Por Luís Carlos Bedran
As cidades são como as pessoas: elas possuem caras, personalidades, almas. O mundo moderno tornou-se pequeno depois que a comunicação entre os seres humanos se tornou instantânea. O tempo reduziu-se. No entanto, o contraste é sentido. O espaço não se modificou, ainda continua o mesmo tal como há milhares e milhares de anos.
Essa instantaneidade aparente, espaço-tempo, leva-nos à falsa impressão de que, embora haja intenso intercâmbio cultural no mundo todo, na verdade as diferenças entre as cidades, e, por consequência entre seus habitantes, estão muito mais profundamente enraizadas do que se pensa.
Para se comprovar isto basta apenas, por um determinado período, isolá-las umas das outras no tempo, e aí, à falta de alternativas, elas refluem tal como eram no passado, idênticas, muitas vezes, assim como as pessoas, infladas de preconceitos, que o verniz da civilização tentou esconder, mas que não sepultou definitivamente.
Entretanto, com a estandartização mundial de tudo e de todos, as cidades estão perdendo suas características essenciais que fazem com que elas se diferenciam das demais, e isso não é bom. Elas estão tornando-se cidades sem almas. É preciso exaltar a diferença, porque se perdermos a identidade, perderemos tudo.
As cidades possuem suas antigas ruas, com nomes de vultos do passado ou de moradores falecidos que acrescentaram algo aos seus conterrâneos e justamente por isso foram homenageados. Algumas possuem monumentos, casas tombadas pelas pessoas interessadas na preservação da história; outras ainda conservam seus antigos mercados ou as construções, algumas em ruínas, de suas abandonadas estações ferroviárias; outras, suas praças, seus coretos e suas centenárias árvores.
A padronização de uma cidade tão somente para, como dizem, “acompanhar o progresso”, podem levá-las à extinção de sua história, de sua própria alma. Crimes ambientais cometem-se à beça, a pretexto da modernização de tudo. Um grande erro, muitas vezes de difícil, senão de impossível reparação.
Logo perderemos também nossa língua, nossas tradições, nossos costumes. Hoje, visitar uma cidade, com algumas exceções, é como se já a conhecêssemos há tempos. Nada a diferencia das demais: um verdadeiro deserto. Não há nada de típico, do local, de produto da terra.
Nas maiores os shoppings são todos iguais — quem conheceu um shopping apenas, conheceu-os todos, sem que seja preciso fazer esforço algum. Lojas da mesma rede, franquias, encontradas em todo o lugar. Nas menores, então, que poder-se-iam nelas encontrar a diferença, é aquela monotonia, parecendo até que seus moradores têm vergonha de nelas habitarem, quando deveria ser o contrário, muito orgulho mesmo.
Algumas pequenas cidades faziam questão de ser apelidadas como hospitaleiras. É que no passado seus moradores acolhiam os visitantes, mas de tal forma, tão carinhosamente, que eles mesmos acabavam por se sentir tão integrados nelas quanto os autóctones, ou até mesmo mais. Fixavam residência, encontravam trabalho, constituíam família. E nunca mais as deixavam.
É que a hospitalidade, nos vários povos, desde remotas eras, sempre foi considerada sagrada. O viajante, o peregrino, em suas andanças, seja de negócios ou para cumprir preceitos religiosos, percorria léguas e léguas, passava privações, mas depois eram recebidos e abrigados numa tenda ou numa cabana simples, habitadas por pessoas a eles desconhecidas.
E a reciprocidade também era tida como sagrada. Essa tradição, mais do que milenar, depois foi ampliada a países e cidades, cujos migrantes e imigrantes eram recebidos de braços abertos. Em nosso país, os cientistas e desbravadores dos sertões nos séculos passados enfatizaram muito a acolhida amiga que sempre tiveram, mesmo nas casas humildesde caboclos que os hospedavam, dividindo até entre eles, irmanamente, as poucas provisões que tinham.
A alta autoestima dos moradores deveria sempre comunicar-se às suas cidades, porque elas aí também teriam maior orgulho de si mesmas, maior amor-próprio. Georges Rodenbach(1855-1898), em “Bruges, a Morta”, disse que “As cidades, sobretudo, têm assim a sua personalidade, um espírito autônomo, um caráter quase exteriorizado que corresponde à alegria, ao amor novo, à renúncia, à viuvez. Toda cidade é um estado de alma e basta demorar-se nelas um pouco para que esse estado de alma se comunique, se nos propague num fluido que se inocula e se incorpora com a nuança do ar”.
Raymond Willians (1921-1988) em “O campo e a cidade” (2011) faz uma comparação e contraste entre o campo e a cidade. O campo associa-se à paz, inocência e virtudes simples; mas também, um lugar de atraso, ignorância e limitação. A cidade, o centro de realizações, de saber, comunicações e luz; mas também um lugar de barulho, mundanidade e ambição.
Cidades são como gente: possuem cara, personalidade, caráter, amor-próprio, orgulho e vaidade. Quantas mesmo já não morreram?
Têm aquilo que não se vê, mas se sente. Espírito, alma. Pobres daquelas que não as possuem.