacto de São José e cerceia os direitos humanos. Mais ainda, cabe dizer que o art. 27 da Convenção de Viena dispõe que “nenhum Estado que faz parte de algum tratado pode deixar de cumpri-lo invocando seu Direito interno”.

É de se dizer que a obrigação da filiação partidária, como condição para uma candidatura a um cargo eletivo, é um severo desacato aos direitos fundamentais dos cidadãos, além do que, atualmente, modo geral, serve para afastar o homem de bem da política, maculando o Estado de Direito considerado democrático que, quando alicerçado sobre as bases dos direitos fundamentais, equilibra Direito e Poder.

A imediata reparação desse equívoco e a consequente vigência desse princípio normativo nas eleições de 2020 dependem tão somente de que o Supremo Tribunal Federal aprecie a ação que trata do registro de candidatura independente, ou seja, desvinculada de qualquer partido político, e declare a prevalência do tratado face à própria Constituição brasileira, no que diz respeito à obrigação de filiação de um cidadão a um partido como condição para uma candidatura política.

Ademais, de um lado, a possibilidade de candidaturas civis sem vinculação partidária impõe a necessidade do repensar do atual sistema dos partidos políticos que, inclusive, viabiliza a criação dos chamados “partidos de aluguel”, os quais, fatalmente, perderiam filiados e, como consequência, suas regalias, e, de outra parte, as candidaturas civis apartidárias não pressupõem a existência de partidos políticos fracos. Pelo contrário, tal hipótese certamente encorajará a política partidária a consagrar regras que efetivamente fortaleçam os partidos e tragam eficientes travas as posições não republicanas. Portanto, nada justifica a existência de qualquer restrição ao direito do eleitor de votar e ser votado.

Assim, quer parecer evidente a incongruência de que a hegemonia e o monopólio da atividade política continuem reservados aos partidos políticos que são entidades de natureza privada, bem como que a obrigação da filiação partidária, como condição para uma candidatura a um cargo eletivo, é um severo desacato aos direitos fundamentais dos cidadãos.

A imediata aplicação do Pacto de São José da Costa Rica, com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ação que trata do registro de candidatura independente, certamente viabilizará alternativas políticas dissociadas das que de longa data se estabeleceram como verdadeiros feudos e possibilitará a apresentação de candidaturas independentes que privilegiem a virtude política que, no dizer de Montesquieu (O Espírito das Leis ), “é a virtude moral, no sentido de que ela se orienta para o bem geral”, além de realçar o princípio fundamental estatuído na Constituição Federal que prevê que “todo o poder emana do povo” e, como diz o jurista Modesto Carvalhosa, não dos partidos políticos.

É momento de reflexão e de relembrar o provérbio bíblico que diz que “quando os justos governam, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme.” (Provérbios 29:2).
Paulo Eduardo de Barros Fonseca, advogado, presidente da APAESP – Associação dos Procuradores Aut. do Estado de São Paulo e vice-presidente do Conselho Curador da Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho, mantenedora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Redação

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