Uma fila com mais de um milhão de brasileiros à espera de exames, cirurgias e diagnósticos. Do outro lado, uma rede privada subutilizada e R$ 750 milhões em dívidas acumuladas junto ao SUS. A equação que parecia impossível acaba de ganhar um novo desfecho: a partir de agosto, pacientes da rede pública poderão ser atendidos por planos de saúde privados, por meio de um programa inédito do governo federal.
O programa
Batizada de Agora Tem Especialistas, a medida autoriza operadoras da saúde suplementar a converter seus débitos com o SUS em atendimento direto à população — incluindo consultas, exames e cirurgias — sem custo algum para o paciente. O programa estreia com foco em seis especialidades críticas: oncologia, cardiologia, ortopedia, ginecologia, oftalmologia e otorrinolaringologia.
Em vez de repasse em dinheiro, o pagamento da dívida será feito em forma de cuidado. A meta é clara: desafogar a fila do SUS e transformar passivo financeiro em acesso real à saúde.
Impacto imediato
O Ministério da Saúde estima que, ainda em 2025, mais de 250 mil pacientes sejam atendidos por meio da nova política. As operadoras interessadas deverão cumprir critérios técnicos e operacionais, com capacidade para realizar ao menos 100 mil atendimentos mensais — ou 50 mil, no caso de regiões com menor infraestrutura.
Os serviços serão regulados pelas gestões estaduais, e a seleção dos pacientes seguirá os critérios de prioridade já existentes no SUS. O processo de credenciamento será feito por meio da plataforma InvestSUS, com monitoramento da ANS.
O que diz o setor?
Para Leandro Giroldo, CEO da Lemmo Corretora, professor da ENS e referência em saúde suplementar, a medida representa uma virada histórica — mas exige vigilância.
“Essa integração precisa ter um norte: garantir atendimento de qualidade para quem mais precisa. O que não pode acontecer é o paciente continuar esperando na fila enquanto há leitos e médicos disponíveis do outro lado. Se o setor privado pode ajudar a girar essa engrenagem, ótimo — mas com transparência, critério e responsabilidade social.”
Inovação no formato
Um dos diferenciais do Agora Tem Especialistas é o modelo de Ofertas de Cuidados Integrados (OCI), que obriga a entrega completa do atendimento: a operadora só será remunerada quando concluir o pacote completo (consulta, exames e desfecho terapêutico).
A partir de outubro, os atendimentos realizados na rede privada também passarão a integrar a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) — o que permitirá ao SUS rastrear o histórico clínico do paciente, mesmo quando atendido fora da sua rede.
Uma nova era ou uma solução paliativa?
Apesar do potencial de impacto imediato, o programa já gera debate entre especialistas. Para alguns, ele representa uma solução ousada e necessária diante da crise crônica da rede pública. Para outros, é um risco de dependência excessiva da iniciativa privada e um sinal de alerta para o subfinanciamento do SUS.
O certo é que, pela primeira vez, o setor público e privado se unem oficialmente em larga escala não por convênio, mas por obrigação convertida em cuidado — e isso pode mudar o futuro da saúde no Brasil.