Um episódio recente ocorrido na Câmara dos Deputados – a aprovação, em menos de um minuto e num plenário vazio, de um projeto de lei que irá trazer riscos à segurança da assistência à saúde no Brasil – se tornou o capítulo mais recente da polêmica em torno do Decreto Presidencial nº 9.057, de maio deste ano.
O Decreto, que regulamenta a oferta da educação a distância (EaD) no país, torna legal a oferta de cursos de graduação totalmente a distância em todas as áreas do conhecimento. Na área da saúde esses cursos já existem. Nos próximos anos, milhares de pessoas estarão legalmente habilitadas a exercer a Enfermagem, a Fisioterapia ou qualquer outra profissão da área da saúde, com formação prioritariamente à distância.
“O aprendizado em saúde vai muito além da teoria. A formação do profissional de saúde exige o treinamento prático em técnicas. Não posso ser fisioterapeuta apenas estudando em livros de anatomia. Fisioterapia é toque, é reconhecer com as mãos as estruturas do corpo humano e suas disfunções”. O alerta é do presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito-3), Dr. José Renato de Oliveira Leite. Segundo o siteemec.mec.gov.br, já existem 45 mil vagas autorizadas para cursos de Fisioterapia totalmente na modalidade EaD.
Endereço de polo presencial EaD era açougue
Para os órgãos federais representativos das 14 profissões da saúde, o aprendizado sem a interação permanente com ambientes de laboratórios de práticas; sem a orientação docente direta e, principalmente, sem a possibilidade de interação com serviços de saúde ou clínicas-escola, irá colocar no mercado de trabalho profissionais sem qualquer preparo para o atendimento aos pacientes.
Outro ponto que preocupa as profissões de saúde é a evidente incapacidade de fiscalização das instâncias de regulação do Ministério da Educação. Existem relatos de polos presenciais de apoio ao EaD – onde deveriam existir laboratórios e bibliotecas – registrados em endereços onde funcionam açougue e padaria.
Outro aspecto que compromete a formação a distância de profissionais de saúde é a ausência de interação com a equipe multiprofissionais. “O profissional de saúde no Brasil deve, antes de tudo, estar preparado para integrar e interagir, como membro de uma equipe. Sem oportunidades de convivência e interação com outros profissionais, fica comprometida a atenção integral ao paciente”, adverte o presidente do Crefito-3.
A preocupação dos representantes das categorias de saúde é que a população que receberá os cuidados desses profissionais formados precariamente pelo modelo EaD está alheia aos riscos que correrá no futuro. “Os Conselhos de Fiscalização, responsáveis pelo registro profissional, não podem diferenciar o registro de um profissional formado na modalidade presencial de outro, formado pelo EaD”, esclarece Dr. José Renato. “Estão querendo fazer da saúde no Brasil um verdadeiro jogo de roleta russa”.