sábado, 6, julho, 2024

Não diga sim quando quer dizer não

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Por Mário José Marchi Vissali Pinto

 


Sempre gostei de música e na minha adolescência comprava muitos discos. Quem não se lembra do Toninho da Chanton? Pois é, tinha um cuidado enorme com eles, limpava com produtos especiais semanalmente e organizava na prateleira por ordem alfabética e gênero musical. Alguns amigos, vez ou outra, me pediam emprestado e eu concordava. Muitos retornavam sujos, tortos, riscados e até quebrados. Como eu tinha emprestado, ficava receoso de falar alguma coisa.

Comecei um dia a negar o empréstimo, e muitos destes “amigos” simplesmente sumiram. Confesso que é uma sensação muito ruim, você concluir que estavam ali por interesse.

O tempo passou e hoje como psicólogo, atendo muitas pessoas com dificuldade de dizer o “não”. Recordo-me de um paciente que após a separação solicitada pela mulher, continuava a receber dela pedidos constantes, os quais eram prontamente atendidos por ele. No primeiro não que conseguiu dizer, relatou-me que minutos depois sentiu um arrependimento, desejo de ligar, pedir desculpas, mas resistiu.

Muitas pessoas agem desta maneira. Calam-se ou deixam subentendido que concordam com decisões e atitudes, muitas vezes por anos, quando na verdade desejariam dizer o não.

Enquanto atuei como orientador em escolas da cidade, recebi muitas queixas por parte de docentes e funcionários, de alunos que pareciam não ter limites, desafiavam as normas escolares e desrespeitavam professores que tentavam inutilmente estabelecer uma ordem. Ao entrevistar os pais destes alunos, eu percebia uma educação permissiva, onde satisfaziam todas as vontades dos filhos, para estes, a palavra não, nunca era pronunciada.

Talvez, o que poucas pessoas se deem conta é que patologias surgem na medida em que, permanecem em silêncio diante de algo que não concordam, ou realizam atividades sem vontade, ou mais ainda, deixam transparecer uma falsa concordância, diante de situações afetivas, pessoais e profissionais.

Sentimentos como insatisfação, tristeza, revolta, podem tomar conta do indivíduo, assim como a aparecimento de sintomas de ansiedade, estresse e depressão.

Para quem tem dificuldade em dizer o “não”, é necessário o aprendizado. Provavelmente nas primeiras vezes pode ser difícil, mas na medida em que se percebe os benefícios pessoais desta atitude, torna-se cada vez mais fácil.

Inevitável vir à cabeça outro exemplo ilustrativo: quando ministrava treinos de natação, muitas vezes eu sugeria um trabalho que parte dos atletas não concordavam em realizar, mas permaneciam em silêncio numa demonstração de que estavam compactuando com a proposta, porém, não foram poucas as vezes que o rendimento ficava muito aquém do esperado, provavelmente porque realizavam as tarefas sem a motivação e a concordância.

O mundo muda constantemente e com ele as relações interpessoais. Se num tempo não tão distante, os indivíduos optavam pelo silêncio diante de situações de conflito nas relações, hoje e cada vez mais, as pessoas estão fazendo prevalecer os seus desejos e vontades, dizendo sim quando querem dizer sim, mas também dizendo não quando desejam.

Mário José Marchi Vissali Pinto é Psicólogo Clínico, Esportivo e Orientador Vocacional
CRP – 06/288445 – e mail: mariomarchi.j@bol.com.br/mariomarchi.j65@gmail.com

Redação

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