sexta-feira, 20, setembro, 2024

Homenagens Imortais

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Aqui vai minha homenagem ao escritor araraquarense Ignácio de Loyola Brandão (83 anos), que no dia 15 de março de 2019 sagrou-se imortal na Academia Brasileira de Letras, concorrendo com mais 11 candidatos e eleito por unanimidade no primeiro escrutínio. Ignácio já havia ganhado o Prêmio Machado de Assis em 2016 concedido pela própria ABL, pelo conjunto de sua obra.

Pensando na sua glória relembro os primeiros anos da década de 50 do século passado quando estudávamos no Colégio Estadual de Araraquara, na rua São Bento, hoje “Casa da Cultura”. Se não estou enganado, eu fazia o 2º ano “científico” e o Ignácio fazia o 1º ano do “clássico”. Menino humilde, filho de ferroviário, criado no bairro do Carmo, aluno, como eu, dos professores Jurandir Ferreira, professor de português e que ficou um ano inteiro falando sobre Camões, lendo um livro de um autor português chamado Fidelino de Figueiredo. Um saco! E mais o Machadinho, professor de Química que ficava a aula inteirinha lendo a Gazeta Esportiva.

Lia 10 minutos do jornal e ditava um minuto de química do livro do Waldemar Saffioti e Geraldo Camargo de Carvalho; a professora dona Cidinha, de História, que antes de entrar na sala de aula, parava na porta da mesma, sobraçando a caderneta da chamada e mais um livro de História, e perguntava: “posso entrar”? Enquanto não percebia silêncio absoluto, recusava-se a adentrar a sala. Esta professora ditava suas aulas de maneira ininterrupta durante 50 minutos. Acabava a aula e estávamos com os dedos adormecidos com o citado ditame. Durante o ano letivo ditou o livro por inteiro.

E o pior, exigia toda a matéria para as provas. Era “integralista” e defendias suas concepções políticas de forma categórica. Suas poucas falas eram mais suásticas que didáticas. Os alunos perdoavam suas mazelas didáticas pelas lindas pernas que possuía, e que eram exibidas sob a mesa onde se sentava. Infelizmente seu rosto não acompanhava seus alicerces exuberantes. Poucos professores preparavam suas aulas com antecedência.  Preferiam ditá-las, a pretexto de receberem pouco. Não usavam os quadros negros para demonstrações, como o professor Ulisses, de matemática, que praticava uma didática simples e fácil, abaixando sua dificuldade ao nível dos alunos.

Dava suas aulas de avental branco, com seus bolsos laterais carregados de pedaços giz, que serviam para serem atirados como petardos nos alunos distraídos. Eu era um dos seus alvos prediletos, não sem razão. Achava sua ciência muito difícil. As aulas de filosofia eram dadas pelo padre Francisco Culturato, que acabou se tornando nome de rua na cidade. Suas aulas de filosofia, na realidade, eram aulas de religião. Nunca tive uma aula de física, por falta de professores.

Biologia era dada por um médico chamado Dr. Newton. Tudo improvisado, como até hoje. A esculhambação do Ensino no Brasil vem de longe! Um verdadeiro descalabro. Muitos alunos daquela época acabaram se destacando com “cursinhos” posteriores e auto didatismo. Tinha por colegas, entre outros, o Jarbinhas Toloi e o Carlinhos Jajá que jogavam futebol na ADA, este último falecido no ano passado; o Joel Lauand; o Luis Tschua; o Zé Falcoski; o Jonas Farias, o Porto Alegre, que já era locutor da Rádio Cultura, PRD-4; o Ubirajara Barbosa Caldas, que se destacava como enxadrista e como irmão da aluna mais bonita do colégio; o Sidney Sanches, que acabou juiz do STF; o Hugo Salinas Fortes; o Dedão, que afogou, precocemente, sua brilhante inteligência nos bares da vida e cujo pai lembrava o ator de cinema americano, Charles Laughton (1899-1962); o matonense Wlady Benassi.

Com esses três últimos joguei voleibol, juntamente com os funcionários da Cadeia, localizada onde hoje se localiza o Edifício Villa do Sol, defronte ao Imparcial. A sala de aula era mista, contendo os dois gêneros e me lembro da aluna Nuvarti Setian (armênia ou judia?), excelente estudante, filha de um comerciante da rua 2 e que entrou na medicina da USP em São Paulo, sem cursinho, o que obrigou seus pais a se mudarem para a capital; a Edith Rocha, a musa da classe, irmã do professor de Educação Física, Fernando Rocha, um gentleman que tive o prazer de conhecer.

O Ignácio começou na literatura escrevendo sobre cinema aqui mesmo no “O Imparcial”. Já demonstrava uma precoce vocação literária. Parabéns, também, ao nosso jornal, que sempre deu guarida a quem se predispusesse a escrever. Entre tantos xibios tentados, um se tornou diamante na literatura. O Imparcial foi o andador do Ignácio nas letras, foi quem lhe deu a primeira mamadeira. E como cresceu o garoto! Uma vitória tripla: do autor, do jornal e da cidade! Como disse dona Cecília, matriarca da família Imparcial: “demorou”!

  Eu não sei quem mais foi imortalizado. Se a cidade ou seu filho ilustre.
  Sei da sua humildade. Jamais chegaria a ABL por vaidade. Chegou lá, praticamente, chamado por ela. Ela é que saiu engrandecida com sua chegada. Parabéns! Ambos se fizeram por merecer! No seu discurso de posse afirmou: “Imagina. Sair de Araraquara e chegar aonde cheguei. Estou muito feliz. Nem acredito”.  Bobagens, Ignácio, só vencestes pela sua vocação, trabalho e perseverança. Mais uma vez meus cumprimentos. Parabéns!


  Mesmo, porque, se o Ignácio quisesse ser imortalizado pelas letras, seria difícil, ficaria frustrado. O nosso povo, por sua conta e risco, já imortalizou seus heróis, como Leônidas da Silva, Pelé, Ademir da Guia, Rivelino e tantos outros. Aqui em Araraquara foram o Bazani, Dudu, Faustino, Dirceu e outros congêneres. Mestres de literatura, de ciência, da arte em geral, aqui no Brasil, são ignorados pela falência múltiplas de seus órgãos.


  O historiador Laurentino Gomes no seu livro “1889” comenta o caso da emissora de TV, chamada Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT, que tem seu público principal nas classes C e D, e que em 2012, convidou seus espectadores para escolher celebridades históricas, onde escolheriam o “maior brasileiro de todos os tempos”. Quem seria “imortal” para os brasileiros. A relação trouxe excentricidades como Pelé, o goleiro Marcos do Palmeiras e o bispo Edir Macedo, fundador da IURD, igreja Universal do Reino de Deus.


  Ninguém citou um cientista, um artista ou escritor!


Ganhou em primeiro lugar o médium espírita, Chico Xavier. Para o povo brasileiro, imortal (desculpe o trocadilho), só poderia ser um espírita!

Redação

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