A Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo denunciou nesta sexta-feira (27) 14 pessoas acusadas de integrarem uma organização criminosa para fraudar licitações dos lotes 1, 2 e 3 do trecho norte do Rodoanel. Os acusados são agentes públicos da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), empresa de economia mista responsável pela obra, e funcionários das construtoras responsáveis pelos lotes cujas fraudes estão apontadas nesta primeira denúncia: OAS, Mendes Júnior e Isolux.
Segundo a denúncia do MPF, a primeira da Operação Pedra no Caminho, a organização criminosa operou fraudes no trecho norte do Rodoanel entre outubro de 2014 até a deflagração da operação, em junho passado.
O Rodoanel Mario Covas é um empreendimento viário de grande porte que interliga todas as estradas que chegam a São Paulo. O objetivo principal da obra, em construção desde 1998, é evitar o fluxo de caminhões pesados que não se destinam à capital pelas vias urbanas da cidade. A obra conta com aporte de recursos federais por meio do convênio 04/99, firmado entre o DNIT, a Dersa, o Estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O trecho norte do Rodoanel é a última etapa do anel viário e ligará os trechos leste, oeste e o acesso ao aeroporto de Guarulhos. Com 44 km de extensão, o trecho foi licitado pelo critério de menor preço e subdividido em seis lotes, cujos contratos originais foram orçados com preços variando entre R$ 601 milhões e R$ 788 milhões. As obras começaram em fevereiro de 2013 e, passados cinco anos, não foram concluídas.
Os crimes denunciados começaram com a celebração de Termos Aditivos ao Contrato n. 4.349/2013, firmado com a OAS no Lote 2, em outubro de 2014. O aditivo previa a inclusão de serviços de remoção de matacões (rochas) a céu aberto, o que acabou estendido também para os lotes 1, 3, 4 e 5 da obra. A investigação não encontrou indícios de irregularidades no lote 6. Há indícios de fraudes nos lotes 4 e 5, que são objeto de outra apuração que apuração está sendo aprofundada pelos órgãos que investigam o caso: MPF, PF, CGU e TCU.
Segundo a denúncia, os aditivos se baseavam na “presença inesperada” dos matacões que precisavam ser removidos. Contudo, desde o projeto básico do Rodoanel, já se sabia que o trecho norte passaria pela rochosa Serra da Cantareira e que tal questão geológica era prevista. O projeto básico se lastreava em pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP, que há 60 anos estuda a região do empreendimento. A remoção dos matacões, portanto, já era um custo que compunha os preços previstos para cada lote.
Os acréscimos indevidos geraram impacto financeiro calculado pelo MPF em torno de R$ 480 milhões, que correspondem ao superfaturamento por meio da manipulação proposital de quantitativos nos contratos. Na denúncia, o MPF requereu que este valor seja o mínimo para reparação. Segundo o Tribunal de Contas da União, somente os aditivos contratuais geraram um prejuízo de R$ 235 milhões aos cofres públicos.
A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. Todos os 14 denunciados são acusados pelo crime de organização criminosa, cuja pena é de 3 a 8 anos de prisão. A pena pode ser aumentada de 1/6 a 2/3 em virtude da presença de servidores públicos na organização. A denúncia identifica três núcleos com características distintas: econômico, administrativo e financeiro.
Do núcleo econômico da organização participaram os representantes das construtoras: os engenheiros Daniel Filardi Júnior e Márcio Aurélio Moreira (Mendes Júnior), Enrique Fernandez Martinez (Isolux) e Carlos Henrique Barbosa Lemos (OAS).
Do núcleo administrativo da organização criminosa participavam dez servidores da Dersa, entre elas o então presidente, Laurence Casagrande Lourenço, que ocupou o cargo até maio de 2017 e o acumulou por um período com a função de secretário de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, e o ex-diretor de Engenharia da empresa, Pedro da Silva. Ambos encontram-se presos preventivamente por ordem da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
Integravam este núcleo os ex-engenheiros fiscais dos lotes 1, 2 e 3, respectivamente, Edison Mineiro Ferreira dos Santos, Benedito Aparecido Trida e Carlos Prado Andrade; o ex-gestor do empreendimento Pedro Paulo Dantas do Amaral Campos, a ex-diretora jurídica e ex-gerente de Recursos Humanos da empresa Silvia Cristina Aranega Menezes e o ex-diretor financeiro da companhia Benjamim Venâncio de Melo Júnior.
Também foram denunciados por associação criminosa os ex-engenheiros fiscais dos lotes 4 e 5, Adriano Francisco Bianconcini Trassi e Hélio Roberto Correa, respectivamente, por terem encaminhado pedidos de composição dos preços dos consórcios responsáveis por estes dois trechos: Construcap-Copasa e Acciona Infraestructuras.
Em síntese, a organização criminosa funcionava da seguinte maneira: atendendo às solicitações das construtoras, os engenheiros fiscais recomendavam sem ressalvas a aprovação das propostas de ajustes indevidos para o gestor do contrato, que também dava seu aval e encaminhava as propostas de aditivos para aprovação da diretoria colegiada, composta por Laurence Casagrande, Pedro da Silva, Silvia Aranega e Benjamim Venâncio.
O núcleo financeiro da organização criminosa é objeto de investigação ainda em andamento. Foram identificadas movimentações realizadas por laranjas em contas de passagem, mediante estratégias de ocultação da origem desses valores obtidos criminosamente.
Na apresentação da denúncia, a Força Tarefa da Lava Jato em São Paulo pede a abertura de novos inquéritos policiais para apurar especificamente os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, além dos relacionados às fraudes licitatórias nos lotes 4 e 5 do Rodoanel Norte. No mesmo documento, o MPF pede o afastamento de todos os acusados de funções públicas que eventualmente ocupem com o objetivo de evitar que voltem a cometer crimes.
FRAUDES A LICITAÇÕES. As fraudes nos contratos dos lotes 1, 2 e 3, se deram com a participação de 12 dos 14 denunciados. As condutas dos engenheiros fiscais dos lotes 4 e 5, Adriano Trassi e Hélio Correa, respectivamente, serão analisadas em investigação mais detalhada.
Segundo a denúncia, os acusados violaram dispositivos da lei de licitações: art. 92 (possibilitar vantagem ao contratado por meio de modificação ou prorrogação de contrato sem autorização legal ou no edital da licitação) e o art. 96, incisos I e V (fraudar licitação por meio de superfaturamento, onerando os cofres públicos).
As fraudes se deram por meio de superfaturamentos que foram lastreados em cinco aditivos contratuais nos lotes 1, 2 e 3, assinados entre outubro de 2014 e setembro de 2015, e celebrados com aparência de regularidade do ponto de vista contábil, para não atrair a fiscalização do BID.
Os aditivos incluíram novos serviços, como desmonte de rochas, explosões e escavação para terraplanagem, por exemplo, sob a justificativa de que as condições encontradas nas obras eram mais severas que as previstas na época da licitação. Apesar de a Dersa ter sido alertada em maio de 2016, por meio de um relatório do IPT, de que a presença de matacões e blocos de rocha naquele ambiente geológico era previsível, a empresa seguiu pagando pela remoção de rochas até fevereiro de 2017.
Apenas com serviços relacionados aos matacões, nos lotes de 1 a 5, a Dersa desembolsou quase R$ 132 milhões. O superfaturamento dos contratos era disfarçado por uma prática conhecida como “jogo de planilhas”, que consiste na redução de itens dos contratos para que os valores acrescidos não chamem a atenção. É com este jogo que as construtoras obtêm lucros exorbitantes nas obras, segundo a denúncia, pois assim recuperam os descontos ofertados para ganhar a licitação.
Além disso, houve a subcontratação irregular de serviços. Nos lotes 2 e 3, a OAS contratou, em abril de 2016, por R$ 54 milhões, a empresa Toniolo Busnello para a execução da escavação de dois túneis. Tal terceirização, embora vedada nos editais de pré-qualificação e da licitação, foi permitida pela diretoria da Dersa. A autorização e o pagamento da subcontratação foram feitos um ano depois, por meio de resoluções da diretoria da empresa.
FALSIDADE IDEOLÓGICA. A denúncia imputa a 9 dos 14 denunciados o crime de falsidade ideológica. No lote 1 (Consórcio Mendes Júnior / Isolux / Corsan) foi inserida declaração falsa na planilha de serviços e preços ao se reduzirem as quantidades de execução de concreto projetado. A farsa foi montada para evitar “impacto financeiro” e impedir objeção do BID.
No lote 2 (OAS) foram reduzidos itens de concreto para túneis também para diminuir o valor do contrato e evitar objeção do banco que financiou a obra.
ACUSADOS E CRIMES. Confira a lista de denunciados e os crimes atribuídos a cada um:
Daniel de Souza Filardi Júnior (Mendes Júnior) – fraude a licitação e organização criminosa;
Márcio Aurélio Moreira (Mendes Júnior) – falsidade ideológica e organização criminosa;
Enrique Fernandez Martinez (Isolux) – fraude a licitação, falsidade ideológica e organização criminosa;
Carlos Henrique Barbosa Lemos (OAS) – duas fraudes a licitação, falsidade ideológica e organização criminosa;
Laurence Casagrande Lourenço (Dersa) – cinco fraudes a licitação previstas no artigo 92 e duas previstas no artigo 96, falsidade ideológica praticada por servidor público e organização criminosa;
Pedro da Silva (Dersa) – cinco fraudes a licitação previstas no artigo 92 e duas previstas no artigo 96, falsidade ideológica praticada por servidor público e organização criminosa;
Pedro Paulo Dantas do Amaral Campos (Dersa) – cinco fraudes a licitação previstas no artigo 92 e duas previstas no artigo 96, e organização criminosa;
Silvia Cristina Aranega Menezes (Dersa) – cinco fraudes a licitação previstas no artigo 92 e duas previstas no artigo 96, falsidade ideológica praticada por servidor público e organização criminosa;
Benjamim Venâncio de Melo Júnior (Dersa) – cinco fraudes a licitação previstas no artigo 92 e duas previstas no artigo 96, falsidade ideológica praticada por servidor público e organização criminosa;
Edison Mineiro Ferreira dos Santos e Benedito Aparecido Trida (Dersa) – fraude a licitação, falsidade ideológica e organização criminosa;
Carlos Prado Andrade (Dersa) – fraude a licitação e organização criminosa;
Adriano Francisco Bianconcini Trassi e Hélio Roberto Correa (Dersa) – organização criminosa