O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) condenou em segunda instância o Município de Araraquara à obrigação de emitir CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) para os casos de confirmação ou suspeita de servidores municipais que tenham contraído covid-19 em decorrência do trabalho – quando houver nexo presumido e não for afastada a presunção por outras provas, mantendo a pena de multa de R$ 1.000,00 por infração. A ação é do Ministério Público do Trabalho (MPT).
O acórdão proferido pelos desembargadores também manteve a obrigação imposta em sentença de primeira instância, de que o Município deve indenizar no valor de R$ 1.000,00 cada trabalhador cuja emissão de CAT foi solicitada pelo CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) em razão de haver uma relação estabelecida entre a doença e o trabalho (nexo causal), e tal solicitação foi desconsiderada sem provas do contrário.
O MPT, por meio do procurador Rafael de Araújo Gomes, instaurou inquérito civil a partir do recebimento de denúncia oferecida pelo SISMAR (Sindicato dos Funcionários Municipais de Araraquara), noticiando que o Município estaria se recusando a emitir a CAT em casos de contaminação por covid-19, mesmo de profissionais da área da saúde que estavam na linha de frente do atendimento de pacientes contaminados com o vírus. Segundo o denunciante, o Município insistia nesse entendimento mesmo em casos cuja necessidade de emissão de CAT já tinha sido apurada pelo CEREST.
Uma série de depoimentos colecionados no inquérito, nos quais foram ouvidos médicos, enfermeiros e outros profissionais, levaram à conclusão de que houve grave omissão do Município. Os trabalhadores ouvidos disseram que, quando contraíram covid, apresentaram atestado, mas sequer chegaram a ser procurados pelo SESMT municipal.
“O Município não realizou a emissão da CAT sequer em favor dos trabalhadores que se contaminaram enquanto trabalhavam na unidade de saúde especializada no atendimento de casos suspeitos e confirmados de adoecimento por covid-19, ou seja, trabalhadores que laboravam em unidade de saúde na qual circulavam diariamente pacientes com a doença. Nem mesmo para enfermeiros e médicos nessas condições o Município emitiu a CAT, inobstante ser apenas óbvia a existência de, no mínimo, suspeita da contaminação relacionada ao ambiente e atividade laboral. A prova também revela a falácia da alegação do Município de que todos os casos com CAT por cogitar são efetivamente submetidos a análise por profissionais do SESMT. Simplesmente nenhum dos trabalhadores ouvidos pelo MPT, dentre aqueles cuja CAT foi solicitada pelo CEREST ao Município, foram por estes entrevistados ou contactados a respeito da CAT”, revelou o procurador.
Em setembro de 2022, o Município sofreu a primeira condenação judicial na 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, ingressando com recurso ordinário. A decisão do TRT-15 confirmou todas as obrigações de fazer e não fazer impostas pela sentença de primeira instância, revendo apenas a questão dos cálculos de juros e mora sobre os valores indenizatórios. A procuradora Ivana Paula Cardoso conduziu o processo pelo MPT no 2º Grau.
Citando a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, emitida pelo Ministério da Saúde durante o período pandêmico, o desembargador relator Renato Henry Sant´anna afirmou em sua decisão que a legislação “traz uma peculiaridade ao dispor, em consonância com o senso comum, sobre a presunção de enquadramento da doença como ocupacional, nos ‘casos mais claros de profissionais da saúde que trabalham com pacientes contaminados’. Em tais circunstâncias, evidente que o nexo laboral não pode ser simplesmente descartado pelo empregador, demandando avaliação fundamentada”, afirmou.
O acórdão acolhe os fundamentos e provas apresentados pelo MPT nos autos, afirmando que “resta evidente o ilícito praticado pelo Réu, que deixou de dar cumprimento integral ao dever legal de comunicar o acidente de trabalho à Previdência Social, conduta ofensiva e prejudicial aos trabalhadores, que não puderam se beneficiar, oportunamente, dos efeitos jurídicos advindos do reconhecimento do nexo laboral da contaminação por covid-19, nas esferas trabalhistas, fundiárias e previdenciários (sic)”.
Segundo o juízo, as indenizações individuais de R$ 1.000,00 para cada trabalhador prejudicado, impostas na sentença, são de valor “adequado”, no sentido de atender a dois objetivos: “indenizar o ofendido e ser relevante ao causador do dano, de forma a coibir conduta semelhante no futuro, sendo, portanto, consentâneo com o princípio da razoabilidade, a extensão do dano, o grau de culpabilidade da reclamada, além de ser suficiente para atingir o efeito pedagógico da condenação”, finalizou.
Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).