Luís Carlos Bedran*
“Acordo com uma preguiça danada, nem começou a primavera, parece até verão.
Faço como tenho feito nos últimos 100 anos: vou ler jornal. Às vezes alguns amigos me
perguntam porque continuo a ler jornal de papel se tudo o que se quer saber está na
internet, ou no computador ou no celular. E de graça.
Conversa mole para boi dormir. Tudo tem um custo. O computador é movido à
eletricidade e o celular à bateria, nada é de graça, como diria o Conselheiro Acácio se
estivesse vivo. E ambos hão de estar ligados à Web por algum meio e todos tenho de
pagá-los se quiser saber o que se passa no mundo.
Li num lugar qualquer que não existe almoço grátis: “there is no free lunch”
como me esclarece o sabichão professor Google. Então respondo-lhes, pela milésima
vez, que prefiro ler o que está escrito no papel. Parece que o que está impresso é o que
fica para a eternidade e certamente não vou imprimir um texto que me interessa no
computador e menos ainda salvá-lo num celular.
Não consigo me esquecer daquele provérbio latino que costumo repetir sempre:
“verba volant, scripta manent”, as palavras voam, os escritos ficam. Aliás, a língua
latina, como certa vez ouvi um professor dizer, é uma língua matemática. Acho que foi
numa defesa de tese que assisti do poeta Jorge de Sena na Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Araraquara sobre Camões. Nada nela é supérfluo.
Então começo a ler o jornal do dia. Do fim para o começo, deitado e de ponta
cabeça. Pulo todo o caderno esportivo, principalmente quando se fala de futebol.
Esporte ou se o pratica ou não.
Aí vou para a parte internacional e então leio as loucuras do Trump, que é um
cara que os americanos gostam, tanto que lá a economia vai bem, como até me disse um
amigo cujo filho lá mora. Continuo lendo sobre a miséria da Venezuela, da França que
proibiu o uso do celular nas salas de aula, do Putin na Rússia que quis mudar a
previdência social, com as passeatas oposicionistas, da pena de morte no Egito, da
eterna guerra fratricida na Síria e até de um artigo anônimo publicado no New York
Times de um membro do governo Trump que diz que ele não governa. Quem governa
mesmo são seus assessores.
Passo a ler sobre a nossa política e constato, pelas manchetes, que quase todos os
nossos candidatos à Presidência da República estão envolvidos nos mais diversos
crimes. Supostamente, por enquanto. Um que luta no STF para ser candidato, continua
preso; outro levou uma facada, quase que mortal e que ofuscou, por ora, o que está
preso.
Os outros e as outras continuam a fazer suas propagandas respeitosas, em
consideração ao que foi ferido. Pelo menos por enquanto. E até leio uma estranha
declaração do chefe do nosso Exército onde se diz que ele se mostra muito preocupado
com o andamento dos embates eleitorais, a ponto de afirmar que a intolerância atual
pode encontrar dificuldade para que o novo governo tenha estabilidade, podendo até
mesmo ter sua legitimidade questionada. Afirmação essa que também muito nos
preocupa pelo importante cargo que exerce.
E aí finalmente chego ao começo do jornal. Leio os pesados e críticos editoriais,
as mensagens dos indignados leitores, as opiniões e os comentários de abalizados
jornalistas e economistas, geralmente sobre a atual conjuntura. Ufa! Cansei.
Embora tenha ficado mais confuso ainda do que estou, não é de hoje que já
formei minha opinião sobre os candidatos e candidatas à Presidência. Sei em quem vou
votar, apesar de, pela minha idade, não ser mais obrigado a isso.
Mas faço questão, porque o voto é coisa rara. Não foi assim há tempos.
Antigamente nem existia eleição. Voto é alegria. Vou contente votar, trajando no
domingo uma roupa branca para dar sorte, calça jeans universal, de braços dados com a
minha santa daqui de casa, um ritual cívico.
E para terminar a leitura vou para o caderno de amenidades ler o cronista ou do
dia, os artigos e as notícias sobre as artes, mas deixo as palavras cruzadas para outra
ocasião porque ninguém é de ferro.
Como já é noite, não irei ver nem ouvir o Jornal Nacional da Globo, pois de
desgraças basta o que já li, não importando se atuais e então, se o sono demorar para vir,
tentarei assistir um filme bom, coisa rara na TV.
Querido diário: por hoje é só. Amanhã tem mais”.
*Sociólogo