Projeto pioneiro, fomentado pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), busca produzir o Carfilzomib, um medicamento quimioterápico vital para tratar o mieloma múltiplo, um tipo de câncer de sangue agressivo que afeta milhares de brasileiros todos os anos.
Através da parceria entre pesquisadores da Unidade Embrapii Materiais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) com a Import Now, empresa filha da UFSCar e spin-off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF/CEPID/FAPESP), com sede em São Carlos, está em desenvolvimento uma rota sintética inovadora para produzir o fármaco a partir de métodos mais eficientes e de baixo custo. A expectativa é tornar o processo entre 30% e 50% mais rápido e mais barato.
Luiz Ferreira, químico e sócio proprietário da Import Now, lembra que numa com conversa com Elson Longo, Professor Emérito da UFSCar e diretor do CDMF, relatou a vontade de desenvolver um material sintético com tecnologia nacional (Carfilzomib), que estaria com sua patente prestes a vencer. “O professor Elson me sugeriu o contato com o professor Márcio Weber que desenvolve inúmeros trabalhos na área de síntese orgânica utilizando fotoquímica, que além de facilitar as sínteses, diminui o tempo do processo. Assim, a Import Now buscou com o professor Márcio afinar este desejo transformando-o em um projeto de pesquisa alocado na EMBRAPII”, explica Luiz Ferreira.
O tratamento do mieloma múltiplo é caro. Cada frasco de 60 mg do Carfilzomib custa em média R$ 6,5 mil. Em três anos – tempo estimado de tratamento -, o paciente pode gastar mais de R$ 800 mil. A ideia é substituir processos químicos tradicionais por técnicas inovadoras que utilizam materiais novos como catalisadores e suportes sólidos, além de incorporar princípios de sustentabilidade.
O projeto está em fase laboratorial, com testes para escalonamento industrial, e alavancou R$ 787,5 mil em recursos da Embrapii e da empresa. A inovação tem como meta reduzir o preço do medicamento e garantir produção nacional, diminuindo a dependência de importações. A conclusão do projeto está prevista para 2026.
“Iniciativas deste porte nos enchem de orgulho porque indicam que, com nossa contribuição, estão sendo desenvolvidos medicamentos que salvam vidas, com o uso de tecnologias que reduzem desigualdades. Projetos como este provam que o Brasil pode ser autossuficiente em saúde”, destaca o presidente da Embrapii, Alvaro Prata.
Ao usar novos materiais e técnicas sustentáveis, o projeto busca tornar o medicamento mais acessível, reduzir os resíduos gerados durante o processo de produção e criar um modelo que possa ser aplicado a outros fármacos, promovendo uma indústria farmacêutica/farmoquímica mais sustentável e independente.
“O maior destaque dessa tecnologia está na originalidade do nosso processo. Até o momento, não existe nenhuma metodologia similar reportada na literatura. Nossa rota de síntese permitirá a produção desse importante fármaco em um tempo significativamente menor, com maior pureza bruta e a um custo reduzido — tudo isso acompanhando os princípios de sustentabilidade. É uma solução que alia eficiência, economia e responsabilidade ambiental”, ressalta Márcio Weber, coordenador do projeto na Unidade Embrapii.
Inovação
O Carfilzomib é um medicamento complexo de segunda geração, ou seja, mais avançado e eficaz do que os primeiros tratamentos disponíveis para o mieloma múltiplo. No entanto, sua síntese tradicional envolve processos mais longos e onerosos.
A produção da droga utiliza organocatalisadores, fotocatalisadores e outros materiais que aceleram reações químicas sem serem consumidos. No projeto, serão avaliados catalisadores de última geração para tornar as reações mais rápidas e seletivas. Por exemplo, em reações de epoxidação assimétrica — etapa essencial na síntese do Carfilzomib — esses catalisadores podem reduzir desperdícios e evitar o uso de metais no processo produtivo.
Em vez de realizar reações em soluções líquidas, o projeto utiliza um suporte sólido (como pequenas esferas de resina) para “ancorar” as moléculas durante a síntese. Isso permite construir o remédio de forma sequencial, evitando as demoradas etapas individuais de purificação. A técnica reduz o uso de solventes e simplifica a purificação, cortando custos.
Impacto triplo
A solução inovadora pode impactar setores importantes, como economia, sustentabilidade e saúde pública. Segundo o estudo realizado pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer da Organização Mundial da Saúde, de 2020 a 2024, o mieloma múltiplo é o segundo tipo de câncer de sangue mais comum no mundo. No Brasil, 45% dos casos de mieloma múltiplo ocorrem em pessoas acima de 65 anos, grupo prioritário no Sistema Único de Saúde (SUS).
O emprego e reutilização de catalisadores, associada com redução de resíduos tornam o processo até 40% mais barato. A produção local fortalece a indústria nacional e promove acesso rápido, sem importações e mais barato. Os métodos estão alinhados à química verde e evitam a geração de toneladas de resíduos por ano (em escala industrial).
“A substituição da síntese em fase líquida pela síntese em fase sólida, aliada ao uso de catalisadores, pode resultar em uma economia de 30% a 50% em tempo e custos operacionais. Essa redução se deve à menor necessidade de purificações entre os ciclos de acoplamento, à maior automação — que diminui o tempo de trabalho manual —, à menor demanda por solventes e reagentes e à facilidade de escalonamento, especialmente em sistemas automatizados”, explica, Weber.
Embrapii
A Embrapii é uma organização social que atua em cooperação com Instituições de Ciência e Tecnologia, públicas ou privadas, para atender ao setor empresarial e fomentar a inovação na indústria. Para isso, conecta centros de pesquisa e empresas, compartilhando os custos da inovação ao aportar recursos não reembolsáveis em projetos que levem à introdução de novos produtos e processos no mercado. Para ter acesso ao modelo, a empresa deve apresentar seu desafio tecnológico à Unidade Embrapii com a competência técnica que se enquadra às necessidades do projeto. A Embrapii possui contrato de gestão com o Governo Federal, por meio dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Além disso, possui parceria com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
CDMF
Com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e dirigido pelo Prof. Dr. Elson Longo, o CDMF é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e recebe também investimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN). (Com informações da Assessoria de Comunicação da Embrapii).