Recorde de acidentes em SP revela tragédia na construção civil e o rosto urbano da escravidão moderna

Maior economia do país enfrenta aumento de acidentes fatais, enquanto resgates expõem a exploração humana em oficinas clandestinas

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Imagine cair de um andaime sem equipamento de segurança, em plena obra no centro de São Paulo e não ter carteira assinada, nem acesso a direitos básicos. Essa é a realidade de milhares de trabalhadores da construção civil no estado que mais registra acidentes fatais no país. Em 2024, São Paulo somou quase 12 mil acidentes e 57 mortes no setor, um recorde. A cada 47 minutos, um operário se acidenta. A maioria segue na informalidade.

O estado teve ainda, 467 trabalhadores resgatados em 2024, a maioria em oficinas de costura, obras irregulares e trabalho doméstico degradante, escancarando o rosto urbano da escravidão moderna. No mesmo período, o Brasil ultrapassou 742 mil acidentes de trabalho, com cerca de 598.764 notificações relacionadas ao trabalho, revelando afastamentos, invalidez e mortes em patamares alarmantes.

Esses números são reflexos de uma crise sem precedentes na fiscalização trabalhista: apenas 3% dos estabelecimentos brasileiros foram fiscalizados. Hoje, a cada 46 segundos ocorre um acidente de trabalho no país, e a cada 3h30 um trabalhador perde a vida.


Construção Civil: o setor mais crítico em São PauloA construção civil lidera os acidentes fatais em São Paulo. Somente em 2024, o setor registrou 11.987 acidentes, com 57 mortes. Isso representa um aumento expressivo frente aos 10.725 acidentes e 52 mortes em 2023. No primeiro quadrimestre de 2025, já ocorreram 4.010 acidentes, com 15 mortes, equivalendo a um acidente a cada 47 minutos.

O segmento de construção de edifícios contabilizou 2.590 acidentes e 12 mortes em 2024. Entre as principais causas, estão quedas de altura, responsáveis por aproximadamente 30% das mortes no setor, agravadas pela informalidade que chega a atingir até 60% dos trabalhadores da construção civil. O transporte rodoviário, tanto de cargas como de passageiros, também figura entre os setores com maior número de acidentes fatais, causado principalmente por jornadas exaustivas e manutenção precária.

“O Estado brasileiro se omite, mesmo em locais com estrutura econômica avançada. A fiscalização do trabalho foi esvaziada ao longo das últimas décadas. Com quase 2 mil cargos vagos e apenas 1 auditor fiscal para cada 33 mil trabalhadores, estamos diante do abandono da política pública mais estratégica do país”, afirma Eduardo Ronny, representante da Comissão dos Aprovados no concurso AFT em São Paulo.

Déficit histórico na Auditoria-FiscalAtualmente, o Brasil tem apenas 1.842 Auditores-Fiscais ativos para fiscalizar mais de 100 milhões de trabalhadores, além de 1 milhão de pessoas submetidas ao trabalho escravo moderno, 1,6 milhão de crianças exploradas e mais de 964 mil vagas obrigatórias para PCDs não preenchidas.

Neste 27 de julho, o Dia Nacional da Prevenção de Acidentes de Trabalho completa 51 anos, evidenciando a deterioração das condições laborais. Em 2012, havia 17 acidentes por 10 mil trabalhadores; hoje são 58 acidentes por 10 mil trabalhadores, números oficiais que ainda subestimam a realidade devido à subnotificação.

Impactos econômicos e sociais alarmantes
Além do custo humano, os acidentes de trabalho oneram gravemente os cofres públicos. Em 2023, o Brasil gastou mais de R$ 15 bilhões em benefícios acidentários apenas em decorrência de acidentes de trabalho. A informalidade, que alcança cerca de 40 milhões de trabalhadores (40% da força ocupada no país), agrava a crise previdenciária. Sem formalização de vínculos, trabalhadores perdem acesso à aposentadoria e sobrecarregam programas assistenciais.


Segundo o IPEA, a nomeação dos auditores aprovados no último concurso proporcionaria ao país pelo menos R$ 879 milhões em arrecadação direta, além de R$ 239 milhões adicionais apenas em fiscalizações relacionadas ao FGTS. Já um levantamento da Comissão dos Aprovados estima que a convocação dos 1.800 auditores do cadastro reserva resultaria em R$ 1,15 bilhão anuais em arrecadação, enquanto o investimento necessário seria de cerca de R$ 549 milhões anuais.


Descumprimento de compromissos internacionaisA grave situação também expõe o Brasil a denúncias internacionais. O país está em descumprimento flagrante da Convenção 81 da OIT, que estabelece um mínimo de 5.441 Auditores-Fiscais, e da meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, cujo compromisso assumido prevê erradicação do trabalho escravo e infantil até 2025.

Reconhecido pela ONU como país pioneiro na Aliança 8.7, o Brasil ainda não tomou medidas efetivas, como ampliação da Auditoria-Fiscal e fortalecimento do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), exigências explícitas no Roteiro Estratégico da Aliança.


Fiscalização urgente para enfrentar a crise
Sem a ampliação imediata da fiscalização, a escravidão moderna e acidentes fatais continuarão avançando. Em São Paulo, epicentro econômico brasileiro, vidas estão sendo perdidas e famílias destruídas enquanto a fiscalização segue enfraquecida. Uma solução eficaz segue ignorada: já que as vagas imediatas do concurso não suprem o déficit da carreira para proteção eficaz dos trabalhadores e estão longe de atingir os patamares recomendados pela OIT, há necessidade de convocação do cadastro reserva do concurso, visto que há mais de 900 cargos vagos na carreira e 1.800 aprovados no cadastro reserva de Auditores-Fiscais do Trabalho do Concurso Público Unificado de 2024.

“O Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica para enfrentar esse cenário trágico. Convocar imediatamente o cadastro reserva dos Auditores-Fiscais do Trabalho não é apenas um ato administrativo; é um compromisso com a vida e a dignidade dos trabalhadores”, reforça Rhodner Oliveira, outro representante da Comissão em São Paulo.

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